Análise – Humankind
“Reza a lenda” que só há um jogo que “reina” sobre todos os títulos de estratégia 4X. A realeza de Civilization é difícil de questionar. De facto, muitos foram os jogos vieram tentar desafiá-lo e lentamente foram perdendo terreno. Os Amplitude Studios, porém, têm outro argumento com Humankind.
O que faz de Civilization tão popular é sempre alvo de discussão. Na verdade, não inova assim tanto a cada novo título, mantendo uma fórmula muito semelhante de jogo em jogo. Por isso, a sua liderança é sempre posta à prova quando surgem novos títulos, cheios de novas ideias e que… falham. Ou, pelo menos, não ganham tanto protagonismo, com a sua base de jogadores lentamente a definhar. Os jogos de estratégia são complexos, por vezes com muitos elementos encadeados. Os que se focam na lógica 4X, então, ainda mais complicados são. Sid Meier inventou uma fórmula de sucesso que depois obriga-nos a isto: Aqui estamos, uma vez mais, a comparar um novo jogo com a sua série de longa data.
Que me perdoem os fãs deste jogo por ter iniciado a sua análise por falar noutro título. Mas, é inevitável esta comparação. Desafio mesmo qualquer fã a falar de Humankind e não dizer que “é parecido com Civilization”. E a verdade é que é mesmo complicado fugir de certos estereótipos neste tipo de jogo tão complexo. Estereótipos, esses, que, se não foram inventados em Civilization, foram lá aprimorados. O que há a fazer é inovar onde se pode, juntando novas ideias para que adicionem mais ao novo jogo. Isto, sem complicar demasiado ou tentar reinventar-se. Penso que é mesmo por isso que poucos jogos vingam e Humankind está bem ciente desta questão.
Ao invés de dizer se Humankind é melhor que este ou aquele jogo, porque não é justo para nenhum lado, prefiro abordá-lo exactamente pelo que oferece, mesmo que não consiga evitar a comparação com a série Civ em alguns momentos. A premissa é a mesma, erguer e evoluir um império, ao ponto de transitar pelas eras e levá-lo a uma conquista global ou a extinção. Pelo meio, claro, além de expandir cidades e recursos, ainda teremos de gerir questões sociais, políticas e até religiosas, optando por leis e regras que tanto podem ajudar a evoluir um poco, como se tornar o princípio do fim da nossa civilização.
Além de podermos escolher um avatar, temos várias culturas históricas para escolher. Dos Egípcios aos Americanos, passando pelos Maias, Japoneses ou Vikings, cada civilização possui prós e contras, uns são mais virados para o militarismo ou conquista, outros são mais religiosos e ainda outros possuem traços de tirania ou de opressão. Não há propriamente um filtro em jogo, passando por algumas leis e regras que dificilmente serão consensuais entre todos. Seja qual for a nossa escolha, porém, a lógica é igual para todos. Vamos começar no período neolítico com uma simples tribo e depois evoluímos pelas várias eras, até chegar à era contemporânea.
Como devem imaginar, o vínculo histórico com a realidade, apenas acontece nos traços gerais de cada povo. Na minha passagem, por exemplo, pude iniciar-me no jogo com Egípcio, construindo pirâmides e templos mas, chegando ao período seguinte, optei pela cultura Teutónica, o que é um choque cultural e civilizacional tremendo. Esta e outras misturas improváveis criam uma mescla quase caótica de influências, que só pioram depois com influências das civilizações vizinhas. No período contemporâneo, acabamos com uma população completamente irreconhecível, que em comum só têm uma pirâmide no meio da capital. Isto, claro, se lá chegarmos.
O jogo está repleto de momentos complicados de gerir. Dependendo de leis e decisões políticas que vamos fazendo, vamos também condicionando o crescimento da própria população. A ideia de um líder “deus” dos egípcios, não faz qualquer sentido para uma população rodeada por religiões monoteístas, por exemplo. E dependendo da diplomacia, as relações com os vizinhos podem ser demasiado ligeiras ou demasiado tensas, inevitavelmente acabando em alguma guerra. A estratégia é tudo, envolve concentrar-nos e gerir todos os aspectos, por vezes tão delicados.
É que o jogo não nos deixa ficar “quietos num canto”. Quando estamos a apostar numa evolução científica e cultural, erguendo cidades, melhorando-as e aumentando a qualidade de vida, surge uma qualquer religião vizinha que atrai os nossos cidadãos a converter-se e a passar a abominar a cultura que tentámos implementar. Por outro lado, grandes impérios atraem migrantes e geram problemas de subsistência com grandes números de habitantes e grandes gastos em recursos. E é claro que a guerra é o grande elemento de decisão, com invasões sempre no pior momento ou uma revolução civil quando mais precisamos de estabilidade.
Este é o “charme” de um bom jogo de estratégia 4X. Esta é uma abreviatura para quatro vertentes: Explorar, Expandir, Tirar Proveito e Exterminar. A exploração leva-nos a enviar batedores para descobrir curiosidades, recursos e outras civilizações. Expandir implica erguer postos avançados e cidades, alargando o território. Tiramos proveito de recursos e do comércio para crescer economicamente. E quando as coisas atingem um ponto de saturação, erguemos um exército e partimos para exterminar que se opõe ao nosso espírito de expansão. Aprendemos com a própria História, no final de contas.
