100 Censura: A Guerra é Bonita?

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Tema quente de há séculos. Será que os jogos de acção, sobretudo os de Acção na primeira pessoa (FPS) ou terceira pessoa (TPS), estão a tornar os jovens insensíveis aos horrores das guerras modernas?

À partida, criar bodes expiatórios para justificar o que se passa, é o ponto de partida para quase todas as tentativas de explicação de fenómenos sociais. No que não se sabe explicar, quase sempre se procuram respostas fáceis e cómodas.

No caso que estamos a falar, os videojogos de acção são o alvo fácil e aparentemente inevitável de pais e analistas que tentam perceber a aparente agressividade genérica da criançada nos dias de hoje. Porque os jovens tem acesso a tantos jogos de tiros e explosões em casa, na consola ou no PC, acha-se de imediato que é por isso que decidem dar um pontapé no irmão mais novo, ou, no pior dos casos, pegar em armas reais e alvejar os colegas da escola como há uns anos em Columbine nos EUA, ou o mais recente caso na Noruega.

Infelizmente, porém, os analistas sociais esquecem-se sempre de diversas questões sociais em que os jogos não são intervenientes.

Pergunto quantos pais permitem que os seus filhos sejam inundados de imagens e sons de guerra, não em jogos, mas em filmes e até mesmo noticiários televisivos durante a hora de jantar?

Quantas vezes os pais inscrevem os seus filhos em cursos de artes-marciais, por exemplo? À partida acham que é exercício físico, ou ginástica… ou então que é uma coisa zen. Mas, o yoga também é, isto sem murros e pontapés. É inegável que há benefícios das artes marciais, mas até que ponto tornará o jovem mais violento ou imune às consequências de usar a sua força física? Puramente questionável.

E o que dizer das músicas de Heavy Metal ou Hip Hop que incentivam à violência, às vezes verbal, às vezes física? Há quem ache que não tem mal nenhum ouvir uma música destas porque não estão atentos à letra… pois claro, é mesmo assim não é? Claro que não. Ouvimos crianças a cantar asneirolas e a gritar que matam e assassinam, achamos piada porque não pensamos no que estão a dizer… Faz deles mais violentos?

Como se justifica o escalar de violência social nas ruas de Londres há uns meses atrás com videojogos? Pilhar lojas, agredir inocentes e assaltar transeuntes, não faz parte dos jogos de acção que dominam o mercado. Até há jogos que convidam a isso (Grand Theft Auto, por exemplo), mas vamos mesmo justificar que um só jogo, um objecto de diversão, se torna um veículo de lavagem cerebral?

Não vamos escamotear a eventual força psicológica que um jogo em que a personagem pega em armas, cada vez mais realistas, para assassinar outras personagens. É lógico que isso é um meio de informação e sugestão muito forte. Mas, não vamos culpar apenas os jogos nesta escalada de violência, quando temos tantos outros veículos de influência que já mencionamos (e outros mais). Não devemos ampliar a realidade das coisas.

Sim, desde Columbine até hoje, parece ter havido um escalar de violência entre os jovens, cada vez com pormenores mais macabros e envolvendo armas. Mas, também é verdade que os média estão hoje bem mais focados nos terrores da humanidade e dedicam-se a ampliar eventos e a escolher a forma como relatam com conteúdos macabros que tantas vezes só servem para chocar.

Também o acesso a armas está facilitado em alguns casos, não exclusivamente a armas de fogo, mas a facas que se vendem em qualquer loja de sobrevivência ou mergulho e até tacos de baseball que podem ser comprados em lojas de desporto.

Depois há a questão da supervisão. Tudo o que é representativo da violência pode ser doseado, seja um jogo, seja uma notícia no telejornal. Mas, nem sempre é. As crianças passam horas agarradas a consolas de jogos que os pais colocam nos seus quartos de modo a não terem de se debruçar tanto na educação dos seus filhos.

Os jornais vivem hoje em dia da notícia sensação que não pode ter um final feliz. Capas de jornal são muitas vezes vergonhosamente violentas, com descrições pormenorizadas dos pormenores mais dispensáveis, mas que fazem vender jornais. Tantas vezes com imagens que noutros tempos davam processo em tribunal por atentado à moral, mas que hoje é parte da “liberdade de imprensa”.

Filmes são cada vez mais sangrentos e “realistas”. Há uns anos, lembro-me de ver pessoas abandonar filmes como “O Resgate do Soldado Ryan” em que Spielberg quis transmitir os horrores da Guerra, não como espectáculo mas como documento importante da dor e da violência que não deveríamos reproduzir. Mal sabia o Realizador que estava a criar o padrão para uma onda de “realismo” onde um mero jorrar de sangue para a parede já não chegava.

Tudo junto, forma um bolo enorme dentro da cabeça do jovem que ainda está a formar ideais e valores. Não são só os jogos que ocupam o seu dia-a-dia. É claro que são uma boa porção de incentivo à violência, se os próprios pais, na sua incapacidade, os empurram para longe em direcção ao jogo, de modo a não terem de se “chatear”.

Depois, claro, é fácil culpar o jogo… Nunca os pais.

Nenhuma organização ou produtora de videojogos pode ser responsável por preencher de forma destruidora o vazio provocado por uma falta de disciplina educacional. Os jogos só por si não justificam o fenómeno que inunda as notícias de violência de jovens e adolescentes. São apenas uma parte ínfima da muita fonte de “inspiração” do dia-a-dia. São os indivíduos (ou os pais) que escolhem como se deixam influenciar.

Tal como uma pistola em cima de uma mesa não mata, tem de ser alguém a pegar nela e usá-la de modo a matar. Enquanto está na mesa, não passa de um objecto que tanto pode matar como pode dissuadir ou até ser apenas exposto para decoração por um coleccionador. Tudo depende da dose de influência e a falta de moral de a usar da forma mais violenta.

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