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Análise – Helldivers II

Conforme demos conta, a nossa análise a Helldivers II começou exactamente no mesmo dia que todos vocês. Contudo, em apenas quatro dias de jogo, já somos “veteranos de guerra” e voltamos da linha da frente para vos contar tudo.

Convenhamos que quatro dias para analisar um jogo, nem sempre é tempo suficiente. Especialmente se, como neste caso, se trata de um dos jogos mais esperados do momento, na esteira de um primeiro título muito bem recebido. Como irão ver, Helldivers II é uma mudança de estratégia dos Arrowhead Game Studios para algo substancialmente melhor em quase todos os aspectos. A lógica de jogo foi evoluída para um “shooter” mais convencional, o grafismo também é mais apurado e é claro que há aqui uma enorme inspiração noutros títulos do momento para refinar a oferta. O resultado poderia ser francamente brilhante mas… Olhando para as meta-análises no Steam, fica bem claro que algo não correu bem no plano técnico. Mas, nem é bem (só) por isso que o jogo falha em agradar a todos.

Pegando no enredo do jogo anterior, num futuro longínquo a Super-Terra é uma potência expansionista a tentar conquistar a galáxia. Infelizmente, o nosso estilo de vida futurista e militarista está ameaçado por uma horda de insectos gigantes nada dispostos a acordos. Os soldados de elite Helldivers são a resposta, literalmente mergulhando nos planetas para desancar os aracnídeos com a máxima violência. Tudo isto ao ritmo de uma propaganda contagiante e manipuladora de opinião, num tom neo-fascista, camuflado de progressista “over-the-top”. Se tudo isto vos soa a familiar, é porque já viram todas estas referências na série de entretenimento “Starship Troopers”. Este jogo, aliás, não esconde essa enorme influência em nenhum pormenor, inclusive no humor negro latente.

Em termos de enredo, não há muito mais para desenvolver. Este não é bem um tipo de jogo com uma narrativa evolutiva, tendo apenas uma rápida introdução ao que se passa, lançando-nos de imediato na acção. Primeiro, temos uma missão de introdução para treino, que também serve de tutorial. Depois, entramos logo na nossa nave a caminho da frente de batalha. Existem pequenas porções de história e lore espalhadas em várias mensagens e missões que vamos recebendo, havendo também um Codex para consulta mas não esperem nem histórias para desvendar, nem personagens marcantes para conhecer. É um caso flagrante em que o enredo apenas serve de contexto e pouco mais. Não é algo preocupante na fórmula.

Se jogaram o primeiro Helldivers, tudo na interacção e lógicas de jogo será francamente familiar em quase todos os aspectos (menos no combate em si, mas já lá vamos). Começamos na nossa nave, um cruzador que estaciona na órbita de um planeta que é preciso abordar, escolhemos uma missão e o nosso Helldiver é lançado como uma bala literal para a superfície, tendo um tempo limitado para cumprir cada missão. Contudo, logo no início conseguimos perceber que tudo o que já conhecíamos foi ampliado, melhorado e redesenhado para parecer maior e mais bonito. Desde o fato e equipamento do nosso Helldiver à própria nave, há um “overhaul” notório, dando-nos ainda outro nível de personalização mais profundo.

E para justificar esse nível de personalização, entramos no infame mundo das divisas deste jogo. São várias e cada uma compra algo diferente. Precisamos de Democracy Medals para cumprir os Battle Passes, aqui chamados de War Bonds, que nos dão peças únicas e armas singulares. Precisamos de Republic Points para comprar os muito importantes “Stratagems” (já explico o que são). Precisamos de Science Samples, Freedom Vouchers e Morality Moneys para fazer upgrades à nave e outras melhorias, inclusive nos próprios “Stratagems”. Por fim, temos os Super Credits para servem comprar itens premium de cosmética, sendo estes também comprados opcionalmente com dinheiro real.

Se ficaram confusos com tantas divisas diferentes, não se preocupem. Também eu fiquei confuso com tanta moeda diferente para angariar. Todas estas divisas podem ser ganhas em jogo e não há realmente nenhum espírito “pay to win” aqui. Os Super Credits comprados com dinheiro real só dão mesmo itens de cosmética em troca. Contudo, todas as divisas ganhas estão dependentes da vossa prestação em jogo. E é claro que as missões possuem vários níveis de dificuldade, sendo as mais difíceis as mais recompensadoras. Infelizmente, a par dos elementos de jogabilidade que vou falar a seguir, há uma incrível morosidade em ganhar estas divisas, caindo a “conta-gotas” e tendo objectos cada vez mais caros a cada nova patente.