Mas, já deu para perceber que nada disto é assim tão simples. Como já disse, os reveses surgem quase sempre quando não precisamos deles. Embora tentemos um misto de evolução social e política com alguma componente militarista, inevitavelmente a dada altura esse equilíbrio não nos vai assistir. É preciso apostar muito nas defesas, como muralhas para as cidades e tecnologia de armas para fazer face aos oponentes. Até porque, erguer ou conquistar uma cidade, dá-nos os recursos de toda a região, não apenas dessa cidade. O que leva muitas vezes a guerras por causa de uma só cidade entre dois impérios.
Este tipo de atrito político, com impérios a tentar conquistar o que podem e depois a guerrear por se canibalizar, cria uma instabilidade constante. O que não seria nada de negativo, não fosse a passada algo desequilibrada ao longo da campanha. No início, tudo ocorre de forma galopante, com conquista atrás de conquista, pequenas batalhas esporádicas, mas uma clara expansão sem grande oposição. A partir da 3ª era, porém, o jogo “carrega a fundo no travão” e tudo atinge um impasse geral. Por isso, como que para “quebrar o ritmo”, começam as grandes guerras de invasão, por vezes de várias frentes e aliados.
Se não tivermos em conta os traços culturais das influências que vamos tendo, nem são tanto as guerras com outros povos que devemos temer mas sim as revoltas populares. Por causa da lógica das cidades controlarem regiões inteiras e os seus recursos, podemos perder uma cidade para os revoltosos, que inevitavelmente acabarão com uma região inteira, repleta de portos, minas e outros recursos valiosos nas mãos de algum povo vizinho. O que pode ser extremamente injusto, porque o jogo não explica de forma clara como proceder para inverter uma revolta ou recuperar uma cidade por via diplomática. As armas não são sempre a solução, aprende História!
Falando de diplomacia, já agora, os líderes de cada civilização são todos… vá lá… doentes mentais. A sério! Num momento estão a pedir-nos alianças, a pedir novas rotas de comércio ou a solicitar a abertura de fronteiras, noutro tornam-se em condescendentes mimados a quem não se pode negar nenhum pedido ou ameaçam com guerra. Visto que a economia é tão volátil, passamos o tempo todo a tentar agradar a “gregos e troianos”. Sem sucesso, porque inevitavelmente só mesmo com um grande exército acampado na fronteira é que teremos o seu real respeito. Exército esse que é um rombo enorme no orçamento, já agora.
Entre guerras e muita espera, vamos estar simplesmente a carregar no botão para o turno seguinte de forma avulsa. O jogo começa a abrandar demasiado o passo, enquanto esperamos que uma evolução termine ou que uma batalha se resolva. Estamos num “ritmo” e é obviamente aqui que se perdem muitos jogadores, especialmente para quem este género é uma novidade. Embora possam escolher alguns elementos de dificuldade, não há percursos mais ou menos positivos. É inevitável esta evolução e este abrandamento. Até aqui há um paralelo com a série Civ, igualmente desequilibrada na velocidade das diferentes fases.
No que toca à parte técnica, este não é um jogo muito exigente no hardware. Embora use modelos tridimensionais como num jogo de tabuleiro animado, passaremos na maior parte do tempo a consultar tabelas, com uns efeitos especiais aqui e ali. A arte do jogo é agradável no seu design inspirado na banda-desenhada, facilmente correndo nos presets mais altos de qualidade. A sua interacção é o que seria de esperar de um jogo para PC, embora, pessoalmente, preferisse poder manipular as tabelas e que alguns eventos não se encadeassem tanto no pequeno sub-menu das notificações. São detalhes, em nada estragam a boa experiência técnica geral.
Veredicto
Se tiver de apontar algo menos positivo em Humankind, será apenas o facto de Civilization existir. Como disse acima, não é possível falar do novo jogo dos Amplitude Studios sem mencionar esse outro título. A comparação leva-nos a pensar nas suas diferenças, que não são assim tantas. Como crítica, a sua passada tão diferente entre fases de jogo é capaz de ser o seu maior problema. De resto, considero uma excelente alternativa no género 4X. Estou mesmo curioso para ver se fará frente ao “rei”. Pelo menos em oferta, considero-me dividido entre os dois.
- ProdutoraAmplitude Studios
- EditoraSEGA
- Lançamento17 de Agosto 2021
- PlataformasGoogle Stadia, PC
- GéneroReal Time Strategy
Ainda não tem uma classificação por estamos a rever o nosso esquema de pontuações em análises mais antigas.
Mais sobre a nossa pontuação- As misturas cultuais entre eras
- As várias repercussões de decisões tomadas no passado
- Entrar na era moderna a governar meio mundo
- Passada mais lenta na parte final do jogo
Esta análise foi realizada com uma cópia de análise cedida pelo estúdio de produção e/ou representante nacional de relações públicas.