A guerra antecipada segundo Sea Power

SEAPOWAAAH (5)

Por cortesia da Microprose, por uns dias fomos autênticos Almirantes de uma enorme frota naval de combate. A proposta era testar o novo Sea Power, um título de estratégia em tempo real da produtora Triassic Games.

Embora esta produtora possa ser desconhecida da maioria dos leitores, talvez conheçam o trabalho dos seus fundadores, os conhecidos Pacific Fleet, Atlantic Fleet ou Cold Waters. Estes outros jogos de simulação, aliás, deram imensa inspiração a Sea Power, continuando essa senda de criar jogos realistas de complexas máquinas navais (e não só), simplificadas para um jogo mas amplamente complexas nas suas missões.

Dizer que Cold Waters é uma evolução desses jogos, porém, é diminuidor. Tirando o sal do mar que é teoricamente idêntico, esta é uma experiência muito diferente. Enquanto nesse outros jogos o foco era num ou noutra unidade de cada vez, mais virado para a simulação de plataformas, Sea Power dá-nos total controlo de uma frota inteira, com todos os meios e desafios relacionados com o controlo de uma Task Force de fragatas, submarinos, torpedeiros, porta-aviões e até das suas aeronaves.

Por causa dessa maior abrangência, este jogo não é tão focado nessa componente de simulação directa. Sim, continuamos a poder controlar directamente os rumos, algumas tarefas e até designaremos alvos a abater. Contudo, todo esse processo é agora muito mais simplificado do foi que, por exemplo, no comando de um submarino nuclear a supervisionar cada estação de Cold Waters. Aqui não iremos escutar hidrofones para detectar possíveis submarinos, apenas esperamos que os operadores de sonar os detectem, por exemplo. Isto remove muita da micro-gestão dos jogos anteriores desta equipa, passando para algo muito maior e mais abrangente, ao mesmo tempo que se simplifica toda a interacção.

Porque passamos a maior parte do tempo a agir como Almirantes a planear ataques e defesas, Sea Power é, no seu rigor, um jogo de estratégia, em que comandamos a frota no geral, tendo uma certa medida de poder de intervenção pontual em cada unidade. Esse controlo é perfeitamente linear, dando instruções directas mas que serão cumpridas pela IA de acordo com os limites da sua operacionalidade. Sinceramente, isso tirou uma grande parte do entusiasmo que tinha ao receber o jogo para análise. Pensava eu que esta seria uma expansão de Atlantic Fleet ou até de Cold Waters, para depois constatar que não era bem assim. Não quer dizer que não tenha gostado de o jogar, apenas esperei outra coisa.

O conceito de jogo faz-me lembrar outros títulos mais “macro” como Command: Modern Operations mas sem a extrema complexidade de gestão desse outro jogo. Embora tenhamos como foco central a representação tridimensional do campo de batalha, na verdade é um engano pensar-se que iremos jogar numa espécie de “acção na terceira pessoa”. Como já disse, não há um controlo ou intervenção directa em cada unidade, pelo que não faria qualquer sentido que esse tipo de perspectiva fosse a sua base. O ecrã central a mostrar vistosos navios e aeronaves é, na verdade, apenas para disfrute visual ocasional. O foco de todo o controlo está nos menus que o circundam. É no mapa táctico (acima) que deverão passar mais tempo.

O foco, pelo menos para já, é novamente na era semi-moderna da Guerra Fria, quando os mísseis tomaram conta dos cenários modernos de guerra. Por isso, nesta fase de acesso antecipado apenas teremos as frotas dos EUA e a União Soviética para controlar, mais ou menos nos anos 70. Tida como a verdadeira era de ouro do combate naval, temos à nossa disposição mais de 150 navios e mais de 60 aeronaves diferentes dos dois lados, cada uma com as suas mais valias e limitações. Recomendo mesmo que visitem a vasta enciclopédia (incluindo descrições e unidades e armamento durante o jogo), porque este título quer mesmo ser também um registo histórico dessa era.

