Cyberpunk2077PhantomLiberty

Análise – Cyberpunk 2077 2.0 + Phantom Liberty

Normalmente aqui no WASD, uma análise de uma expansão é inserida numa actualização do artigo de análise original. Contudo, temos de abrir uma excepção para Cyberpunk 2077 nesta sua nova era.

É que muita coisa se passou desde a nossa avaliação original em 2020. Tanto que não seria justo tentarmos imprimir uma nova apreciação por cima do que foi dito na altura. De facto, o jogo lançado então tinha tanto de positivo como de negativo, tornando-se desapontante. Só que não foi a visão criativa da CD Projekt RED que foi posta em causa, foi a sua implementação. Em três anos, jogo e produtora foram prejudicados com atrasos, críticas corrosivas, suspensões de vendas, processos legais, pedidos de desculpas, ataques informáticos, muitas correções, prémios “imerecidos”, entre outras peripécias. Mais que um mero jogo a precisar de polimento,é agora uma afirmação da produtora Polaca.

Desde que foi anunciada que a expansão Phantom Liberty foi recebida com um misto de reacções. Por um lado, trazia consigo a promessa da CDPR que seria a sua redenção, num jogo que poderia perfeitamente encerrar a produção e partir para a sequela já anunciada. Todavia, esta era uma expansão paga o que causou algum ruído entre os fãs, depois de aguentarem tantos revezes. A CDPR justificou o custo com algo realmente novo e expansivo, prometendo ainda a actualização 2.0 como uma compensação gratuita, além das muitas actualizações que corrigiram os males maiores e criaram uma experiência muito mais estável que em 2020.

Talvez não seja uma expansão gratuita, mas a actualização que recebemos gratuitamente é mesmo uma boa revolução. Além das enormes e profundas melhorias técnicas e visuais que fomos recebendo ao longo destes três anos, a produção adicionou novas funcionalidades, como o combate e as perseguições com veículos, uma melhoria geral das lógicas da polícia, uma profunda remodelação da árvore de evolução da personagem, muitos aprimoramentos no interface, muitas nuances no loot e crafting, novas opções nas interacções e até tivemos novas porções de jogo, com acrescentos a uma história com muitas pontas soltas.

De facto, a actualização 2.0 é uma remodelação da oferta, quase como um “reboot” do título original. Aliás, se só pegaram no jogo em 2020 e regressam agora, terão uma surpresa agradável. Das muitas críticas originais, poucas ainda persistem nesta versão. A estranha condução dos veículos, por exemplo, deu lugar a uma simulação credível das suas físicas. Os tiroteios “mecânicos” de uma IA falível, são agora tecnicamente mais desafiantes mas sem se tornarem fastidiosos. A confusa árvore de evolução é agora bem mais intuitiva. E há muitas mais subtilezas espalhadas pelo jogo nesta nova edição.

Um dos elementos que mais gostei foi o “endireitar” de algumas das tais pontas soltas que o enredo sempre teve. Finalmente, há uma homenagem muito sentida e bem mais lógica à perda de uma das personagens perto do início do jogo. Peço desculpa pelos spoilers, mas se só jogaram poucos minutos dos enredo não o jogaram propriamente para poder reclamar. Sempre me fez confusão que, após uma longa e tão pungente amizade, a morte de Jackie Welles fosse como uma “nota de rodapé”, simbolizada com a oferta da sua mota pela sua mãe. Finalmente temos uma homenagem digna e muito emocional a Jackie nesta versão do jogo.

É, sem dúvida, a adição mais notória ao conteúdo original, mas não é a única. Se prestarem atenção, notarão uma bateria de pequenas e médias alterações a mais alguns desenlaces do enredo. Obviamente, só irão notar se, como eu, passaram este jogo várias vezes e ganharam memória firme das virtudes e defeitos da história de V e Johnny Silverhand. Na maioria dos casos, as mudanças são quase imperceptíveis, em pedaços de diálogo ou pequenas cenas alteradas. Mas, estão lá, num óbvio trabalho de aprimoramento técnico e também de foco narrativo. É, claramente, fruto de uma produtora em busca da tal redenção.

