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Análise: Prey

Nesta era em que os títulos são reciclados em remasterizações, reedições e reboots, é raro sermos surpreendidos com algo novo. Quando seria de esperar uma reedição com outro grafismo para este Prey, a Bethesda traz-nos um reboot absolutamente fantástico.

Quando foi lançado em 2006, o original Prey foi recebido com louvores. Com o intuito de ser um showcase para a tecnologia usada pela Id Software, misturou combate visceral com ficção científica e espiritualidade, deslumbrando visualmente, tendo em conta a tecnologia da altura. Contudo, agora nas mãos da Arkane Studios, o novo Prey de 2017 apenas tem meras centelhas de semelhança com esse jogo original. É, na mesma, um jogo de acção na primeira pessoa, também tem alienígenas à mistura, incorpora alguns temas transcendentes mas, são outros tempos e outras perspectivas. E não há nada de errado nisso. Embora o original fosse realmente fantástico para a sua altura, a Bethesda decidiu criar toda uma nova experiência. Este é um novo jogo, com um novo rumo e muita ambição da produção. Vindo deste estúdio, só podíamos esperar uma grande aventura.

O enredo deste jogo é demasiado amplo para que o conte aqui sem correr o risco de vos estragar a experiência. A bem da narrativa rica em desenvolvimentos e algumas surpresas, sugiro que entrem neste jogo sem nenhuma revelação antes do tempo. Do que posso contar, direi que este jogo se passa num futuro alternativo, em que determinados eventos na Terra se passaram de forma diferente. O presidente Kennedy não foi assasinado, o programa espacial Norte-Americano foi ampliado e… uma raça alienígena é encontrada durante o desenvolvimento de uma estação espacial Russa. Nos esforços de entender esta nova inteligência, a estação Kletka é tornada uma “prisão” para os seres, com o objectivo de os estudar. Como devem imaginar, a curiosidade humana acaba por ultrapassar as suas capacidades reais e as coisas não correram bem. Entretanto, chegou uma empresa que, alegadamente, restabeleceu a ordem na estação.

No ano de 2035, Morgan Yu é um(a) cientista que trabalha para essa empresa chamada Transtar Corporation. O objectivo de Yu é trabalhar na investigação dos alienígenas, chamados de Typhon, na agora denominada Estação Espacial “Talos I”. A bordo desta estação Yu irá trabalhar em projectos avançados de neuro-ciência, incluindo uma nova tecnologia chamada de Neuromods criada a partir de tecnologia extraterrestre. Mas, para isso, a nossa personagem precisa iniciar testes na Terra antes de ser enviada para o espaço. E é aqui que o jogo se inicia. Deixo-vos passar pela experiência de viver todos os desenlaces e revelações. Digo apenas que nem tudo é o que parece e, até ao fim da história, vão estar na dúvida sobre vários eventos e personagens que irão encontrar.

A narrativa é, de facto, um dos principais trunfos deste jogo. É inevitável que se faça um paralelo com outros fantásticos jogos da Arkane Studios, os títulos da série Dishonored. Muitas outras coisas nos farão lembrar esses dois jogos mas, acima de tudo, está o enredo intrincado, com personagens marcantes e desenvolvimentos com significado. Há também uma outra semelhança bem vinda que são as nossas decisões morais. Teremos inúmeros eventos em que podemos tomar decisões que podem resultar em consequências diferentes, mais ou menos moralmente questionáveis. Essa dualidade moral, estende-se depois para a missão da própria empresa Transtar, como a legitimidade de fazer experiências em inocentes “a bem da ciência”, por exemplo. Qual é o nosso papel nisto tudo, afinal? Deixem a Arkane contar-vos uma história interactiva e nunca ficarão desapontados.

