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Análise – Like a Dragon: Infinite Wealth

A SEGA e o Ryu Ga Gotoku Studio estão numa clara missão. Querem que a série Yakuza, agora rebaptizada em Like a Dragon se torne numa fonte de sucesso (e dinheiro). Assim o título Like a Dragon: Infinite Wealth tem um duplo sentido.

Duvidamos que este jogo se torne realmente uma fonte “infinita” de riqueza para as empresas mas, certamente é um contributo sério para a popularidade do momento. A série clássica Yakuza é uma das minhas preferidas no género JRPG com elementos de acção. Adorei também os spin-offs recentes Like a Dragon: Ishin e Like a Dragon: Gaiden ou até os “primos” da série Judgement. Contudo, este mais recente título que vamos analisar hoje não é, de todo, um spin-off, é mesmo o jogo principal nesta série que, efectivamente, continua o legado dos míticos Yakuza. Se leram a minha análise ao anterior Yakuza: Like a Dragon, o tal que gerou a dolorosa transição para Ichiban Kasuga, concluirão que as mudanças até foram positivas, mantendo reservas nos elementos mais profundos do Role Play, o combate por turnos e as lógicas de personalidade, de empregos e de classes. A prova do sucesso, porém, tem de vir de Infinite Wealth.

O grande segredo destes jogos, é a complexa e profunda envolvência do jogador na história. Não só ao nível de decisões mas também ao nível de acções tipicamente mundanas, sem esquecer a história que é dramaticamente contada a cada cena intermédia, cada diálogo e cada interacção. Como em tudo o que nos chega das terras do Sol Nascente, porém, é um enorme choque cultural, criando momentos incrivelmente caricatos (ou, se quiserem, “cringe”) na nossa perspectiva ocidental. Infelizmente, o jogo anterior de Ichiban capitalizou demais nesse tom caricato, algo presente nos anteriores Yakuza mas claramente reduzido nessa anterior série, num contraste que considero bem equilibrado com o tom mais sombrio desses jogos clássicos.

A nova história de Infinite Wealth é uma capitalização nessa “sillyness” que separa a história de Kazuma Kiryu e Ichiban Kasuga. O primeiro é um ex-criminoso numa história de redenção e busca pela justiça e pela vida humilde. O outro é também um ex-criminoso, igualmente em busca de algo melhor para si. Contudo, o que os torna tão diferentes é que Ichi é uma personagem “funil” de imensos estereótipos narrativos, por vezes enterrado demais no conceito do comic relief constante, um autêntico “saco de boxe” dos argumentistas para lhe dar um novo golpe de carácter em toda e qualquer oportunidade. Isto resulta numa série de momentos em que temos empatia pelo protagonista, seguida de uma desconexão provocada por uma mera piada fácil. O mesmo acontece nos momentos mais “bad-ass”, muito longe da imagem austera criada em torno de Kiryu.

No início da trama, Ichiban está a viver um bom momento. Num centro de emprego, tenta ajudar outros ex-Yakuza a encontrar um novo emprego (mais ou menos) honesto, depois de nos eventos do último jogo se tornar no “herói de Yokohama”. Basicamente, atribuem-lhe o fim das hostilidades na cidade, pela extinção do clã Tojo e da aliança Omi da máfia Japonesa. No entanto, porque estas histórias são sempre assim, a possível “reforma” do herói fica ameaçada bem cedo. O clã Seiryu ressurge no vazio de poder e parece mover-se nas sombras. A vida potencialmente pacata de Ichi é imediatamente afectada quando o seu passado regressa em força e uma série de acusações o fazem perder tudo que alcançou. Sem outras hipóteses, resta-lhe numa nova viagem que, inevitavelmente se cruzará com o seu passado e com o mundo do crime organizado.

A primeira parte da aventura envolve sair de Yokohama, na verdade sair do Japão. A primeira tarefa que lhe é dada é até do seu interesse: descobrir o paradeiro da sua mãe Akane. Como esta era nativa do Hawaii, EUA, é para lá que se dirige, na esperança de encontrar algumas respostas do seu passado. Claro está que ao chegar a este arquipélago, cruza-se com aquela personagem que o estúdio RGG não quer (ainda) colocar de lado, o lendário Kazuma Kiryu faz aqui mais um regresso. Desta feita, o “Dragão de Dojima” tem bastante “tempo de antena”, sendo até por momentos uma personagem jogável. Nada contra, o seu arco de história é dos mais interessantes no jogo, sendo, de certa forma uma despedida para a personagem. Os motivos de eu dizer isto, porém, deixo para descobrirem.

