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Análise – Metal Gear Solid: Master Collection (Vol.1)

Inevitavelmente, a Konami tinha de recuperar (outra vez) esta que foi, durante muito tempo, uma das suas principais franquias. Infelizmente, a Metal Gear Solid: Master Collection não é o regresso desejado.

Talvez o que os fãs mais desejavam era voltar atrás no tempo, mais ou menos pela altura do lançamento de Metal Gear Solid 3: Snake Eater em 2004 para a PlayStation 2. Considerado por muitos, como o melhor jogo da série, foi um lançamento incrível, uma experiência surpreendente, uma obra-prima nos jogos de acção furtiva, talvez o ápice do processo criativo de Hideo Kojima. Nesse ano de 2004, atingiu-se o nível de trilogia e não podíamos estar mais contentes com esta história, com esta jogabilidade e com toda a sua evolução.

Daí em diante, a série entraria num claro novo rumo, nem sempre consensual. Mas, ainda não o sabíamos. Alguns sinais de declínio, com MGS 4: Guns of the Patriots a dividir os fãs com uma jogabilidade e visual interessantes mas com horas de cenas intermédias que lhes tiravam o comando das mão, não foram muito apreciado. Mas, mesmo assim, ainda tínhamos uma franquia sólida, ainda nas mãos do criador e ainda haviam óptimas perspectivas do que o futuro poderia trazer a esta série.

Contudo, não estamos em 2004 e o futuro não foi bom. Kojima, o criador de “tudo”, foi afastado pela Konami, deixando-nos o último Metal Gear Solid V como um projecto desapontante em vários níveis, sem a química necessária que tinha tornado estes jogos tão interessantes, claramente apressado para concluir um “divórcio” doloroso. A Konami ainda tentou “algo seu” que não correu muito bem, ficando bem claro que sem o “timoneiro”, este “barco” estava um pouco à deriva. E assim ficou durante estes últimos cinco anos, sem que houvesse um anúncio de peso.

Agora que a série celebra 35 anos, agora que Hideo Kojima está noutros projectos seus, a Konami achou por bem, finalmente, pegar nesta franquia, anunciando não só Metal Gear Solid Delta: Snake Eater, mas também esta Metal Gear Solid: Master Collection, aqui com o seu primeiro volume do que se prevê serem duas partes. Contudo, o que poderia ser uma oportunidade de revisitar os jogos, talvez com melhorias técnicas, ajustes na jogabilidade ou até adições significativas, acabou por ser só uma mera manobra comercial com as poucas e aparentemente inócuas alterações a revelarem-se embaraçosas e algo desnecessárias.

Nesta primeira compilação, temos Metal Gear Solid (1998), Metal Gear Solid 2: Sons of Liberty (2001) e Metal Gear Solid 3: Snake Eater (2004), estes simplesmente reeditados para serem compatíveis com o hardware moderno. Como já disse acima, esta é a trilogia que consolidou a saga com uma das melhores de sempre, justificando-se bem a sua reedição. Adicionalmente, a Konami também editou aqui Metal Gear (1987) e Metal Gear: Snake’s Revenge (1990) como uma espécie de bónus que nem figura sequer na capa. Para jogos que deram o arranque a tudo, parecem uma “nota de rodapé” sem grande mérito, enfim…

Como devem imaginar, não vou falar das histórias, jogabilidade ou pontos altos e baixos dos jogos em si. Pertencem a uma era única e reside neles um processo evolutivo que se aperfeiçoa em narrativa e jogabilidade ao longo dos três títulos. São jogos que, independentemente desta edição ou outras, merecem ser descobertos e apreciados por todas as gerações, especialmente as futuras. Nesse aspecto, esta compilação tem um efeito muito positivo, embora todos saibamos que há uma óbvia estratégia comercial por detrás. Estratégia, essa, que podia ser melhor.

