Entrevista – Detroit: Become Human – Adam Williams (Quantic Dream)

detroit-become-human-header

Foi dos jogos em maior destaque no stand da Sony PlayStation nesta última Lisboa Games Week 2017. O fantástico Detroit: Become Human lida com assuntos em voga e mostra-se tecnologicamente interessante. A nossa entrevista é já a seguir.

Falámos com o Argumentista Principal Adam Williams acerca deste novo, onde pudemos abordar muitas questões interessantes, desde o desafio de escrever para este tipo de jogo, as questões técnicas, as influências de títulos passados e até mesmo da importância da Inteligência Artificial no futuro.

WASD (W) – Em primeiro lugar, Adam, fale-nos um pouco de si, de como chegou à Quantic Dream e como se chegou a envolver com este Detroit: Become Human.

Adam Williams (AW) – Juntei-me à Quantic Dream depois de terminarem Beyond: Two Souls e já estarem na produção de Detroit: Become Human. Sabiam que este jogo seria o “próximo nível” em termos narrativos, queriam algo maior, mais flexível e que pudesse dar mais permutações ao enredo. Por isso, queriam mais argumentistas para cumprir essa necessidade. Antes disso, trabalhei na televisão no Reino Unido por oito anos, chegado à Quantic há dois anos. E trabalho neste jogo desde então.

W – Explique-nos um pouco do seu envolvimento na produção, sendo o argumentista principal do jogo. É que há uma diferença entre escrever para cinema ou televisão e escrever para um jogo.

AW – Absolutamente. Há uma grande diferença entre escrever para televisão ou para um jogo. Além disso, a própria Quantic Dream tem uma abordagem muito participativa na forma como conta as suas histórias. Se procurarem alguém com o trabalho de argumentista, seria eu e o David Cage, sendo ele o principal criador e visionário, mas muitas pessoas participaram na criação desta história. Temos designers de jogo, o realizador da captura de movimentos (motion capture) e toda uma grande equipa de pessoas que contribuíram para a criação do enredo.

Isto porque quando estamos a criar um argumento para jogo, não estamos só a escrever uma história, estamos a criar algo interactivo, algo que será filmado (capturado), mas também que será jogado e tem de ser adaptar à jogabilidade. Acabou por ser um espírito de colaboração em que o meu papel foi adaptar a visão de Cage e todas as ideias, editando diálogo em conjunto com ele e colaborando com o realizador de captura no estúdio, ajudando os actores na sua performance. Foram precisas muitas “mãos” para criar esta história.

Por outro lado, há muita coisa paralela no jogo, inclusive cenas adicionais à história e aos diálogos, algo que irão ouvir falar mais tarde quando tudo for anunciado.

W – Acerca do desenvolvimento, quais são os desafios de criar um jogo guiado pela narrativa?

AW – O que diria é que, se tivermos em conta a flexibilidade da narrativa de Detroit, contra, por exemplo, a televisão, que era o meu meio anterior, na televisão se uma personagem tiver de tomar uma decisão difícil, um punhado de argumentistas senta-se e decide o seu futuro. É uma conversa interessante com muitas perspectivas e ideias consolidadas que o público acaba por ver. Num jogo como estes, o objectivo é levar o jogador a tomar essas decisões, como se estivesse à mesa com os argumentistas do jogo. Ou seja, o jogador está a co-escrever a história connosco, enquanto lhe damos o contexto, as opções e ele constrói tudo conforme avança.

Isto gera alguns desafios porque em vez de uma mensagem ou história que impomos, o nosso trabalho é criar um contexto em que histórias interessantes podem surgir. E é o jogador que decide o que fazer com isso, obrigando-nos a uma gestão de probabilidades. É um guião muito maior e mais amplo, um monte de páginas, em que temos de orientar os actores para estas probabilidades com várias versões de eventos. Mas, também é preciso que cada escolha seja satisfatória. Seria muito fácil fazer escolhas que terminavam em becos sem saída, “Game Overs” ou checkpoints.

W – E tem alguns arcos de história que terminem mais cedo sem interferir com a história principal?

AW – Neste jogo, podemos perder personagens e até perde-las todas.

W – Podemos terminar com menos personagens, portanto, como em Heavy Rain.

AW – Muito semelhante a Heavy Rain, sim. Portanto, nessa eventualidade de perdermos todas as personagens, ou se uma história fica mais encurtada por causa de uma decisão, precisamos na mesma de algum sentido de finalização e de satisfação narrativa. Seria um erro criar um jogo tão adaptável e depois permitir que, ao adaptar as opções, se auto-sabotasse ou se privasse de gozar conteúdo significativo. Por isso, tentámos que todas as permutações da história fossem satisfatórias. Esperamos que as pessoas queiram jogar de novo e ver outros fins, mas não há escolhas erradas ou más.

W – Podemos esperar múltiplos fins como em Heavy Rain ou Beyond: Two Souls?

