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Análise – Suicide Squad: Kill the Justice League

Se há jogo que pode decidir o futuro de um estúdio, é este. Suicide Squad: Kill the Justice League é uma cartada da Rocksteady Games que lhe pode custar bastante. Chegou o momento de falarmos sobre a nossa experiência.

Antes mesmo de ser lançado, o jogo estava condenado. Meses antes do seu lançamento, um optimista State of Play que deveria criar o devido hype, teve exactamente o efeito contrário. A crítica foi tanta, que o jogo foi adiado, ao mesmo tempo que o dois co-fundadores do estúdio decidiram partir para “outros horizontes“. Muito do que foi mostrado do jogo foi algo insípido ou, pelo menos, fora de tom, em particular para os fãs da franquia de sucesso, Batman: Arkham. De facto, este jogo começou mal logo no momento em que se colocou no meio da discussão da nova era DC Comics e tentou atrair os fãs com base na experiência dos jogos anteriores da Rocksteady, aliando-os à nova visão de James Gunn, fazendo a óbvia ponte com o seu filme de 2021. Assim, nunca teve espaço para “respirar”, especialmente com as tais previsões tão negativas. Mas, como dissemos bem cedo, queríamos sempre dar o nosso próprio veredicto.

Quando disse que este jogo pode decidir o futuro da Rocksteady, não estou a dizer que um possível insucesso possa levar ao seu encerramento. Nunca se sabe nestes dias mas, mesmo que coloque em causa a estrutura do estúdio, podendo mesmo levar a despedimentos (moda do momento), não estou a ver um estúdio com esta dimensão ser abalado por um único insucesso. O que quero dizer é que todos temos uma imagem de um estúdio que produz uma franquia de sucesso que, por acaso, até somos fãs. Então, sempre que um novo título é anunciado, criamos uma expectativa de que seja um perpetuar do que mais gostamos. Quando o novo jogo é uma mudança de paradigma, mudará também essa nossa opinião do estúdio. É inevitável.

Antes de explicar porquê, devo dizer que este jogo, de facto, mudou essa minha perspectiva do que é a Rocksteady Games. Não porque ache que o seu empenho da produção tenha, de alguma forma decaído, ou que a equipa não tenha a mesma qualidade interna com a nova direcção. Apenas acho que os tempos são outros e a empresa já não tem propriamente uma liberdade criativa que a permita fazer algo “seu”. Os jogos como serviço são a “moda” e dão muito dinheiro às produtoras e, especialmente, às editoras. Este jogo é uma “vítima” dessa visão. Contudo, em contraste com o falível Gotham Knights, há qualidades de redenção neste outro título. Mas, sem dúvida, não é o que estamos habituados no passado da Rocksteady, tendo apenas algumas semelhanças residuais.

Não me entendam mal. Este não é um “mau jogo”. Penso que o choque será mais causado pelas nossas próprias expectativas. Não houvesse uma série Batman: Arkham, estou certo que ninguém diria que o jogo é, de alguma forma, algum “retrocesso” para a produtora. Mas, não há como fugir do passado. O próprio marketing em torno deste título fez questão de capitalizar nessa outra série como um chamariz e é talvez por isso que alguns decidiram simplesmente não gostar desta mudança de tom, nem sequer dando-lhe uma chance, isto muito antes de sequer poderem jogá-lo. Todavia, verdade seja dita, sem qualquer preconceito, digo-vos que até é um jogo brilhante e divertido, embora não seja nada do que estava à espera. Agora, preciso explicar porque digo isto.

Se já conhecem a história geral do chamado Esquadrão Suicida, tanto nas comics como nos dois filmes de sucesso oscilante, já sabem que Amanda Waller tem um plano macabro: pegar em criminosos e super-vilões a cumprir sentenças, condenando-os a fazer a sua vontade como autênticas “armas” contra os meta-humanos, sejam vilões… ou nem por isso. Assim, quando Harley Quinn, Deadshot, Captain Boomerang e King Shark são libertados da prisão pela organização A.R.G.U.S., já sabem que não foram realmente libertados. Bombas miniatura foram injectadas nas suas cabeças e agora terão de cumprir uma missão ou… perdem a cabeça… literalmente. Esta é a base de história para todas as tramas deste grupo de anti-heróis.