A nível de personagens, além de Morgan Yu, que podemos optar entre uma personagem masculina ou feminina, como já disse, há personagens muito bem criadas ao longo da história. Uma das que mais iremos interagir, é uma voz misteriosa mas bastante útil e que mais tarde se identifica como January. Com quem mais vamos interagir, contudo, é com o irmão de Morgan, Alex Yu (na imagem em baixo), responsável geral da Talos I, cuja busca constituirá uma boa parte das nossas horas de jogo. Depois, há toda a sorte de membros da tripulação, estejam vivos ou mortos, uma vez que vamos ouvir muitas das suas gravações de áudio. Como seria de esperar, todas estas interacções são brilhantes graças ao incrível casting de vozes, havendo até espaço para algum drama e humor.

Depois de perceberem como acabam a bordo da Talos I com uma ameaça Typhon por todo o lado, vão (muito cedo) perceber que nada é o que parece. Apesar deste ser um jogo de acção na primeira pessoa, não esperem algo tão linear assim. Prey é um jogo de paciência, muito mais estratégico que possam pensar. Existem armas, entre convencionais e futuristas, sim, mas as munições são limitadas e raras. Terão de progredir por cenários que convidam à exploração, mas irão perceber que o jogo premeia mais a prudência. Os próprios alienígenas Typhon possuem características únicas que nos obrigam a adaptar. Há inúmeras tarefas para cumprir até ao objectivo final que acaba por mudar um pouco ao longo da narrativa. Entre ataques e evasão, entre puzzles simples, hacking e algumas secções de plataformas, até passeios espaciais vão fazer.

Começando pelo combate, que será o que, por ventura, terão mais curiosidade em conhecer. Prey possui uma lógica de armas de fogo mais convencionais e alguns dispositivos não convencionais. Começamos logo com a lendária chave-inglesa para arremessar com força, mas teremos depois uma caçadeira e uma pistola com silenciador (ideal para ataques furtivos). Contudo, passarão mais tempo com um canhão de cola chamado GLOO Cannon. Esta arma permite aprisionar inimigos mais fracos, mas também, apagar fogos, tapar portas, criar plataformas novas, entre outras capacidades. Contem também com granadas dos mais diversos efeitos, desde uma que elimina as capacidades sobrenaturais dos alienígenas ou outra que permite reciclar objectos e seres. Mas não pensem que isto é só mais um jogo de de tiros e explosões.

Reciclar é uma funcionalidade muito frequente neste jogo. Como as munições e recursos não abundam a bordo desta nave, existem diversas máquinas especiais cuja funcionalidade é reciclar materiais. O nosso inventário, composto por células, é limitado e acabarão a apanhar armas repetidas, materiais que não usamos ou simples lixo. Não desesperem, reciclem o que não precisam e receberão matéria prima de cada qualidade (metais, orgânicos, etc). Depois, basta só encontrar uma máquina que imprima tridimensionalmente os bens mais necessários. Não se esqueçam, ainda, de explorar a Talos I à procura de esquemas de construção, entretanto. É uma mecânica muito curiosa que nos obriga à constante gestão do inventário. Só tem uma limitação que pode criar alguns problemas: a falta de mais máquinas de reciclagem que levam a uma constante falta de recursos ou inventário cheio. Mas, quem disse que sobreviver pela Talos I era fácil?

Além das armas propriamente ditas, Yu tem também uma série de outros poderes, mais ou menos convencionais que podemos evoluir graças às pistolas de Neuromods que vamos angariando. Ao início, temos apenas algumas habilidades simples como aumentar inventário, poder levantar objectos maiores ou fazer hacking e reparações em equipamento. Contudo, lá mais para a frente vamos ter acesso a algumas capacidades sobrehumanas, cortesia dos estudos feitos aos próprios Typhon. Podemos ganhar a capacidade de criar explosões cinéticas, teleportar pelo cenário e até de imitar objectos avulsos no cenário e assim passar despercebidos. Contudo, este tipo de poderes farão com que os sistemas de segurança da Talos I assumam que também somos Typhon e abrirão fogo. Além disso, também estamos limitados à quantidade de poder Psy que temos disponível para usar estas capacidades.