A mudança de ares para as ilhas dos Estados Unidos leva a uma abordagem um pouco diferente do que é habitual em toda a franquia. Permite jogar com outra cultura, outros aspectos cotidianos e até com outras visões da vida. Aliás, todo o primeiro acto é excelente como medida de contraste, passando um bom bocado ainda em Yokohama com todas as actividades já conhecidas, os pormenores culturais e as questões do momento (como a da pandemia) bem retratadas. Subitamente, tudo muda, passando para outros problemas mais “Americanos”, como a corrupção policial ou as religiões organizadas, por vezes outras formas de crime organizado. Nem sempre a entoação é realista nem o retrato é realmente bem feito mas fica a intenção.

Claro que a máfia Japonesa continua a ser o foco deste jogo, trazendo alguns desenlaces profundos no enredo de longa data. Há uma constante batalha moral de Ichiban que também nós teremos ao jogar. Uma boa questão ao longo do jogo é se estes criminosos podem realmente ter redenção. Os próprios Ichiban e Kiryu são questionáveis “heróis” nascidos de um mundo perverso. É uma boa base narrativa mas, infelizmente, a seriedade potencial na mensagem, quanto a mim o cerne de toda a trama, é constantemente posta em causa pelas histórias paralelas, missões supérfluas ou tom “over-the-top” que alguns momentos criam, especialmente em cenas intermédias, constantes e, por vezes, algo longas demais.

Em termos de oferta, esperem algo muito parecido a Yakuza: Like a Dragon, só que numa dimensão muito maior. Já é conhecido que a história total demora umas 70 horas para concluir apenas as porções da história principal. Se quiserem abordar mesmo tudo em jogo, então acrescentem mais umas dezenas de horas em missões paralelas/secundárias, exploração e alguns desafios opcionais. Contudo, este jogo não é só maior em duração propriamente, é também maior em tudo o resto. Como já disse, vamos de Yokohama para Honolulu no Hawaii, mas também regressaremos à lendária Kamurocho, tornada famosa pelos jogos anteriores. Cada local é um mundo novo para descobrir, das praias magníficas do Pacífico às vielas de Kamurocho, como sempre, locais interessantes para nos perdermos.

Como não podia faltar, também teremos uma colecção enorme de mini-jogos e actividades claramente pensadas puramente para nos entreter. Já sabem que terão bares para cantar Karaoke, jogar Mahjong ou lançar umas setas, assim como uns quantos títulos de arcada da SEGA nos salões de jogos. Há também um peculiar jogo para entrega de comida, muito parecido com o clássico Crazy Taxi, assim como uma gigante sátira a Pokémon, os Sujimon. Umas das actividades mais destacadas em jogo é a gestão da ilha Dondoko, um resort turístico que Ichiban administra. Infelizmente, não achei que fosse assim tão interessante, sendo um modo demasiado complexo e, a dada altura, um pouco enfadonho.

Também há novos empregos para descobrir, começando no já mencionado cargo de funcionário da agência de emprego. A cada novo emprego, teremos boosts nos vários aspectos da personalidade de Ichi. Respeitar o trabalho pode, por exemplo dar um boost na confiança ou intelecto, mas arranjar um emprego como actor dará um boost no carisma ou estilo. Notem que nem sempre terão hipótese de escolher ou até de manter um emprego, estando alguns condicionados pelo próprio enredo. Também não é possível preencher todos os lados do “bolo” da personalidade… pelo menos, acho que não. Ao fim de muitas horas de jogo, a ideia que tive foi que fazer 100% do jogo pode até ser possível mas faltou-me paciência para ir tão longe.

Entretanto, voltamos também aos combates esporádicos com gente que simplesmente não gosta dos protagonistas, intervalados com combates com bosses e mini-bosses. Novamente, é uma batalha por turnos, apostando em golpes, defesa, uso de itens ou ataques especiais de forma táctica. Há novamente uma enfase no uso de objectos de cenário e também na dinâmica da cooperação entre personagens da party. Há uma gestão contínua de inventário e peças de equipamento, numa constante evolução de capacidades e habilidades. Enfim, mais do mesmo, para todos os que já sabem o que esperar desta franquia.