Neste jogo, como não podia deixar de ser, o mundo está em perigo (outra vez) é preciso alguém especial para o enfrentar. Assim, a Task Force X é enviada para Metropolis que está a ser atacada por um dos suspeitos do costume nestas histórias, Brainiac. Só que, ao chegar ao centro da cidade numa primeira missão, cedo percebem que há algo mais no ar que o alienígena com sede de conquista. Para a pergunta “porque é preciso a Task Force X, onde estão os super-heróis?”, Green Lantern surge, alterado e agressivo, atacando a equipa e explicando que há um plano de larga escala para transformar a Terra. Quando tudo parece perdido, Flash surge para salvar o dia mas… acaba ferido e capturado… por Batman, igualmente alterado e ao serviço de Brainiac. Que bela comissão de boas vindas à cidade, não?

Assim por alto, o mundo está do avesso e só este bando de criminosos sem redenção poderão salvá-lo. Como já deu para perceber, os habituais heróis estão alterados, influenciados por Brainiac. Os que, por acaso resistem, como Wonder Woman, parecem simplesmente relutantes em ajudar a equipa. O que se segue é uma aventura que visará literalmente combater os membros da Liga da Justiça, os heróis tradicionais, usando os criminosos da Task Force X. Para essa finalidade, andaremos por Metropolis a libertá-la da influência de Brainiac e a enfrentar cada elemento alterado dos super-heróis. Há também uma viagem por dimensões do metaverso, muitas reviravoltas algo inesperadas e aliados (muito) improváveis para auxiliar na missão. No final, há um vilão para abater, obviamente o cérebro de tudo isto, Brainiac.

Devo dizer que, entre os elementos mais controversos do jogo, a forma como algumas personagens são abordadas, em especial a forma como terminam os seus arcos de história, sem dúvida divide as opiniões, especialmente entre fãs da DC. O título do jogo deve deixar bem claro que algumas personagens icónicas deste universo terão de morrer, o que deixa sempre um amargo de boca. Até porque as personagens do Esquadrão Suicida, com excepção, talvez, de Harley Quinn, não são assim tão memoráveis que possam fazer frente ao legado do Super-Homem ou de Batman. Mas, enfim, lembrem-se que esta é uma história alternativa, como é toda série Suicide Squad desde que foi criada, com base num metaverso que muito podemos agradecer… à Marvel…

Se eu pudesse entrar neste jogo sem quaisquer expectativas, se não fosse fã da DC Comics ou da série Batman: Arkham, se nem sequer tivesse visto os filmes ou lido as comics, jamais estaria aqui a comentar sobre um possível tom desfasado da história ou sobre algumas decisões arriscadas da produção. E é talvez esse alhear de preconceitos que faria bem a qualquer jogador que o aborde. Se toda a história descartasse as personagens DC e criasse algo inédito, com uma nova história e um novo elenco, longe da polémica de ver vilões a mudar paradigmas e a caçar os super-heróis para variar, viveria de si próprio. Como está no universo DC, vive da opinião dos seus fãs. É que, na sua base, este jogo é uma diversão em potencial e merece mais do que tem sido dito por aí no pré-lançamento.

Antes de falar de tudo mais, vou só realçar o que é para mim um dos pontos mais altos do jogo: as suas cenas intermédias. Desde o início do jogo, a qualidade geral de animações, expressões faciais e das prestações dos actores são francamente impactantes, do melhor que irão ver num videojogo moderno, tanto ao nível de captura de movimentos, como nas falas das personagens, num casting a roçar a perfeição. Tenho de dar particular destaque à prestação do falecido Kevin Conroy como Batman, uma das suas últimas prestações como actor de voz a dar vida ao Homem-Morcego. Tem tanto de nostálgico para quem recorda as séries de animação na televisão, como é uma das melhores formas de imortalizar um actor, que jamais esqueceremos na pele de Bruce Wayne/Batman.

Outro elemento que dou particular destaque neste jogo, é o seu constante tom cómico, por vezes hilariante, com particular foco na interacção entre as quatro personagens principais. Há muitos momentos mais sérios, por vezes bastante sombrios, para subitamente serem interrompidos por uma piada ou observação mais jocosa. Seria uma quebra de “respeito” pelos eventos mais sérios mas, acreditem, estabelece um bom equilíbrio no tom, dando um óptimo estado de espírito, sem nunca banalizar os desenlaces mais pungentes da história. Há sempre uma tensão latente, notem, mas há também uma notória descontração, permitindo-nos rir um bocado, até mesmo em situações adversas. Um feito.

