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Análise – Cyberpunk 2077

Depois de vários adiamentos, o jogo mais aguardado do ano está aqui. Porque a produtora CD Projekt RED é bastante experiente nesta lide dos Role Play Games, Cyberpunk 2077 foi recebido com enorme expectativa. Será este mais um RPG de referência?

Conforme deverão recordar, este jogo estava originalmente programado para chegar a 16 de Abril deste ano, tendo sido adiado para 17 Setembro em pleno arranque da pandemia. A meio da espera, foi novamente adiado para 19 Novembro. Finalmente, foi uma última vez adiado para 10 de Dezembro. Tantos adiamentos, aliados a rumores de pressão adicional sobre a equipa de produção na recta final, deveriam ter gerado o grande jogo que todos queriam. Contudo, algo não correu bem nestes últimos meses, talvez mesmo por causa dessa pressão, aliada a algum ambição desmedida da produção. Lá no fundo, estamos perante um óptimo RPG, notem, cheio de vontade de ser excelente. Mas, na superfície, digo com alguma ironia que este jogo precisava ser adiado mais umas semanas… ou meses…

Neste título, vamos visitar o futuro, mais precisamente, um universo alternativo passado no ano 2077. Por esta altura, a Humanidade rendeu-se ao poder da tecnologia, apostando em avanços tecnológicos para melhorar as suas vidas, graças a implantes e modificadores cibernéticos. Contudo, apesar das melhorias substanciais, a Humanidade nunca abandonou a sua natureza violenta e predatória, tornando a Terra quase inabitável com excepção das suas mega-cidades. Uma delas é Night City, na Califórnia. Esta enorme cidade está repleta de grandes contrastes, onde os poderes corporativos exploram os cidadãos e onde há uma luta pela sobrevivência, numa óbvia escravidão tecnológica.

No meio deste turbilhão, está V o/a protagonista. A sua origem depende de três escolhas que fazemos no início. Ou somos um cidadão das ruas, um forasteiro dos vários povoados em volta de Night City ou um membro dos poderes Corporativos traído e tornado rebelde. Seja qual fora a nossa escolha, V eventualmente chegará ao papel de mercenário, vivendo dos vários golpes e do melhor preço para os executar. Com o seu amigo inseparável Jackie Welles, V acaba por entrar no sub-mundo de crime organizado, travando conhecimento com o pior que a cidade oferece. E é aceitando um trabalho um pouco mais complexo que as coisas não correm tão bem.

A missão parece linear, embora um tanto complexa. Infiltrar a ultra-segura torre da mega-Corporação Arasaka e roubar um delicado chip, chamado de Relic. Tudo corre francamente mal nesse tal plano altamente elaborado, levando a dupla a correr risco de vida. Numa arrojada e quase fracassada fuga da Torre, a mala que transporta a Relic fica danificada. Com pouco tempo para decidir, V vê-se obrigado a tomar uma medida extrema: injectar o chip roubado na sua própria tomada cibernética. E, como se não houvessem mais reviravoltas possíveis, V acaba traído pelo seu próprio contratante. Tudo parece perdido.

Não vou, obviamente falar mais do enredo. Tudo o que acabei de descrever corresponde a quase toda a introdução do jogo, que faz um óptimo trabalho para nos cativar. Provavelmente, estarão a indagar onde aparece a famosa personagem Johnny Silverhand, interpretada pelo “breathtaking” Keanu Reeves. Acredito que a produção quisesse fazer de Johnny uma personagem meio secreta mas a máquina publicitária com certeza não o permitiu. Digo-vos que V pode ser o protagonista mas Johnny é o verdadeiro destaque deste enredo. Como? Terão de jogar para perceber a história.