É que os direitos de propriedade intelectual possuem validades. A franquia necessita de ter lançamentos regulares para continuar válida, não apenas a nível legal, mas também a nível de valor comercial e potencial de investimento. É por isso que o mundo dos videojogos se virou tanto para remasterizações, remakes, reboots e… reedições como esta. Não vamos pensar à partida que há sempre um interesse nobre de “trazer os jogos para novas gerações os descobrirem”. Para mim, isso sempre foi uma espécie de “efeito secundário”, dentro de um óbvio interesse comercial.

Não sendo uma remasterização ou remake destes jogos, se fosse somente uma reedição “pura e dura” dos jogos clássicos, só esperaríamos que trouxessem melhorias de resolução, performance e alguma “modernização” dos controlos, do interface ou da sua fluidez. No fundo, justificando o regresso dos veteranos a estes títulos, não apenas por pura nostalgia, ao mesmo tempo que novos jogadores os descobrem em consolas e computadores profundamente mais capazes. Só que, infelizmente, não é bem isso que iremos constatar.

Não vão encontrar rigorosamente nada de novo nestes três títulos, sendo praticamente “ports glorificados” dos jogos originais. Mas, vão encontrar pequenos “ajustes” que parecem mais “rectificações do passado” que outra coisa. No passado, já vimos remoções ou omissões de conteúdo por causa de conteúdo polémico ou que não envelheceu muito bem. Vivemos na era do “cancelamento” e as produtoras simplesmente não querem arriscar. Todavia, o que a Konami fez aqui foi uma tentativa de descaracterizar a origem dos jogos, tornando a equipa de produção algo irrelevante.

Antes de iniciar os jogos, a Konami decidiu colocar um anúncio sobre a “visão do criador”, basicamente explicando que “os tempos são outros” e as mensagens originais sobre a guerra, eventos históricos, sexualidade, etc, são demasiado sensíveis e precisam de um contexto. Para mim, parece ser a solução mais fácil. Porque não quis mexer no material original (meritoso), “lava daí as mãos” por dizer que os temas não reflectem a sua posição actual. Ok. Mas, daí a colocar isso tudo na “visão do autor” é um tanto redutor. A produtora e editora, com ou sem Kojima, é a mesma que apoiou, reviu, lançou e até defendeu os jogos originais, certo?

Depois, se correrem os jogos em si, notarão que, realmente, estão intactos no conteúdo, com os seus créditos a apresentar as referências originais a Hideo Kojima e companhia. Mas, se olharem bem para os créditos dos jogos na reedição propriamente dita, notarão que esses elementos são todos reduzidos a “staff”, inclusive os actores que emprestaram a voz às personagens, com especial destaque para David Hayter, a icónica voz de Solid Snake. Isto, já para não falar da remoção da célebre frase “A Hideo Kojima Game” que orgulhosamente a série sempre colocou nos títulos de cada jogo.

Por um lado, é perfeitamente plausível (até aceitável) que a Konami se queira distanciar de um ex-produtor que tem uma empresa sua, que não tem mais associação com a série e que, se calhar, nem pretende que o seu nome seja usado indevidamente. Por outro lado, a tentativa de omissão é como uma “borracha” passada em cima de um legado de mais de 30 anos. Imaginem um dia a Disney eliminar o nome de George Lucas dos filmes, séries, banda-desenhada de Star Wars… impensável, certo? Foi exactamente isto que a Konami fez com Kojima. Lá porque já não é parte da equipa ou associado, não quer dizer que a sua obra seja esquecida. Os fãs, felizmente, não a esquecem.

De certa forma, já esperava esta omissão, já esperava que a Konami tentasse relançar os jogos como se os tivesse produzido a solo. É o mundo em que vivemos, afinal, sem grandes considerações a reter. O que eu não esperava, porém, era que estes jogos fossem relançados da forma tão superficial como foram. Como disse acima, que sejam lançados intactos em conteúdo e até que contenham elementos arcaicos que não são mexidos (porque não se trata de uma remasterização), é perfeitamente aceitável. São jogos dos anos 90, não esperamos aqui primores técnicos.