Outro elemento que a actualização 2.0 consegue facilmente surpreender é no campo técnico. Nos últimos meses, a CDPR aliou-se à Nvidia para trazer inúmeros ajustes de performance e de tecnologia com base nas capacidades de optimização da Nvidia DLSS e da linha Geforce RTX. Contudo, a actualização 2.0 é o salto técnico mais notório, não tanto a nível gráfico, onde o jogo foi conseguindo brilhar a cada “patch” mas a nível de performance geral. Não é por mero acaso que a versão PC teve de rever os requisitos técnicos, a exigência é, de facto, outra.

Ainda assim, não esperem grandes milagres tecnológicos num jogo de 2020, criado no motor gráfico proprietário Red Engine. Há um motivo para a produtora Polaca ter optado pelo Unreal Engine 5. Estou certo que a sequela deste jogo será um portento gráfico assinalável, aliando a qualidade reconhecida da produtora a criar estes mundos ao que a tecnologia do motor gráfico da Epic é capaz de fazer. Mas… ainda não estamos nessa era. Por isso, esperem melhorias significativas, sim, mas não uma totalmente nova experiência visual. Será mais um “upgrade de polimento”.

Por isso, ainda vão notar erros pontuais de “pop-in” de texturas e objectos a “aparecer” do éter, especialmente a conduzir a alta velocidade. Ainda há imensos erros de desenho de objectos, detecção de colisões e muitos outros problemas onde o Red Engine já acusa o peso da idade. Estou certo que ninguém pensou que as mudanças seriam assim tão profundas. Ainda assim, espera-se sempre algo mais de uma versão 2.0. Mas, pronto. Mesmo que visualmente o jogo seja praticamente idêntico, as diferenças estão nos detalhes. E nunca é demais esquecer que a real novidade expansiva não está aqui. Esta é uma actualização gratuita para o jogo base.

O que, obviamente, não é gratuito, é o novo conteúdo, claramente bem mais trabalhado e onde residem os principais destaques da nova era. A expansão Phantom Liberty é a verdadeira causadora destas mudanças. Claramente, a CDPR não queria estreá-la sem antes lançar as bases para uma nova experiência, disponibilizando primeiro a actualização 2.0 como base e só depois “colando” o novo conteúdo por cima. Além das óbvias mudanças dessa actualização que para aqui transitam, há também toda uma nova forma de contar uma história, uma nova abordagem à jogabilidade, como uma remistura de paradigmas.

Dissemelhante da história que serve de base para o jogo original, o enredo de Phantom Liberty é notoriamente menos virado para a história global, criando uma narrativa visivelmente inspirada nos thrillers de acção e espionagem. Depois de um prólogo em que é prometido a V que alguém pode curá-lo dos males da infame relíquia que lentamente o está a matar, mergulhamos numa intriga que envolve a Presidente dos Novos Estados Unidos e uma enorme conspiração numa área de anarquia organizada onde nunca estivemos, a nova secção de Dogtown.

Depois de salvar a Presidente, sobrevivente de um acidente com a sua aeronave, V tem de a extraír para uma zona segura. Depois de vários tiroteios, um deles bastante desafiante contra um robot gigante, V ganha a confiança da Chefe de Estado e é introduzido à infame FIA, uma espécie de CIA futurista. A sua missão é agora de garantir a segurança da Presidente Myers, desvendar uma profunda conspiração e ainda tentar obter a tal cura prometida. O que, para V, é só mais “uma quarta-feira banal”.

A nova narrativa de Phantom Liberty encerra em si um ciclo muito importante para V, mas pode perfeitamente ser jogada à parte do enredo principal. Podemos mesmos iniciá-la directamente no menu principal sem passar pelo jogo-base, tendo como opção alcancá-la em sequência com a trama principal. Nesta última opção, é até necessário que avancem bastante na história para receber uma importante chamada que nos levará ao novo conteúdo. Isto, porque a nova experiência vai exigir um nível elevado de progressão e equipamento, pedindo alguma experiência em muitas secções.