Muitos já deverão saber que este videojogo é baseado numa lendária série RPG de jogos de tabuleiro homónimos da autoria de Michael Pondsmith. Como acontece com todos os videojogos adaptados de jogos de tabuleiro, o que temos como principal trunfo é sempre o seu vasto lore, veja-se o caso da franquia Warhammer ou Dungeons & Dragons, por exemplo. Embora a CDPR tenha obviamente criado muitos pedaços de enredo para este jogo, tudo o que verão no ecrã faz parte de uma vastíssima estrutura já criada adaptada à realidade de videojogo. Por esse motivo, no início, muitos dos eventos são passados de forma algo superficial sem grande exposição.

Embora tenhamos um “journal” para ler as várias mensagens e informações de eventos que vamos apanhando, fica muita coisa por explicar, partido de uma suposição (muito ambiciosa, diria) que já conhecemos o lore desta franquia que se iniciou em 1998. Convenhamos que nem todos terão jogado RPGs de tabuleiro e esta franquia em particular nem é das mais famosas, pelo menos por cá. Felizmente, muito graças aos vários desenvolvimentos e aos vastos diálogos entre personagens, a história acaba por encarrilhar naturalmente. Ainda assim, é normal ficarem um pouco perdidos com alguns arcos de história menos claros.

Se jogaram a série The Witcher, também da CD Projekt RED, já saberão que a produtora Polaca se esmera a construir personagens e a dar-lhes histórias significativas e desenlaces bem escritos e intrincados. De facto, The Witcher III: Wild Hunt é tido por muitos como um dos melhores RPGs de sempre, só mais um motivo para Cyberpunk 2077 ter tanta gente ansiosa pela sua chegada. De facto, tanto V como as demais personagens, possuem personalidades e papéis muito bem definidos e cheios de qualidade narrativa. Para isso contribuem muito os actores que emprestam as suas vozes às personagens, claramente.

Não é na história que vão encontrar problemas. Do início ao fim, há uma sensação de legitimidade para cada decisão, cada postura, cada linha de diálogo. Nunca senti que uma personagem fosse menos desenvolvida, dependendo, obviamente, da sua importância no enredo, claro. Há só uma personagem em particular que achei precisar de melhor definição que é Evelyn Parker (em baixo), cujo desfecho da sua história me parece francamente apressado e pouco inspirado. Não vou explicar como, uma vez mais, terão de jogar para perceber. Depois de o fazerem, digam-me se não tenho razão.

De um modo geral, a jogabilidade é típica de qualquer RPG de acção. Ao contrário de The Witcher, a CDPR decidiu colocar a jogabilidade na primeira pessoa, uma opção técnica que se encaixa relativamente bem nos elementos de hacking e combate. Por outro lado, penso que a produção quis literalmente colocar-nos no papel de um novo herói improvável, ao contrário de Geralt que era uma personagem estabelecida no seu lore. Nós somos V, no caso de Geralt, acompanhávamos o Witcher. Também muitos dos elementos de interacção, como as Braindances farão mais sentido se as vivermos na primeira pessoa. Já lá vamos.

Deambulando por Night City, ficamos deslumbrados pelo design desta visão futurista. Apreciamos a sua dimensão, contrastes sociais, tecnologia e néons brilhantes, provavelmente a caminho de alguma tarefa, missão ou recado. A navegação pela vasta cidade é feita a pé (boa sorte nisso), num dos vários veículos que vamos angariando ou através da rede de fast-travel em jogo. Night City é gigante, isto sem contar com a vasta área que a circunda, como as desérticas Bad Lands. A sensação de dimensão desta cidade tão densa, fica completa com a verticalidade dos seus imponentes edifícios, alguns com interior explorável, sem esquecer as várias áreas subterrâneas.

No entanto, não estamos aqui para fazer turismo. E bem cedo somos confrontados com a realidade que se esconde nesta fachada futurista. Não só as actividades de V são de origem suspeita, com esta é uma cidade violenta, onde vários gangues e organizações nos desafiam a cada esquina e até as unidades de emergência médica empunham armas. A própria Corporação Arasaka não está muito satisfeita connosco, como devem imaginar. Enfim, há muitos perigos e riscos por aqui. Há até uma piada recorrente, em que nesta cidade quando alguém morre de velhice, merecia ser condecorado. Por isso, as armas são a principal ferramenta de sobrevivência.