Agora que estejam bloqueados a resoluções tão baixas (1080p escalado de 720p) é que deixa muito a desejar. Entendo que o primeiro Metal Gear Solid seja tão limitado, mas no caso dos outros dois, dava para fazer algo mais. Estamos a falar numa era de monitores e televisores 1440p ou 4K onde estas escalas se notam de forma gritante em pixelização e falta de definição. Se a intenção era mostrar a antiguidade destes jogos, criando meros ports directos, já tínhamos as versões retrocompatíveis. Assim, não é justo o que se pede (59,99€) nem faz jus ao legado dos jogos, fazendo o que considero uma espécie de “reciclagem” ligeira.

De facto, pegar nestes jogos numa PlayStation 5 (versão analisada) é muito ingrato para o nosso televisor UHD 4K. Parece uma reedição feita à pressa, com tantos anos de pausa nas produções para a produzir. O que é mais irónico é que, na versão PC, um modder demorou “horas” para criar uma patch não oficial e gratuita, que visa trazer resoluções mais dignas nesta plataforma. É uma espécie de “atestado de incompetência” a quem teve o trabalho (pago) de converter o código original para as plataformas modernas. Infelizmente, as consolas não terão tanta sorte, já que, como sabe, não têm acesso a estes mods.

Diria que, apesar de contraditória, não foi um lapso, foi mesmo uma decisão consciente da Konami. Jogou pelo seguro, fazendo um literal port directo, sendo reservada no plano técnico, talvez para, não só poupar tempo e recursos mas também para não arreliar os fãs com algumas alterações visuais mais profundas. Contudo, houve um esforço notório para modernizar uns poucos efeitos visuais pontuais e optimizar ligeiramente o visual. Porque não ir mais longe no investimento e fazer algo mais consistente com outros jogos modernos e até outras reedições?

Tendo esta oportunidade, porque não rever os controlos tão arcaicos? Porque não aproveitar para expandir a resolução do primeiro MGS? Porque não alterar algumas câmaras que em algumas fases não ajudam? Porque não recuperar material omitido dos lançamentos, introduzindo-o como opção? Porque não por de lado as diferenças e convidar membros originais da produção, mesmo sem Kojima, para comentários opcionais em jogo? Afinal, estão aqui 35 anos de trabalho que mereciam muito mais cuidado com o seu legado. Talvez na reedição dos 40 anos…

Veredicto

Num lado positivo, Metal Gear Solid: Master Collection Vol. 1 é uma excelente oportunidade de conhecerem esta série icónica da História dos videojogos, numa compilação simpática dos primeiros títulos, exactamente os mais emblemáticos. Esta foi uma era única para mim e muitos outros jogadores, uma era que também os demais devem conhecer. Contudo, as opções executivas da Konami deixam muito a desejar, não fazendo mais com o potencial visual do hardware moderno e ainda demonstra a obsessão de omitir o criador Hideo Kojima e demais equipa. Parece que os (poucos) esforços foram orientados para o alvo errado. Como diria Solid Snake: “Building the future and keeping the past alive are one and the same thing.” (“Construir o futuro e manter o passado vivo são uma só coisa”). 

  • ProdutoraHideo Kojima/Konami
  • EditoraKonami
  • Lançamento24 de Outubro 2023
  • Plataformas
  • GéneroAcção, Aventura
?
Sem pontuação

Ainda não tem uma classificação por estamos a rever o nosso esquema de pontuações em análises mais antigas.

Mais sobre a nossa pontuação
Não Gostámos
  • Remoção de Kojima e companhia dos créditos da reedição
  • Tecnicamente, é um port redutor do hardware moderno
  • Oportunidade perdida de rever pontos realmente importantes

Esta análise foi realizada com uma cópia de análise cedida pelo estúdio de produção e/ou representante nacional de relações públicas.

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