Em cerca de 30 horas de jogo, de facto, há uma certa “montanha-russa” de sentimentos para lidar, com cada uma das personagens a trazer algo diferente ao jogo. Seja com as suas armas e habilidades únicas ou na forma como deambulam pela cidade. Alternando entre elas, experimentamos formas diferentes de jogar, escolhendo a que, de facto, se acomoda mais ao nosso estilo de jogo. Batman: Arkham nunca nos deu verdadeiramente esta hipótese, jogando sempre como o multifacetado Batman. Recordarão algumas expansões nos permitiram experimentar algo diferente, como Robin, Nightwing ou Red Hood mas nada realmente transcendente.

Aqui, porém, há essa liberdade. Harley Quinn, de longe a minha preferida, é exímia nos golpes mais audazes, graças às suas manobras acrobáticas, que são complementadas por um ou outro explosivo ou um tiro mais inesperado, será o equivalente a uma unidade de assalto. Deadshot, obviamente, prefere a distância, com tiros de precisão e mais foco em ataques cirúrgicos, como uma unidade “ranger”. Captain Boomerang é ainda mais ágil, teleportando-se e atacando de ângulos mais favoráveis com os seus boomerangs, claramente o “rogue” do grupo. Já King Shark é o equivalente a um “tank”, saltando largas distâncias para desancar vários inimigos de uma só vez, mesmo sendo mais lento que os demais.

Tudo isto, obviamente, brilha online, com cada jogador a optar por uma personagem que complementa as demais. Isto é particularmente evidente no tipo de armas que levamos contra diferentes tipos de inimigos, cada um deles com diferentes forças e fraquezas para explorar. Por outro lado, o uso de combinações de ataques entre as personagens torna tudo muito mais interessante e variado, em especial contra bosses. A única questão que poderão levantar amiúde, é que há momentos de puro caos no ecrã, momentos em que podemos ficar algo confusos sobre o que se passa ou para onde ir. Enfim, quase todos os “shooters” cooperativos sofrem deste problema. É algo para aprender a lidar.

Contudo, isto pode ser fruto do próprio design desta acção cooperativa. É que neste jogo não estamos obrigados a combater rigorosamente lado-a-lado. Se o fizerem, notarão que as kills não são partilhadas entre os jogadores, o que significa que é até possível roubá-las a outros jogadores. Dado que cada kill contribui para regenerar habilidades, é mesmo melhor sermos mais “egoístas” na forma como jogamos. Contribuímos na mesma para as missões e objectivos mas há aqui um espírito competitivo latente para, nem que seja, vermos quem fez mais kills num confronto. De certa forma, liberta-nos da dependência de outros jogadores, mesmo que seja algo contraproducente na lógica tradicional dos jogos cooperativos.

Para mim, as elaboradas batalhas de cada boss na série Batman: Arkham foram das melhores experiências no género, desafiadoras quanto-baste mas muito recompensadoras em cada estágio. Neste título, nota-se que a Rocksteady lutou para trazer de volta essa dinâmica icónica, dando-nos momentos de certa forma familiares no aspecto do desafio e da recompensa. Mas, confesso, estas lutas de maior escala são bem mais escassas e, de certa forma, com menos impacto do que esperava. Muitos dos seus desenlaces mais pungentes surgem em cenas intermédias, removendo-nos um pouco da dramatização. Mas, enfim, funcionam bem para nos dar um desafio acrescido, todavia. Se calhar é só mesmo para isso que servem.

Então, onde é que o jogo realmente falha, originando algumas das suas maiores críticas, talvez um pouco exageradas? Para começar, há uma certa curva de aprendizagem na criação de builds em cada personagem. Quem está habituado aos MMOs ou aos RPGs estará mais à vontade mas quem chega aqui em busca de um vulgar “shooter” é capaz de ficar um pouco perdido, especialmente quando temos que lidar com peças de loot que oferecem prós e contras. Isto pode criar uma certa desorientação que, aliada aos já mencionados momentos de caos, parece um completo “desnorte” na jogabilidade. Na verdade, não é. Requer apenas alguma dedicação para equilibrar as coisas mas entendo porque alguns jogadores achem complexo.