No caso dos itens de cosmética, tudo bem, não é preciso comprar nenhum deles. Por outro lado, é discutível se armas mais “avançadas” são efectivamente melhores que as simples metralhadoras e pistolas do arranque. Contudo, no que toca a upgrades, é preciso jogar muitas e muitas partidas até terem divisa suficiente para melhorar seja o que for. É um “grind” assinalável, com missões algo repetidas e dependendo sempre de jogar com outros jogadores dispostos a cumprir mais objectivos. Ao fim de umas boas dezenas de horas, por mais divertido que o jogo seja, torna-se fastidioso como tudo leva tanto tempo, é caro e exige tantas partidas para chegar a um nível de personagem e equipamento que faça realmente a diferença.

Por causa disto, a jogabilidade é um tanto insípida nas primeiras horas, estando longe do seu verdadeiro potencial atingido lá mais para a frente. Helldivers II não é um jogo fácil. É descrito como tendo uma acção “Hardcore”, o que implica uma certa dose de dificuldade inerente, nada propícia a jogadores sem paciência. Para que saibam, o tiro amigo está permanentemente ligado, o que pode significar que podem matar os companheiros acidentalmente. Mas, nem é por isso que o jogo é difícil. Apesar da mudança de “Top Down Shooter” para um puro jogo de acção na terceira pessoa (Third Person Shooter), não há facilitismo, com uma elevada dificuldade evolutiva consoante aumentem a patente e o equipamento.

E o jogo não faz muita questão de vos preparar para isso. Aliás, o jogo não vos avisa que algumas missões não são para vocês. Existem nove níveis de dificuldade que se desbloqueiam sempre que terminam uma missão no nível de dificuldade anterior. Só que algumas missões não são nada fáceis de terminar em níveis mais altos de dificuldade, pelo menos não a solo. Não só possuem unidades aracnídeas muito rápidas e letais, como podem ser facilmente rodeados de muitos inimigos sem piedade. Há estratégias para ultrapassar estas missões com relativo sucesso mas o mais provável é morrerem frustrados com a extrema dificuldade do jogo. O que posso sugerir é jogar sempre com outros jogadores e apostar muito na gestão de “Stratagems”.

O que são estes “Stratagems”. Não, não são “estratagemas” para ilicitamente dar a volta ao jogo. Trata-se de uma opção especial para “chamar” equipamento ou armas de uso pontual, com efeitos estratégicos e possivelmente devastadores, tendo um “cooldown” associado. Podem levar até 4 por missão, dando-vos a oportunidade de chamar de órbita uma delas ou várias ao mesmo tempo para ajudar no combate. Desde caixas de munição, torres automáticas de canhões, minas, armas especiais, até salvos de artilharia ou bombardeamentos poderosos vindos de órbita, todos os “Stratagems” são de uso ilimitado mas terão de ser activados por combinação de teclas, estando sujeitos a um tempo de pausa entre usos, o tal “cooldown”.

Como já disse, porém, o acesso aos “Stratagems” mais poderosos ou mais eficazes está vedado nas primeiras horas com uma das divisas, obrigando-nos a jogar muito Helldivers 2 até que mais e melhores opções deste equipamento e mais armas sejam desbloqueados para melhorar o nosso jogo. Quando jogamos com outros jogadores, as coisas equilibram-se um pouco, combinando com eles quais levar e fazendo compras e upgrades conscientes para uma melhor estratégia. Infelizmente, a solo nada disto é válido, sendo obrigados a usar os “Stratagems” de forma muito conservadora para chegarmos com vida ao fim da missão.

Se acompanharam o lançamento do jogo, porém, sabem que jogar a solo neste título pode ser mais frequente que o desejado, dados os vários problemas de servidor que ainda subsistem. Na minha experiência, ainda vejo muitas sessões a falhar no matchmaking, inibindo-me de entrar em muitas sessões. Também é complicado esperar que outros jogadores se juntem a nós quando mais precisamos. Na verdade, foi raro cumprir os quatro slots de Helldivers por missão, mesmo com o cross-play ligado entre PC e PlayStation 5. Estou certo que, uma vez mitigados estes problemas, o jogo conseguirá garantir muitas mais sessões repletas de jogadores, conseguindo assim tornar-se mais acessível para os jogadores menos experientes aprenderem a jogar e não morrer tanto a solo ou para ser possível abordar missões mais difíceis.