AW – Há ainda mais fins alternativos que nesses jogos. Gostava de explicar melhor mas não posso especificar por agora, mas quando as pessoas virem a quantidade de fins neste jogo, irão ver que é um salto gigante do que fizemos anteriormente. Isto vê-se na variedade de personagens, a forma como as suas histórias influenciam outras personagens e até podem abrir ou fechar novos arcos de história. Isto significa que, não só os fins serão diferentes, como as viagens para lá chegar também o serão.

W – Lá se vão os Walkthroughs…

AW – Sim, pensei muito nisso, pensei naqueles sites que só se dedicam a esse tipo de tutoriais. Não sei como irão fazer perante tantos fins e repercussões. Temos um painel enorme no nosso escritório com todos os casos e é impressionante, parece quase um mapa de ADN ou algo assim, com tantas permutações. Seria muito complicado mapear tudo de forma compreensiva, dizendo “eis a história completa”.

W – Falando da narrativa, o foco destes jogos da Quantic Dream, algumas das queixas dos jogos anteriores é que são mais narrativos e menos “hands-on”. Nos últimos trailers vimos que há mais interacção, ainda que seja baseada na narrativa. O que mudou para dar mais interacção ao jogador?

AW – Sim, é uma pergunta pertinente. A nossa abordagem nesse caso foi procurar o que os jogadores pretendem, que é o entretenimento. Querem uma boa história, mas também a querem influenciar de alguma forma. Não posso falar pelos jogos anteriores, porque não trabalhei neles, mas com Detroit a filosofia foi imergir o jogador nas cenas e assim conseguir contar a história com a própria jogabilidade. Ou seja, a forma como uma personagem age, a forma como a “sentimos”, deve caracterizá-la a ela e à narrativa.

Por exemplo, Connor, o nosso andróide que caça Deviants. A cada informação que capta, o seu processador permite-lhe identificar informação crucial para reconstruir os eventos das cenas. É uma habilidade única, como todas as nossas personagens possuem as suas habilidades únicas. Assim, é o jogador que faz essa aproximação mais “hands-on”, mas não deixamos de contar mais da história e da personagem, por dizer que Connor é analítico, é factual e muito sintético. Já Kara é diferente. Não é tão sofisticada como Connor e não tem tantas habilidades especiais. E isso torna a acção diferente.

Outro pormenor importante para a jogabilidade foi tentar trazer alguma mímica. O que fazemos com o comando tenta imitar a acção no ecrã, como um interface intuitivo. Isto permite remover algumas barreiras ao jogador, dando-lhe mais paralelismo com a acção e criando a tal imersão desejada através desta interacção especializada.

O facto das acções e escolhas possuírem consequências, torna tudo significativo. A forma como jogamos com cada personagem e interagimos nas cenas é significativa. Cada passagem pelo jogo pode ser diferente de acordo com a nossa interacção. Ou seja, a jogabilidade não é tipo um interlúdio à narrativa. Faz parte dela.

W – Tivemos recentemente em Portugal, mais precisamente no Websummit 2017, um robot equipado com inteligência artificial, que até deu entrevistas e interagiu com os visitantes. A pergunta que surgiu e que parece pertinente para a criação deste jogo é: Será a Inteligência Artificial positiva ou negativa para o futuro da Humanidade?

AW – É uma pergunta interessante. Toca no âmago da forma como criamos estes dramas interactivos. É algo que os escritores como eu não devem abordar criando algum tipo de mensagem para o público. Mesmo que tomássemos a posição que a IA é perigosa, ou não é perigosa, não nos compete a nós transmitir essa dita mensagem. O que podemos fazer é perguntar esta questão ao próprio jogador, dando-lhe probabilidades perigosas ou positivas. Ele depois que conclua por si.

Se olharmos na forma como os smartphones nos mudaram e condicionaram, ou como a Internet nos mudou, a IA, que já está aí ao virar da esquina, vai claramente ter também um enorme impacto. Agora, a magnitude desse impacto, nem mesmo os especialistas estão de acordo. Podemos ouvir Elon Musk e ele dirá que será muito perigosa ou podemos ouvir Mark Zuckerberg dizer que a AI será inofensiva e ajudar-nos muito.

Por isso, a questão para nós foi dar esse plano de hipóteses ao jogador e ele próprio pode situar-se. Pode jogar como um caçador de Deviants, andróides com desvios de comportamento que envolvem emoção, e escolher se será mais violento ou compassivo. Será que considera um Deviant mais humano? Será que é experimentando emoções que faz da IA mais “humana”? Ou será alguma máquina alguma vez humana, se não é biologicamente possível? Estas são perguntas que nunca precisámos responder, e nem podíamos. Queremos que sejam os jogadores a concluir se é positivo ou não.

Detroit: Become Human ainda está em desenvolvimento e não tem data de lançamento marcada. Contudo, é esperado para algures em 2018, num exclusivo PlayStation 4.

Comentários

Comentários