Lá mais para o final da trama, notem, há um sentimento agridoce. Não quero (nem posso) estragar a experiência para ninguém, mas notem que terão de tomar algumas decisões de escolha difícil. Especialmente uma que deverá colocar em causa tudo o que escolheram anteriormente e que pode culminar na chegada aos créditos finais arremessando o comando/rato à/ao televisão/monitor. É sempre assim quando uma equipa de produção com foco na narrativa nos desafia. Não esperem sempre um final feliz. Felizmente, há mais que um final possível, fica a dica.

Dos elementos que saltam mais à vista, é que esta história é mais focada, com uma excelente congregação de óptimos actores que dão vida às personagens. A principal estrela, já sabem, é Solomon Reed, interpretado por Idris Elba que quase, quase ofusca Keanu “Silverhand” Reeves como novo companheiro de intrigas. Mas, há também outras óptimas novas prestações, em mais uma história de acção muito focada na narrativa. Aliás, diria que esta nova abordagem virada para a “espionagem”, só funciona bem por causa dos diálogos tão bem elaborados.

A outra grande “estrela” desta expansão é, obviamente, a nova área de jogo, Dogtown, uma nova porção de cenário criada especificamente para servir de palco para esta trama. Este é um novo distrito acrescentado a Night City, como uma área “roubada” à cidade, cuja entrada é feita nos confins da caótica área de Pacifica. Mas, se acham Pacifica é suja e está entregue à desordem, ao lado de Dogtown, é um bairro pacato. Além da Polícia não entrar nesta nova área, está nas mãos de traficantes e outros fora-da-lei com sua própria “força policial”, numa cidade cheia de pobreza, escombros e muita anarquia. Um contraste com a restante Night City.

Dogtown será aquela utopia futurista mas decadente que nos recordamos de ver retratada em filmes como Blade Runner ou Mad Max. Não temos as mesmas avenidas largas, luminosas e opulentas, temos estradas cheias de lixo e carros abandonados, com vegetação a crescer por todo o lado. Não temos prédios luxuosos com centenas de pisos, temos edifícios semi-destruídos e repletos de graffiti. Não temos lojas enorme e brilhantes, mas pequenas bancas de contrabando. Enfim, não estamos na mesma Night City que conhecemos, disso não há dúvida.

Com esta nova trama e novo palco, surgem também algumas novidades em equipamento, armas e veículos, dando-nos ainda mais uma série de tarefas e missões paralelas para nos distrair. Uma delas, por exemplo, é a nova missão de roubar carros e entregá-los a um comprador, algo que tira bom proveito das novas lógicas de perseguições e combate veicular. É uma boa porção de pequenas actividades para nos manter distraídos entre as missões principais, sendo ainda possível sair de Dogtown e voltar a Night City, onde poderão continuar o enredo principal e demais missões e tarefas secundárias, se assim entenderem.

Até agora, fica claro que esta é mesmo uma expansão de oferta, dando ainda mais para fazer no já de si vasto mundo de Cyberpunk 2077. De facto, mesmo que não estejamos interessados na oferta original, talvez porque já a jogássemos umas quantas vezes nestes três anos, as muitas actividades são, de facto, um óptimo acrescento de entretenimento. A CDPR está aqui no seu ápice a contar as suas histórias com arcos de personagens muito bem concebidos mesmo sendo mais curtos e num género ligeiramente diferente do original.

Das missões menores que mais gostei, estão as novas “gigs”. Tudo bem, não vão encontrar nelas grandes actos narrativos, mas é na sua ligeireza e pequenos detalhes que vão apreciar estes curtos trabalhos. Há alguns desenlaces surpreendentes que me fizeram sorrir, por vezes com referências que reconhecerão muito facilmente. Também gostei dos novos “airdrops” que são como missões de busca por equipamento, desafiando uns inimigos mais persistentes. No fundo, são aquelas habituais tarefas para nos manter ocupados e dar alguma variedade à acção.

