Yakuza0 (2)

Análise: Yakuza 0

Todos os que jogaram os clássicos jogos da série Yakuza, certamente gostariam um dia de deambular pelos primórdios da sua personagem principal Kazuma Kiryu e Goro Majima. Esta é a proposta da SEGA em Yakuza 0. O Japão já o jogou (assim como o próximo Yakuza 6), agora é a nossa vez!

É difícil descrever o género em que a série se insere. Por um lado é um jogo de acção, com combates violentos pontuais. Por outro é um Role Play Game onde podemos acompanhar a vida de um membro da máfia Japonesa. Será mais um jogo de aventura pelo convite à exploração e pelos riquíssimos diálogos e enredo intrincado. O resultado é sempre uma experiência empolgante e bem construída. Yakuza 0 implementou diversas novidades na série, ao mesmo tempo que oferece um vislumbre do passado de importantes personagens, numa era em que a Yakuza exercia a sua pressão implacável nas cidades de Tokio e Osaka. É uma viagem ao passado, especialmente dedicada aos fãs, mas aberta a todos os curiosos. Há quase um ano que foi lançado no Japão e só agora nos chega. Será que valeu a pena a espera?

Todos recordarão como se iniciava o primeiro título da série. Kiryu tinha sido encarcerado por 10 anos por um crime que não tinha cometido. O que levou a essa situação? Esta é a sua história. No início de Yakuza 0 vamos acompanhar o protagonista, então um mero soldado da máfia Japonesa com aspirações a subir de escalão. Ao serviço de um agiota, é dada a tarefa de reaver uma certa quantidade de dinheiro, “apertando” com um caloteiro. Deixando-o ferido num insuspeito beco, Kiryu não consegue imaginar que o local escolhido para deixar a sua vítima ferida foi o pior imaginável. Pior, a vítima acaba morta por alguém e o jovem é incriminado. Polícia e Máfia estão  agora a braços com um problema e nas fileiras da Yakuza, as regras são rígidas. Mesmo que alguém lá pelo meio as interprete à sua maneira.

Mas não é só o enredo de Kiryu em Kamurocho, Tóquio que acompanhamos. Em Osaka, Goro Majima dirige um bem sucedido clube nocturno, depois de ter sido afastado da Yakuza. Contudo, o seu desejo de redenção e de recuperação da sua honra leva-o a aproveitar uma hipótese de regressar à Máfia… com uma condição: Majima tem de assassinar uma pessoa. Disposto a tudo, cedo recorda que nem todas as missões dadas pelos clãs criminosos são justas. Quando se depara com o alvo a abater, as suas questões de moral falam mais alto e, se calhar, a sua ambição de carreira no crime nem é assim tão importante.

Estes dois enredos possuem uma característica comum, uma componente rara nas histórias criadas para videojogos: valores morais embebidos com impossibilidades e questões profundas de honra e justiça. Damos por nós a torcer pelos protagonistas e a criar empatia pelos seus dilemas. Mas, mais do que histórias com repercussões, desenvolvimentos e reviravoltas, é interessante acompanhar as ramificações criminosas e cruéis de uma realidade tão longínqua. Apesar de ser uma obra de ficção, este jogo inspira-se na infame máfia Japonesa real e muitas das histórias que também fazem parte do folclore Japonês nos anos 80 misturam-se com a realidade. Mas, essa é apenas a cena de fundo.

De facto, a SEGA esmerou-se para nos dar uma história credível de dois homens, com personagens cruas e sem polimento, para justificar que mais tarde ser passará nos restantes jogos da série. São durões que parecem imortais, é certo, mas ninguém é perfeito. E mesmo as restantes personagens, maioritariamente criminosos cruéis que reportam à violência para sobreviver entre os seus pares, não passam de objectos com virtudes e falhas. Não será bem uma apologia à criminalidade da Yakuza, mas uma visão dramatizada de como foi viver um país refém de uma incerteza social, com o vazio gerado pelo fim do Imperialismo. Tudo isto embrulhado numa era de emergência da cultura “silly” no Japão dos anos 80, baseada em videojogos e muito, mesmo muito, néon.

E tudo tem mesmo um óptimo aspecto. Apesar deste jogo já ter alguns anos (lançado no Japão em Março do ano passado, tendo sido anunciado em 2014), sobrevive bem ao teste do tempo na PlayStation 4. Vamos passar uma boa parte do tempo na cidade de Tóquio, mais precisamente no fictício distrito de Kamurocho, onde o espaço é pouco, as habitações e espaços comerciais acotovelam-se em ruas estreitas e onde predominam cartazes de néon que iluminam a noite. Nada parece deixado ao acaso com pormenores de rigor quase demente. Nada parece fora do sítio, até mesmo as beatas de cigarro no chão.

Também a modelação das personagens principais e respectivas animações foram alvo de algum rigor técnico. Recorrendo claramente a técnicas de captura de movimentos, os actores que emprestam a face às personagens (salvo algumas excepções), são tecnicamente impecáveis. Porém, quando precisam falar, há algo que não funciona bem, a meu ver. Embora haja muito talento de vozes em cenas intermédias, nem todas as cenas possuem sincronismo de lábios, parecendo uma novela gráfica com legendas. Também há muitos momentos em que as personagens nem sequer possuem voz, falando por escrito. O que faz pouco sentido dado o interesse em contar uma história que não nos permite seleccionar diálogos ou opções de reacção. Ou a produção não teve orçamento para incluir todas as falas e animações ou adicionou conteúdo para o qual não teve tempo de aprimorar. Aposto mais na ideia que será uma escolha artística.