Sem dúvida, a maior das críticas foi sempre para a repetição latente de missões e tarefas. Infelizmente, atesto que, de facto, o jogo começa a tornar-se algo repetitivo nas missões secundárias. Muito por culpa da natureza genérica dessas missões dadas entre as principais, quase sempre de “ir ali matar qualquer coisa” ou “defender isto matando qualquer coisa”. Lá mais para o meio da oferta, soa mesmo a “preenchimento” e parece que o jogo está só a adiar o inevitável fim da trama, dando-nos uma justificação para passar o tempo até lá. Sim, aborrece. O combate é mesmo divertido mas penso que a Rocksteady confiou demais nele sem pensar no seu enquadramento nestas missões secundárias.

Felizmente, nem todas as missões são assim. Particularmente nas missões principais, há um trabalho exímio em contar uma história, dando-nos uma acção bastante variada e bem coreografada. É só mesmo quando nos manda para o mundo aberto de Metropolis procurar o que fazer, onde não há concretamente um guião para seguir, que as coisas se tornam repetidas. O que me leva mesmo a crer que este jogo não começou por ser este notório “looter-shooter online” mas uma experiência single-player como foi Batman: Arkham, neste caso com o Esquadrão Suicida. Algures no tempo, alguém terá mudado o rumo, criando o tal “jogo como serviço” que temos em mãos. É só uma teoria mas fico com a sensação que foi mesmo isso que aconteceu.

Então, temos de falar do seu “end game”. Terminada a história, Suicide Squad: Kill the Justice League continua. Contudo, não sei se todos os jogadores estarão dispostos a dar-lhe essa continuidade. Como já dei a entender, alguns desenlaces do enredo poderão criar algum desapontamento geral que pode levar muitos a desistir. Por outro lado, o tal elemento de repetição das missões no mundo aberto poderá facilmente aborrecer mesmo o mais paciente. Contudo, há muito em aberto, com o multiverso mergulhado no caos. A Rocksteady tem um vasto leque de opções para explorar, com épocas de conteúdo adicional e possíveis expansões. Como disse no início, este é um momento crucial para o seu futuro e estou muito curioso para ver o que poderá fazer com esta trama, estas personagens e esta nova oferta de jogabilidade.

E tem uma boa base para isso. Ao contrário de muitos outros jogos do momento, a componente técnica do jogo está bastante apurada, talvez beneficiada pelos vários adiamentos para polimento. A nível visual e sonoro, temos aqui um excelente showcase de capacidades da Rocksteady em criar algo visualmente deslumbrante.  Há ocasiões em que o espalhafato e o tal caos servem claramente para criar espectáculo. No entanto, em especial nas cenas intermédias, há um rigor tremendo em quase tudo, criando quase um filme de animação, onde é preciso dar o devido foco às expressões faciais incríveis. No áudio, já falei do casting de vozes soberbo mas também tenho de dar realce à banda-sonora que encaixa bem no que se passa no ecrã.

Veredicto

Afinal, fizemos bem em esperar. Por mais que as previsões fossem tão negativas, afinal Suicide Squad: Kill the Justice League é um jogo divertido, com imensos pormenores brilhantes, uma acção cooperativa bastante divertida e um enorme potencial de ser um bom “jogo como serviço”. Tem os seus problemas, como qualquer “mudança de ares” cria para uma produtora habituada a outro género. A oferta de missões secundárias é repetitiva, há um certo caos ocasional, alguns elementos de história são controversos e o seu “end game” é um tanto incerto. Contudo, há aqui um potencial muito evidente e espero que a Rocksteady Games tenha tempo e recursos para desenvolver. A julgar pelo seu passado, há esperança.

  • ProdutoraRocksteady Games
  • EditoraWB Games
  • Lançamento2 de Fevereiro 2024
  • PlataformasPC, PS5, Xbox Series X|S
  • GéneroAcção, Aventura
r
Recomendado

Óptimo, aconselhamos a apreciar ao máximo.

Mais sobre a nossa pontuação
Não Gostámos
  • Missões secundárias muito repetitivas
  • Combates com bosses podiam ser melhores
  • "Jogo como serviço" é uma incógnita

Esta análise foi realizada com uma cópia de análise cedida pelo estúdio de produção e/ou representante nacional de relações públicas.

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