Os Typhon são, logicamente, a principal ameaça. Desde os irritantes Mimics que podem replicar qualquer objecto (mesmo qualquer objecto, como um rolo de papel higiénico), até aos infames Phantoms com poderes elementares. Mas, há mais variedade de Typhon ainda mais agressivos para descobrir e… fugir… Sim, não tenham vergonha de fugir. Não só teremos munições limitadas, como podemos acabar sem medikits ou comida para recuperar energia (e isto acontece muito a partir de uma dada altura na história). Há secções que parecem ter sido desenhadas para nos quebrar. Dei por mim diversas vezes com a energia a 30% ou menos, sem munições e a tentar esgueirar-me pelas sombras. Os Typhon são implacáveis, perseguem-nos até à exaustão e não são fáceis de enganar. Há que esconder e sobreviver para lutar por mais um dia.

Esta acção algo assimétrica é evidenciada pelas diferentes tácticas que podemos usar. Se temos munições de sobra, podemos entrar a matar numa sala mas… e as próximas salas? Até dará para fazer isto umas quantas vezes, contudo, há seres que são quase imunes às balas e que é preciso usar outras tácticas. Destruir um tubo de gás queimando-os, usar o GLOO Cannon para os travar e depois arremessar a chave-inglesa, usar as pequenas torres de defesa da base em nosso auxílio, são algumas das tácticas. Mesmos assim, os Typhon são engenhosos, flanqueiam, fogem, teleportam-se e até são capazes de desaparecer por completo. Desconfiem sempre de objectos que aparecem duplicados ou que parece que se mexeram. E olhem sempre para todo o lado, sobretudo quando a música muda e o ecrã fica algo descolorido, indicando que estão com medo.

Quando todos pensavam que poderiam ser os os ETs ou o(a) protagonista Morgan Yu, a própria nave Talos I é que acaba por ser a principal estrela deste jogo. Decorada com vários estilos de arquitectura, desde o estilo retro-futurista, digno das melhores séries Sci-Fi dos anos 60, passando pelo estilo Art Deco de algumas secções mais executivas da nave, decoração e alguma tecnologia acabam por criar ambientes que são favorecidos por uma engenhosa construção de níveis por parte da produção. Temos diversos caminhos para o mesmo objectivo, obrigando-nos a esgueirar por túneis de acesso ou a fazer passeios espaciais em gravidade zero. A nossa principal aliada e, ao mesmo tempo, inimiga é mesmo esta nave. Tanto a podemos usar para nosso benefício, como ela nos pode matar quando menos esperamos. Cabe-nos decidir quando usar ou evitar as suas capacidades.

E notem que poderão regressar algumas vezes a sectores já explorados anteriormente. Obviamente que o jogo vai lançar-vos algumas variáveis pelo meio. Passaram por um sector, eliminaram todos os Typhon e agora precisam regressar para trás? Não confiem muito no jogo. Por duas vezes limpei uma área inteira, entrei noutro sector, cumpri lá a tarefa e, quando regressei a essas áreas, haviam ainda mais Typhon à minha espera. Os próprios sectores podem sofrer alterações pontuais que os modificam em termos de caminhos e salas. O mais frequente é, ao explorarmos o jogo, irmos encontrados passwords e chaves de acesso que abrem novas secções dentro de áreas já exploradas. Apesar da nave ser sempre a mesma, apesar da decoração variar pouco, raramente senti alguma repetição de cenário.

Com este cenário variável e engenhosamente desenhado para nos desafiar, armas e poderes limitados, inimigos astutos e missões complexas, passei uma boa parte do tempo mais a fugir e a esgueirar-me que a aventurar-me de caçadeira em punho. Isto porque nota-se que há secções que são desenhadas propositadamente com poucos recursos. Os eternos “Rambos” vão ficar encurralados e sem grandes hipóteses. Curiosamente, há sempre diversos “planos B” prontos a descobrir, basta observar o que nos rodeia. Apenas não confiem no auto-save! Os checkpoints salvos automaticamente, podem levar-vos a situações de aperto que poderão não conseguir recuperar facilmente. Salvem muito e em diferentes slots. Sim, porque vão morrer muitas vezes, acreditem.