Por outro lado, nem todos os jogadores entendem muito bem o que fazer. Temos uma missão principal para escolher, sim, mas há várias outras disponíveis no mesmo mapa onde caímos. Temos um tempo limitado para cumprir cada missão e o próprio mapa nem sempre colabora, com alguns elementos modificadores que afectam a velocidade locomoção ou a efectividade das armas. Contudo, descer à superfície pode dar muitos mais pontos que apenas executar a missão principal. Há canhões para activar, laboratórios para destruir, ninhos de aracnídeos para desancar, etc, tudo dando pontos de experiência e divisa adicional. Mas, alguns jogadores, especialmente os mais “tenros”, que preferem cumprir a missão principal e extrair de imediato, limitando o que pode ser feito a cada “dive” e, assim, obtendo menos recompensas.

É sempre assim em jogos de cariz cooperativo. Há jogadores que simplesmente não se querem chatear e pronto. Por vezes, são só mesmo inexperientes e não entendem as suas opções. Alguns nem se apercebem que há mais missões paralelas para fazer e ganhar mais pontos. O jogo também não faz muita questão de explicar isso, nem assinala bem no mapa que essas missões estão lá. A questão aqui é que isto frusta um jogador em busca de pontos, especialmente por causa do já mencionado “grind” de divisa e evolução. E não vale a pena “jogar por si”, já que, se um dos jogadores pedir extracção, a missão acaba logo que a nave descole do ponto de evacuação, independentemente se todos conseguem chegar à nave ou não.

Descer à superfície para fazer uns míseros pontos é realmente frustrante. Mas, é ainda mais frustrante morrer constantemente porque os jogadores não entendem que o “fogo amigo” está ligado e nos dão tiros nas costas inadvertidos. Os que o fazem de forma literal não duram muito em jogo, felizmente, com uma moderação que parece muito activa em jogo contra “grief” e batoteiros. A dificuldade inerente de algumas missões também não facilita, havendo unidades de aracnídeos bastante agressivas e que, rodeando o jogador às dezenas, tornam tudo muito complicado. Basta um pouco de fogo cruzado ou um “Stratagem” mal lançado e morremos em barda sem necessidade nenhuma… comando arremessado à televisão…

Mudar a perspectiva da jogabilidade para a terceira pessoa, podendo mirar na primeira pessoa, é uma boa evolução que torna toda esta jogabilidade mais “visceral”. A violência sem apologias, aspergindo o Helldiver de sujidade, sangue e vísceras de insecto é brilhante e coloca-nos “lá” de uma forma que o primeiro jogo logicamente não conseguia. Contudo, este não é um TPS convencional, tendo elementos que eu não concordo. A energia (stamina) limitada pode funcionar bem num “shooter” isométrico ou num RPG mas num TPS não é sempre uma mecânica muito justa. Por outro lado, não poder saltar é bastante limitador nos dias que correm. Ultrapassar obstáculos é automático com a personagem a correr mas nem sempre funciona como pretendido.

Tudo isto em conjunto, um jogador com falta de energia, não podendo saltar e com um sistema de desvio que só o faz mergulhar para o chão e que não é lá muito prático, tendo uma animação muito longa, contra aracnídeos rápidos e aos magotes, cria algumas situações frustrantes. Junte-se a isso uma animação de recarregamento manual (não é automática) demasiado longa, munições muito limitadas e alguns inimigos “esponjas de balas”, há momentos muito caóticos e, por vezes, de pânico. É algo que vamos melhorando enquanto jogamos mais, lutando para obter armas e “Stratagems” mais poderoso, ganhando também um ritmo mais coerente. Ainda assim, há momentos em que a jogabilidade deixa muito a desejar, especialmente com companheiros menos experientes a dificultar ou a jogar a solo.

Por outro lado, gostava de ver algumas lógicas mais apuradas e mais dignas de um puro TPS. Porque não implementar um esquema de cobertura? Porque não implementar uma lógica de escudo, além da energia em si? Os cooldowns dos Stratagems também podiam ser menos penalizadores. Enfim, não trabalhei no desenvolvimento do jogo mas tenho uma longa experiência com shooters. Nota-se, claramente, que a mudança de um Top Down Shooter para esta lógica não foi assim tão rigorosa, herdando ainda muita coisa desse outro género de acção mais indirecta. Não é uma má lógica o que temos em jogo, notem, apenas não cheguem aqui na esperança de jogar um “Gears of War”, por exemplo.

