Entrevista – Ricardo Carriço (God of War)

GOWBroll (6)

No evento especial de apresentação de God of War, o próximo jogo exclusivo para a PlayStation 4, estivemos à conversa com três dos intervenientes no evento. Revelações, visões privilegiadas deste projecto e até alguma curiosidades nestas nossas conversas.

Não percam a nossa reportagem do evento de apresentação de God of War.

Nesta segunda entrevista, estivemos à conversa com o actor Ricardo Carriço. Para quem não sabe, o Ricardo tem sido o “nosso” Kratos, a voz Portuguesa do “deus da guerra” nas localizações nacionais do jogo. Este é o seu terceiro trabalho neste registo, depois de God of War 2 e 3. Como é ser o Kratos Português?

WASD – Ricardo, experiência muito diferente dar a voz a uma personagem de videojogos ou subir a um palco ou estúdio. 

Ricardo Carriço – Não tem nada a ver. Com o teatro, então, não tem rigorosamente nada a ver. Agora, pode haver aqui um lado que eu penso que acaba por ser um exercício muito grande e que este Kratos permite isso. É uma personagem com uma densidade tal, que tu tens de rapidamente aprender a controlar a tua própria energia na cena. Ele é exigente, ele pede-te que tu dês tudo e mais alguma coisa.

Depois estás a trabalhar num registo muito gutural, muito grave e, de repente, tens picos de emoção, tens de ter muita consciência do teu aparelho vocal… para que não o estragues… Neste [jogo], confesso, não me aconteceu tanto isso, porque ele acalmou, cresceu, com a presença do filho a dar-lhe muitas alterações. Mas nas edições anteriores, a segunda e terceira onde participei, houve ali alturas que tive alguma dificuldade e o chá de perpétuas roxas acompanhou-me. (risos)

É essa gestão de emoções a que algumas personagens nos podem obrigar, quer seja na televisão, quer seja no teatro, quer seja neste caso. Kratos é exigente não só em termos vocais, mas… o teu corpo vai a seguir. Há pouco aconteceu-me o Joaquim Guerreiro (figurante vestido de Kratos no evento) apareceu-me por detrás e eu disse “é isto”, pela respiração dele em personagem. Quando estás a gravar em estúdio, às duas por três, o teu corpo está a reagir da mesma maneira. Cheguei a acabar alguns dias de gravação, não só cansado mas transpirado à séria.

W – Há um pouco de Ricardo Carriço em Kratos, ou é mais ao contrário?

RC – O Kratos invadiu-me na totalidade. Aqui podem haver alguns registos em que as pessoas podem identificar a minha voz. De resto, não há nada de Ricardo Carriço. O Kratos exige-te muito. É desafiante.

W – Nos jogos anteriores, notámos que a localização faz algumas alterações nas traduções. O actor contribui para isso, dando alguma sugestão nas falas? 

RC – Não podemos mexer em nada. Estás a trabalhar com coisas que são originais. Gravámos grande parte ou a maioria das cenas com imagens em desenvolvimento, muito básicas em alguns casos, algumas só com linhas de contorno, outras só ainda com os primeiros efeitos e alguns inacabados. E outros só trabalhámos só mesmo sobre a voz do actor original Americano. Aqui acabas por ter consciência que tens de colocar a língua Portuguesa sobre a língua Inglesa naquele tempo certo. Quando gravei cenas com a personagem à vista, com movimentos labiais, tinha de fazer corresponder com as palavras com os movimentos. De resto, na sua grande maioria, eu nem vi nada.

W – Não chegou a jogar, portanto.

RC – Nunca o joguei. Este nunca joguei. Com os gamers que vi aqui a jogar (no evento de lançamento), vou tentar jogar em casa, escondido (risos). Tenho vergonha perante a destreza das pessoas que vi jogar aqui. Fiquei fascinado.

E depois há outra coisa que achei extraordinário. De repente achei que devia haver ali uma opção no menu onde possamos ver um bocadinho do “filme” do Kratos. Apetece-me ver o filme do Kratos. Se calhar é uma ideia que se lança para o ar, era giro que um dia tivéssemos God of War no cinema. Nunca se sabe…

W – Tanto cá, como lá fora, há uma ideia que este tipo de actuação, chamado de “voice acting” é, de certa forma, inferior para um actor. Já falámos um pouco sobre a exigência necessária, mas ainda há actores que recusam este tipo de actuação por achá-la inferior.

RC – Acho uma perfeita estupidez este tipo de atitude. Faz-me lembrar há uns anos atrás quando os actores todos diziam que não faziam telenovelas por acharem que era uma “arte menor”. Hoje estão lá todos (risos). Criticaram-se as novelas, mas foram as novelas que, por exemplo, fizeram com que a música Portuguesa esteja onde está.

Não acho esta uma “arte menor”. Acho extraordinariamente difícil. Se me dissessem que alguns actores não queria fazer isto pela exigência desta personagem, mais uma vez relacionada com esta energia e a defesa o aparelho vocal, se levantassem a exigência deste tipo de registo, eu compreendia. Agora, acho que é um desafio como todos os outros e tão dignificante como todos os outros.

W – Falando agora sobre a personagem Kratos. Evoluiu de um assassino de deuses do Olimpo, cruel e gutural, uma força da natureza e, agora é um pai mais protector.

RC – É um pai, mas não deixa de ser gutural e essa força da natureza. Eu acho que o Kratos é um pouco aquilo que nós todos somos. Partimos de um princípio, quando o conhecemos, que “este gajo é doido, é uma besta, mata família toda”. Mas, no fundo é um revoltado porque quer ser um homem normal. Esta é a dualidade do “ser ou não ser” e todos nós passamos por isso. A própria sociedade obriga-nos a tomar um certo tipo de padrão e porque não podemos ser diferentes? Porque não fazer as coisas à nossa maneira? E, às vezes, até apetece partir tudo… (risos) Eu sou fã do Kratos, confesso. Não sou violento como ele, mas acho que tem um pouco de todos nós. Há sempre uma razão para o que acontece.

Na questão de ser pai, muda a personalidade, não muda a personagem. Mas, o Kratos está mais velho e qual é o homem que não fragiliza perante um filho? Qual é o homem que não fragiliza quando tem consciência que o problema do filho é ele não se assumir como deus? É humano.

W – E essa transformação notou-se nas falas e nas emoções transmitidas.

RC – Nota-se nas falas, nota-se na interacção e na relação dele com o filho. Agora, não altera em nada a dinâmica e o lado guerreiro que eles têm. Porque o filho está naquela fase de adolescência, quer ir “a todas”. Kratos tenta controlá-lo para que ele aprenda, acima de tudo. Mas, nenhum dos dois perde a sua essência. God of War, continua a ser God of War.

Esta entrevista foi realizada ao vivo. A ordem das questões, assim como a transcrição, é nossa e assumimos algum erro ou imprecisão na gramática. As informações concretas, porém, são inteiramente reproduzidas.

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