Se me perguntarem que géneros estão aqui representados, assim de repente tenho alguma dificuldade em descrever. Gostaria de dizer que é um Space Horror, mas não chega a ser tão assustador como seria um Dead Space. É inevitável termos alguns sustos, mas não me parece que seja nada na categoria de terror. Por causa do convite ao engenho dos jogadores, muitos comparam-no com System Shock e eu até concordo. Contudo, pela inspiração óbvia de Dishonored, tem algumas semelhanças com a sua acção mais assimétrica. Também não chega a ser um jogo de sobrevivência ou RPG, embora tenha alguns elementos desses géneros, com a eterna urgência de procurar recursos para recuperar e árvores de evolução da personagem. Será, então, um jogo de acção na primeira pessoa, um shooter se quiserem, embora não tão linear como essa classificação dá a entender, com mais ênfase na exploração e estratégia.

No plano técnico, Prey possui um enorme cuidado de design aliado à funcionalidade. Não é, propriamente, um showcase como foi o jogo original, mas usa de forma competente o motor gráfico CryEngine 5. Como já mencionei, o design de níveis é muito inteligente e recorre a uma soberba arte de jogo que mistura vários géneros artísticos. Isto cria uma ambiência incrível que se estende por todo o jogo, entre áreas técnicas, de alojamento, de lazer, laboratoriais e até industriais. A ajudar, está uma banda sonora que tem tanto de intrigante como de apaziguadora. No que toca a personagens, modelos e até no design do interface, noto que há um claro “empréstimo” da arte de Dishonored, o que não é particularmente negativo, diga-se. Como um todo, a experiência visual deste jogo é fantástica.

A versão que tive oportunidade de testar foi a do PC. Para quem não sabe, o último jogo da Arkane Studios para PC não teve uma vida muito fácil. Dishonored 2 teve um péssimo lançamento para esta plataforma com inúmeros problemas de optimização. Fiquei muito contente que a produtora tenha aprendido com esses erros, lançando uma versão PC muito sólida e com problemas mínimos. Algumas oscilações de fotogramas por segundo (FPS), uns ligeiros problemas com a função Task Switch no Windows, algumas questões com texturas em movimentos mais rápidos, mas nada de realmente grave. Alguns jogadores também reportaram um bug com savegames que os impede de progredir mas, felizmente, não tive este problema, dando a entender que será uma situação rara ou pontual.

Veredicto

Mais de 10 anos depois, criar um reboot de um jogo de culto é uma tarefa complicada. Mais que dar continuidade ao que o jogo original nos trouxe, a Arkane Studios criou em Prey toda uma nova história, como só esta produção sabe criar. Na sua indefinição de género, é um shooter, mas prefere uma acção, indirecta, assimétrica e desafiante, não sendo propriamente um jogo linear, convidando-nos mais a explorar opções para o mesmo objectivo que a correr para ele. Tudo isto é embrulhado num jogo com óptimo aspecto e com uma arte fantástica, que só adiciona ainda mais envolvência. Este é um dos melhores jogos que vão encontrar nas prateleiras este ano, sobretudo se gostam de títulos como System Shock, Bioshock, Thief ou Dishonored e já sentem a falta de um novo Dead Space.

  • ProdutoraArkane Studios
  • EditoraBethesda
  • Lançamento5 de Maio 2017
  • PlataformasPC, PS4, PS4 Pro, Xbox One
  • GéneroAcção
?
Sem pontuação

Ainda não tem uma classificação por estamos a rever o nosso esquema de pontuações em análises mais antigas.

Mais sobre a nossa pontuação
Não Gostámos
  • Checkpoints podem criar situações de bloqueio
  • Dificuldade algo exagerada em algumas áreas

Esta análise foi realizada com uma cópia de análise cedida pelo estúdio de produção e/ou representante nacional de relações públicas.

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