Tirando esta dificuldade latente em encontrar uma sessão com jogadores que sabem o que estão a fazer, tirando a necessidade de uma estratégia conscientes para não frustrar, tirando os problemas técnicos de sequer conseguir uma sessão cooperativa completa, tirando também o tal “grind” algo exagerado, a experiência consegue, mesmo assim, ser muito positiva. Entre as minhas frustrações e muitas palavras menos elogiosas, dei por mim “agarrado” ao jogo e a tentar contribuir para salvar a galáxia. Sim, cada vitória em jogo contribui para uma meta-campanha global para a comunidade colaborar nos objectivos. Jogando, estamos mesmo a contribuir para salvar a galáxia dos aracnídeos, o que é uma forma excelente de garantir um “jogo como serviço” de longa duração.

Como já devem ter notado, visualmente este é um jogo fantástico. Tive a oportunidade única dada pela Sony Interactive Entertainment de jogar paralelamente no PC via Steam e na PlayStation 5. Devo dizer que, apesar do PC gozar de algumas opções visuais adicionais, a qualidade gráfica de um modo geral é bastante semelhante. Este é um jogo muito bem polido, apesar da sua mudança de paradigmas, com poucas questões a assinalar em termos visuais ou sonoros, com uma banda-sonora épica a condizer. Infelizmente, ainda tenho alguns crashes em ambas as versões e espero sinceramente que os Arrowhead Studios e a Sony consigam resolver esta questão, em conjunto com o péssimo matchmaking, de modo a termos o jogo que foi prometido.

Agora, os pormenores que menos gostei nesta oferta. O primeiro, estou certo, não afectará muita gente. Embora tenhamos cross-play, permitindo jogar qualquer sessão com jogadores de PC e PS5 sem problemas (quando funciona), não temos nem “cross-save” nem “cross-progression”. O que significa que se tiverem o jogo nas duas plataformas, PC e PS5, não partilham a personagem nem o seu progresso, criando carreiras separadas. No início do jogo no PC, é pedido que façamos o link da conta Steam com a PlayStation Network, o que leva a entender que pode ser algo planeado. Mas, até à publicação desta análise, não é possível jogar com uma personagem central nas duas versões. O que é uma enorme perda de oportunidade.

O segundo pormenor menos positivo será mais abrangente. Como já disse e não me canso de repetir, o “grind” é uma realidade e torna tudo mais moroso. Mesmo assim, seria algo ultrapassável se as missões fossem sempre inventivas, os inimigos cada vez mais engenhosos e a acção mais evolutiva. Até pode muito bem vir a ser assim com a evolução da conquista da galáxia e alguma expansão… mas agora não é. Este é um jogo muito, mesmo muito repetitivo, com missões muito parecidas, senão iguais, entre si. Arrisco dizer que ao fim de umas duas ou três horas de jogo, já descobriram tudo o que o jogo tem para dar e então começam a repetir missões, tarefas e objectivos. É algo diminuidor, muito dependente das prestações da comunidade que, a julgar pelas actuais meta-análises, pode muito bem desistir de jogar a médio-prazo.

Veredicto

Quando funciona, Helldivers II, é um jogo viciante, uma verdadeira evolução técnica e visual do primeiro jogo, brilhando com amigos ou desconhecidos numa sessão bem planeada, dando-nos um desafio muito elevado mas em que a cooperação ganha sempre. Então desconsideramos as suas pequenas falhas nas suas lógicas, como sendo meras “excentricidades”. Todavia, nem sempre o jogo funciona assim tão bem. Ora tem falhas no matchmaking, ora tem um crash para nos frustrar ainda mais. O seu esquema de carreira é muito moroso e há uma certa falta de conteúdo que leva a uma inevitável repetição. Será, sem qualquer dúvida, bem sucedido mediante a paciência e contribuição da sua audiência. Todavia, se a produção nada fizer para compensar essa aposta, essa paciência pode não ser assim tanta.

  • ProdutoraArrowhead Game Studios
  • EditoraSony Interactive Entertainment
  • Lançamento8 de Fevereiro 2024
  • PlataformasPC, PS5
  • GéneroAcção, Shooter
b
Bom

Equilibrado e com boas ideias, os seus erros não o impedem de brilhar.

Mais sobre a nossa pontuação
Não Gostámos
  • Demasiado "grind" e repetição
  • Falta de "cross-save" e "cross-progression"
  • Muitos erros técnicos, em especial no "matchmaking"
  • Não é bem um "TPS" puro

Esta análise foi realizada com uma cópia de análise cedida pelo estúdio de produção e/ou representante nacional de relações públicas.

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