Temos armas de vários tipos e gostos. Caçadeiras de cano duplo, metralhadoras, espingardas de assalto ou de sniper, pistolas, entre outras armas de fogo, todas com mais valias e defeitos, podendo receber modificações, miras e supressores. Há também armas de combate próximo, entre espadas, facas, tacos e outros utensílios de violência. Nenhuma é verdadeiramente memorável, porque recebemos demasiadas ao longo do jogo e, na maioria dos casos, vendemos ou desmantelamos várias para peças. Contem também com granadas e algumas armas pesadas temporárias e até de controlo remoto. Os tiroteios são frequentes e variam de grau de dificuldade também consoante o nível e tipo de missão.

Confesso que esses tiroteios não me entusiasmam muito. O jogo possui um grande incentivo a usar subterfúgios, como fazer hacking a sistemas ou até aos próprios guardas para os inibir, apostando bastante numa acção mais furtiva. Em algumas secções, é bem melhor apostar nisso mesmo. Não só as primeiras armas são bastante fracas a fazer dano, como o exagero no recuo e a imprecisão me parecem demasiado penalizadores. Temos de constantemente fazer crafting das munições porque usamos demasiadas e o sistema de cobertura não é muito eficaz. Também a Inteligência Artifical ou é muito certeira ou é incrivelmente apática, dando-nos trocas de tiros um pouco inconsistentes.

Acredito que todo isto é uma questão de equilíbrio, facilmente resolvido com umas poucas alterações nas lógicas e no balanceamento. Por outro lado, se apostarem só nos tiros e esquecerem a componente “cyber” da coisa, talvez vos passe ao lado o intuito de todo o jogo. Mas, não vos censuro. Também o hacking é algo tosco, apostando numa lógica de sequências em linha num tempo determinado. Já muito se fez neste tipo de puzzles e acho mesmo que a CDPR podia ter feito algo melhor. Mas, se dominarem esta parte, descobrirão imensas vantagens ao hackear os implantes dos inimigos para os distrair ou até eliminá-los e também ao desactivar sistemas de alarme ou as próprias armas dos incautos.

Gostei de vários pormenores da jogabilidade, com especial destaque para as tais míticas Braindances. Estas elaboradas sequências de investigação, podiam ser descritas como uma espécie de “detective vision” de um Batman futurista, servindo para vasculhar memórias guardadas em chips. No futuro, os humanos poderão guardar as suas memórias (e até a sua consciência) em “shards” que depois podem ser revistas, podendo mesmo “sair” do corpo dos intervenientes e estudar o seu redor como um “drone”. Não são muitas as vezes que recorremos a esta tecnologia, infelizmente. Achei algo muito interessante na jogabilidade e no desenlace das mais importantes porções de história.

Por esta altura, estamos a gostar da história, a dar uma chance à jogabilidade, tentando não dar demasiada importância aos tiroteios mais frustrantes. Mas, começam então os problemas. Um dos elementos que lutei um pouco para dominar, foi a condução. Tem uma interacção um tanto rude, aliada a um GPS pouco prestável. Está a precisar que a produção jogue aí uns títulos de condução e volte ao jogo para o melhorar neste campo. Todos os detalhes que falei até aqui, à falta de melhor expressão, são apenas “elementos pouco refinados”, permitindo perceber que é uma mudança de “ares” para uma produtora ambiciosa e certamente a trabalhar para melhorar este conceito nas próximas semanas.