Com tudo isto assimilado, fica bem claro que Phantom Liberty é uma óptima expansão, trazendo mais para fazer e nos distrair. Só não é perfeita porque… faz questão de não ser mais que uma expansão. Como assim? Deixem-me explicar. Como já disse, Dogtown é acrescentada ao lado de Pacifica. Mas, notem que digo “acrescentada”, como se fosse um enxerto improvisado e que poderiam muito bem passar adiante sem notar que lá estava. A entrada é como uma porta para outro nível, com um checkpoint que é, na verdade, uma zona de carregamento escondida entre os dois mapas. A transição para Night City não é nada suave.

Isto seria aceitável se a própria narrativa não nos desse também a mesma “vibe” de ser um “acrescento”. As alterações na forma de contar as histórias e a forma como se passam quase exclusivamente dentro da nova área, fazem com que sair para Night City e participar numa das missões originais como interregno, seja sempre estranho. Embora alguns (poucos) diálogos com as personagens originais reconheçam as actividades da nova trama, é como um “intervalo para anúncios”, algo desagregado. Nota-se que a expansão não fazia parte dos planos originais e a produtora não foi ao jogo original para a integrar na história. Não é grave, apenas quebra a imersão.

Olhando para outras franquias da CDPR, sim, as expansões de The Witcher III também padeciam desta divisão narrativa. Contudo, nelas a ligação entre histórias foi muito mais suave e em alguns momentos fomos até levados para áreas completamente dissociadas, como Touissant em Blood and Wine. Aqui, estamos a falar de uma história que seria mais um pedaço da história de V, numa área que, pretensamente, é mais um distrito de Night City. Assim como está, mais vale ser jogada como experiência “stand alone” e não como parte da trama original. Pode até ser completamente ignorada se começarmos o jogo desde o início.

Por outro lado, gostava que a produção arriscasse um pouco na jogabilidade, atendendo às caraterísticas do novo mapa. Quando entramos pela primeira vez em Dogtown, notamos que há menos estradas e mais becos e vielas para transitar. Pensei mesmo que o jogo iria apostar mais na exploração a pé, transitando com parkour, dando algo mais “vertical”. Mas, não é bem assim. As distâncias a percorrer quase não justificam o carro… mas também não são tão perto para ir a pé. Explorar o novo mapa não é muito entusiasmante, porque não esconde nada de especial excepto nas missões designadas. Uma oportunidade perdida, quanto a mim.

Veredicto

Três anos depois, Cyberpunk 2077 já fez as pazes com os fãs, já se refinou e a actualização 2.0 traz consigo a devida revisão e acrescentos para colocar este título no panteão dos RPGs modernos que merecem destaque. A nova expansão que agora também estreia, Phantom Liberty, é também uma nova história muito bem concebida, cheia de óptimos elementos para uma óptima despedida da CD Projekt RED deste projecto atribulado. É, contudo, uma expansão notoriamente acrescentada de improviso, desvirtuando a sua pretensa continuidade na trama principal e no mapa original. Não deixa de ser um novo selo de qualidade da produtora Polaca, finalmente certificando o jogo como uma duas melhores criações.

  • ProdutoraCD Projekt RED
  • EditoraCD Projekt RED
  • Lançamento26 de Setembro 2023
  • PlataformasPC, PS5, Xbox Series X|S
  • GéneroRole Playing Game
e
Épico

Simplesmente imperdível, candidato a melhor do ano.

Mais sobre a nossa pontuação
Não Gostámos
  • Nova área e história da expansão são "acrescentos" dissociados
  • Não se aproveita Dogtown para criar novas formas de jogar
  • Ainda mantém alguns bugs do jogo original

Esta análise foi realizada com uma cópia de análise cedida pelo estúdio de produção e/ou representante nacional de relações públicas.

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