Em termos de novidades, há adições subtis neste combate, como a nova capacidade efectuar combinações de ataques e até escolher o ângulo desses ataques para atingir mais que um adversário. Isto abre algumas portas às possibilidades, especialmente se a nossa party enfrenta mais adversários em número. A lógica dos combates por turnos continua a ser uma opção criativa que pouco aprecio neste género. Todavia, este é mais um jogo onde a tolero bem, até por causa dos golpes e contra-golpes rocambolescos que a produção inventou, sem esquecer a visão distorcida de Ichiban que cria visuais por vezes aberrantes nos inimigos.

Falta só mesmo falar do campo técnico. Tive a oportunidade de jogar no PC e só posso dizer que tudo neste título foi desenhado para deslumbrar. Nem tudo é realmente foto-realista, havendo ainda um trabalho futuro moroso para o RGG Studio conseguir atingir o potencial máximo do que a tecnologia permite. Contudo, de um modo geral, começando nas expressões e detalhes faciais e terminando nas animações e efeitos gerais, este é um trabalho de dedicação e interesse em polir tudo da melhor forma possível, criando momentos realmente impressionantes. Nem tudo é perfeito, com algumas capturas de movimento demasiado exageradas mas, dada a origem Nipónica, aceitamos que é, simplesmente, algo normal.

O que é, então, menos positivo neste jogo? Bom, é mesmo o seu desequilíbrio latente em muitos sectores. As muitas cenas intermédias são incrivelmente bem compostas, quase cinematográficas, mas depois estão cheias de diálogos com excessivas explicações, por vezes a contar tudo novamente de forma repetida, algo que será interessante para novos jogadores mas que farão os veteranos carregar frequentemente no botão skip. Também o tom, como já dei a entender, é francamente oscilante entre o sério e profundo e o caricato ou mesmo tosco. O argumento sofre de uma enorme desatenção à passada, tendo momentos entusiasmantes seguidos de uma actividade demasiado aborrecida. Inconsistente, no mínimo.

Quem sabe a pior inconsistência em todo o jogo é mesmo o seu casting. Como opção, podemos jogar com vozes e diálogos no Japonês original ou optar por uma dobragem em Inglês. Digamos que, nesta última opção, alguns actores não foram bem escolhidos ou simplesmente não estavam inspirados. De um modo geral, as personagens principais são bem narradas, contendo a devida entoação em quase todos os momentos. Especialmente quando é evidentemente preciso, porém, alguns actores secundários parecem estar a ler directamente do guião, fazendo-me por vezes perder atenção ao que está a ser dito para equacionar a enorme irresponsabilidade de um actor ter a sua prestação imortalizada num videojogo para sempre desta forma. Enfim, problema deles, certo? Mas, o jogo sofre um pouco por isto.

Veredicto

Apostar numa fórmula que mudou paradigmas e dividiu os fãs, é arriscado. Todavia, para a SEGA e Ryu Ga Gotoku Studio, é um risco calculado. O investimento em dimensão, polimento e conteúdo de Like a Dragon: Infinite Wealth é notório, criando algo ainda mais grandioso, digno do enorme legado desta franquia de longa data. O novo destino do Hawaii é uma óptima adição à trama geral, trazendo um sucinto mas pungente intervalo na oferta geral. Infelizmente, a sua dimensão considerável cria problemas de equilíbrio e passada, gerando uns momentos algo enfadonhos. Tem também algumas questões de produção, especialmente no casting um pouco ao lado em personagens secundárias. Ainda hoje, esta mudança de paradigmas dá que falar mas fiquei entretido nestas horas que passei com Ichiban e companhia. Estou ansioso para ver para onde iremos a seguir…

  • ProdutoraRyu Ga Gotoku
  • EditoraSEGA
  • Lançamento25 de Janeiro 2024
  • PlataformasPC, PS5, Xbox Series X|S
  • GéneroAcção, Role Playing Game
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Recomendado

Óptimo, aconselhamos a apreciar ao máximo.

Mais sobre a nossa pontuação
Não Gostámos
  • O desequilíbrio constante de tom e passada
  • Algumas missões e tarefas aborrecidas
  • Prestações de alguns actores de voz Inglesa

Esta análise foi realizada com uma cópia de análise cedida pelo estúdio de produção e/ou representante nacional de relações públicas.

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