Contudo, há outros detalhes que não considero tão fáceis de “digerir”. É incompreensível que, com tantos adiamentos, a CD Projekt RED nos tenha entregue um jogo tão cheio de bugs, glitches e erros técnicos, por vezes grosseiros. Na versão que analisei da PS4, a correr via retrocompatibilidade numa PlayStation 5, contabilizei, notem, dezenas de crashes para o ambiente de trabalho. Repito, dezenas. Isto, ao longo de vastas horas. Bem sei que a PS5 está aqui há pouco tempo mas estamos a correr um jogo da PS4 nesta consola, longe do seu limite técnico. Olhando atentamente, os erros são transversais às várias consolas, dando a entender que não teve tanto apreço quanto a versão PC (que também tem o seus problemas, embora menos graves).

Com tanto interesse em criar um jogo visualmente deslumbrante, também a optimização na consola da Sony, mesmo sabendo que não é um título nativo da PS5 (só em 2021), não é brilhante. Nota-se que há muito potencial no cuidado visual desta nova versão do RED Engine 4, especialmente na iluminação, modelação de personagens, animações e efeitos visuais. Mas, infelizmente, nada parece polido, havendo secções onde a iluminação e os efeitos simplesmente falham. Por outro lado, encontrei demasiados eventos onde as animações falharam, seja no sincronismo de lábios, seja na detecção de colisões ou, noutras circunstâncias, até mesmo com objectos ou personagens a flutuar no ar.

Há já no Youtube imensas colectâneas de erros, bugs e glitches neste jogo para descobrir, não vale a pena estar a enumerar aqui. São demasiados erros, como constatarão, algo que não estamos habituados a ver em jogos finais já lançados. O que me leva a questionar porque motivo a CDPR adiou tanto este lançamento e, mesmo assim, parece que estamos a jogar uma versão experimental ou em desenvolvimento. E não são apenas erros cosméticos ou de estabilidade. Encontrei pelo menos duas missões com um bug que me impede de as continuar, o que eleva ainda mais a frustração dos que querem mesmo gostar deste novo jogo. Como eu.

Considero-me fã de Role Play Games e fã da CD Projekt RED também, sendo ávido jogador da série The Witcher, em especial do segundo e terceiro título dessa franquia. Também eu esperava com enorme antecipação a chegada de Cyberpunk 2077. Também eu desesperei pelos constantes atrasos, até mesmo na criação desta análise. Como eu, estão os demais 8 milhões de jogadores que escolheram este jogo para terminar este ano atípico em beleza. Fica no ar a ideia que este título foi apressado, talvez por causa da pressão criada pelas expectativas dos fãs. Não os podemos culpar de tudo, obviamente. Apenas queriam jogar mais um bom RPG. Mas, por mim, devia ter ficado mais tempo no “forno”.

Veredicto

Cyberpunk 2077 tem tudo para ser um dos melhores RPG de sempre. Tem um lore riquíssimo, bem encaixado numa história repleta de detalhes, desenlaces e personagens francamente interessantes. O design é outro trunfo evidente, dando-nos um futuro utópico que queremos mesmo descobrir. No entanto, os seus problemas técnicos impedem-no de brilhar, oferecendo momentos frustrantes de falhas técnicas que não fazem sentido num jogo com esta ambição, dimensão e investimento. Se há produtora que consegue dar a volta aos problemas é a CD Projekt RED. Mesmo com toda a confiança que o jogo melhorará, se há jogos que são vítimas do seu próprio hype, este é um óptimo exemplo.

  • ProdutoraCD Projekt RED
  • EditoraCD Projekt RED
  • Lançamento10 de Dezembro 2020
  • PlataformasPC, PS4, Xbox One
  • GéneroRole Playing Game
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Sem pontuação

Ainda não tem uma classificação por estamos a rever o nosso esquema de pontuações em análises mais antigas.

Mais sobre a nossa pontuação
Não Gostámos
  • Demasiados Erros, Bugs e Crashes
  • Erros de lógica que impedem a conclusão de missões
  • Combate é mediano
  • Pouco polido na versão PlayStation

Esta análise foi realizada com uma cópia de análise cedida pelo estúdio de produção e/ou representante nacional de relações públicas.

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