Por outro lado, é bom que estudem, porque tirando um punhado de tutoriais em vídeo, Sea Power não perde muito tempo com explicações, obrigando-nos a conhecer bem cada unidade antes de a mandar navegar ou atacar as demais. Pelo menos nesta fase de concepção, também não temos uma campanha propriamente dita para irmos aprendendo a jogar de forma compassada, tendo apenas uma série de cenários para explorar e um editor de missões para criarmos os nossos próprios conflitos. Isto pode criar uma curva de aprendizagem algo elevada para quem não conhece muito bem o real poderio e capacidades das duas frotas navais, nem como tirar melhor proveito de cada plataforma.

Felizmente, as descrições técnicas e a enciclopédia são bastante vastas e detalhadas, dando-nos muitos detalhes importantes, como o papel principal, tipos de armas adequadas a que missões e até raios de alcance e velocidades. De um modo geral, a IA também se comporta relativamente bem nos seus automatismos, conseguindo gerir os seus próprios recursos e manobrar por si só. O nosso papel fica mais relegado ao de garantir que executam as suas operações, deixando de lado o papel de um capitão de navio que salta de unidade em unidade. É, portanto, possível ir descobrindo a jogabilidade por estudar o que cada navio ou aeronave consegue fazer. Claro que isto depende do empenho de cada um.

Esta simplificação, porém, não faz muitos favores quanto à possível e desejada imersão. Já não termos uma ponte de comando ou um cockpit, remove-nos da acção. Ao controlar tudo com menus e opções, é normal que, por momentos, percamos o entusiasmo de olhar para um mapa e uns gráficos, clicando em comandos genéricos. Até é possível que nos percamos no meio de tantas opções. Nada é realmente complexo ao ponto de frustrar (felizmente) mas é manifestamente necessário que este jogo obtenha um melhor tutorial, talvez uma missão interactiva para quem chegar ao jogo. Mesmo quem tenham experiência em estratégia e até em combate naval, inicialmente os novatos terão alguma dificuldade em “mover as peças” de forma coerente.

Caso contrário, é bem possível que, por mais que comandemos os navios ou aeronaves para fazer uma missão, estes poderão não ser muito apropriados ou até falhar na dita missão. Também temos de saber como combinar unidades de defesa ou escolta com as de ataque ou vigilância para que formem uma força equilibrada. Isto, no meu ponto de vista, é tudo neste título e a produção não teve muita vontade de nos dar uma forma de entender isto quando, por exemplo, mandamos um navio de mísseis procurar submarinos. Ele conseguirá fazê-lo, mas esse é o trabalho de um torpedeiro, obviamente. Levará imenso tempo para conhecer toda a extensa base de dados e não perder missões porque usamos os recursos errados ou falhamos a usar os correctos nos momentos mais críticos.

Num do tutoriais em vídeo, aliás, o narrador explica de forma algo singela que haverão momentos em que é mesmo melhor pausar tudo e tentar decifrar o que se passa. Isso acontece mais vezes do que pensam, em especial nos cenários com múltiplos navios a combater frente-a-frente. Obviamente, o objectivo é afundar a frota inimiga perdendo o mínimo de unidades no processo mas é mais fácil dizê-lo que fazê-lo. Estrategicamente é de caras a missão mas, na prática, tudo se pode perder em segundos quando não percebemos muito bem o que é que a unidade X está a fazer, em especial em situações não previstas, por exemplo, porque a IA decidiu defender-se ou está danificada.

Falta mesmo imenso feedback ao jogador do estado da frota e quais as suas possibilidades. Ficamos facilmente baralhados com tantos menus e tantas unidades a fazer tudo ao mesmo tempo. De facto, pausar o jogo quando se sentirem mais perdidos é a melhor opção, sem dúvida, mas não é uma muleta que sirva para tudo. Se forem cenários simples, como a lendária caça a um submarino Soviético potencialmente desertor (claramente inspirado em Caça ao Outubro Vermelho) numa das missões de jogo, dada a simplicidade dessa missão de busca, quando o caos se inicia, as poucas unidades-chave são “controláveis”. Agora, nos já mencionados confrontos complexos entre duas frotas, nem sempre a pausa nos safa na espiral de caos.

Também gostava de ter melhores controlos directos para quando comandamos um navio individualmente. Entendo que não era possível individualizar tudo para cada navio, porta-aviões ou submarino, muito menos seria possível criar cockpits para as aeronaves. Todavia, não se perdia nada ter um melhor interface para comandos básicos que meras caixas de menu na barra inferior. Idealmente, gostaria de ter uma certa medida de controlo directo das estações específicas de cada unidade, nem que fosse algo meramente visual. Assim como está, dependemos muito da IA, esperando que o operador artificial de sonar ou de radar execute, fazendo rigorosamente nada senão esperar que seja bem sucedido na busca pelo inimigo.

É que, depois de dar comandos básicos de rumo e missão, temos de esperar que tudo seja executado em tempo real, o que aborrece até os mais ávidos fãs deste género. Alternativamente, podemos ir acelerando o tempo (até 100x) mas também não é solução para tudo. Estas lógicas, por vezes, tornam-nos meros espectadores da acção até certo ponto, a não ser que decidamos controlar directamente uma unidade. Mas, se o fizermos, notem, é muito fácil perder o rumo da acção geral, uma vez que estamos focados apenas numa das peças do puzzle. Isto criou em mim algum aborrecimento, porque simplesmente não há assim tanto para fazer durante uma meia hora, olhando para ícones a mexer para, de repente, entrar num caos de difícil gestão e dificuldade elevada. Melhor balanço entre a estratégia e a simulação directa faria maravilhas.

Falando sucintamente da parte técnica, como já expliquei, a tal representação tridimensional do jogo é mesmo para “arregalar o olho”, algo que poderão facilmente constatar nas imagens partilhadas. E, digo-vos, em termos de modelação de navios, aeronaves e até de cenários, temos aqui um jogo visualmente brilhante, a apostar no realismo, tendo ainda uns efeitos visuais muito bem concebidos e um grande foco no rigor na modelação de quase tudo. Como também já expliquei, não é bem nesta visualização que passaremos mais tempo a jogar, ainda assim é para lá que vamos sempre quando mandamos navegar umas 40 milhas para chegar ao objectivo. Para um pequeno jogo independente, o visual 3D é mesmo impressionante.

Noutros lados, porém, somos rapidamente recordados que este é um jogo de orçamento limitado e que está ainda em acesso limitado com uma curta equipa nos bastidores. Sem qualquer surpresa, há bugs para “todos os gostos”, entre crashes e freezes totais, até perdas de controlo e outras falhas mais subtis que chateiam. Nada que se possa dizer que vá estragar a experiência, notem, mesmo agora neste acesso antecipado. No entanto, é algo com que inevitavelmente devem contar. Estou certo que, a avaliar pelos jogos anteriores desta equipa, tudo isto será polido até ao lançamento. E cá estaremos para o comprovar.

Conclusão do Acesso Antecipado

Falta fazer muita coisa em Sea Power mas a produtora Triassic Games tem aqui uma excelente “tela” onde está a “desenhar” uma óptima criação. Este é um jogo mais focado na estratégia, dando apenas um ligeiro controlo individual e preferindo dar mais primazia ao comando geral de uma enorme frota. Embora se sinta que simplifica demais a sua oferta, dizer que este jogo tem potencial, é um eufemismo. Pela forma como apela aos nossos melhores instintos de estratégia e pela forma como as unidades respondem de forma tão realista, é um vício tremendo. Apenas falta mais acessibilidade a quem não tem muita experiência e termos mais “jogo” para interagir e não sermos tanto “espectadores da IA”.

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