No que toca à interacção temos de abordar duas fases distintas de jogo. Enquanto controlamos os protagonistas no seu dia a dia, o jogo age como um normal jogo de exploração em mundo aberto com interacções simples e resolução de puzzles. Entre missões principais e secundárias, vamos conhecendo novas personagens e interagimos com elas de forma simples. Seja a seleccionar opções de resolução de tarefas ou a resolver mini-puzzles, esta interacção é simples. Até podem dirigir-se a alguns locais como bares ou salões de jogos para jogar diversos mini-jogos como bilhar ou dardos, mas também grandes clássicos da SEGA como Outrun ou Super Hang-On. Sim, jogos inteiros, não apenas adaptações. O objectivo é que as personagens (e nós) se divirtam, mas também ganhem dinheiro e outros prémios.

Só houve uma experiência ao mesmo tempo demente e perturbadora que vos devo alertar. A dada altura entrei num bar de Karaoke e uma jovem desafiou-me para cantar. Não se preocupem, não terão mesmo de desafinar cantar para um microfone. Mas, se calhar, era melhor que assim fosse. Aqui teremos de pressionar botões no tempo certo, qual “Guitar Hero” ligeiro. Não correu bem, dada a dificuldade quase insana de acertar nos botões no tempo certo. O que torna esta experiência realmente perturbadora foi o que aconteceu a seguir. A jovem acabou por me dar um cartão para poder ver um filme seu de teor “erótico”. Coloco a palavra entre aspas porque não tem nada de realmente impróprio. Mas Kiryu assiste ao vídeo numa sala fechada, com uma caixa de guardanapos ao lado para a qual, no fim do vídeo, olha e geme de forma… uh… satisfeita… Há um botão de “skip”, felizmente.

Falando de outro tipo de “incómodos”, a outra fase distinta de interacção são os combates. Este jogo exagera mesmo em cada encontro com delinquentes ou agentes da Yakuza. Tem até apresentações dignas de jogos de luta como Street Fighter, onde nem faltam as letras gigantes e música de acção, para o caso de terem dúvidas. Desta feita, Yakuza 0 introduz novas formas diferentes de combate para as duas personagens. Kiryu tem o estilo Brawler, que é mais ou menos o que se recordam de jogos anteriores, equilibrado em todos os aspectos, Rush, mais rápido e com golpes mais veloz e Beast, um estilo mais brutal mas também mais lento que permite o uso de armas pesadas. Majima tem o estilo Thug, igualmente balanceado, Breaker, que recorre à dança para combater e Slugger que permite usar mais armas que os punhos.

Os combates variam entre as multidões de adversários numa espécie de ringue improvisado, zonas inteiras como interiores de prédios com várias fases ou vagas de ataque e os esperados bosses mais implacáveis. A melhor estratégia passa por escolher um estilo e adaptar ao adversário. Gostei particularmente dos bosses que se adaptam ao nosso ritmo. É frequente começarmos a disferir grandes golpes ao início, mas consoante o boss perde energia, torna-se mais violento e comete menos erros. Aviso que não devem ignorar a evolução dos estilos e devem salvar o jogo sempre que puderem, sobretudo antes de preverem algum confronto. Já agora, só poderão salvar ou guardar itens fora do inventário num dos diversos telefones públicos na rua.

Para fazer essa evolução nos estilos e nos atributos das personagens, possuem uma árvore de evolução que desbloqueia habilidades e melhorias a cada evolução. Para isso, precisarão de dinheiro e este é atribuído em cada KO ou cada golpe duro que dão nas personagens, mas também ao longo de missões, mini-jogos e interacções. De resto, devem também equipar-se com os melhores objectos e guardar recuperadores de energia para uma situação de aperto. Contem com um inventário onde podem armazená-los, mas também podem lá guardar armas e objectos de decoração que podem oferecer bónus interessantes, além de inúmeras bugigangas para coleccionar (é um jogo Japonês, lembram-se?).

Ainda falando de interacção, sem querer revelar muito do desenvolvimento do jogo, saibam que mais lá para a frente passarão também a gerir determinados negócios. Esta é uma vertente lógica de um jogo que fala de mafiosos, uma vez que, como devem calcular, estes negócios roçam os limites da legalidade. Por exemplo, Kiryu poderá fazer carreira no ramo imobiliário que o ajudará a garantir mais algum capital extra. Este negócio possui até gestão de agentes na rua e aproveitamento de negócios de ocasião. É também uma excelente oportunidade de investir dinheiro quando temos quantias avultadas. Até porque, se não tiverem cuidado, podem encontrar um sujeito chamado Mr. Shakedown que vos desafia para combates que, se perderem, vos levam todo o dinheiro em carteira.

Com tantas actividades e locais interessantes e detalhados, é interessante constatar que a nossa PlayStation 4 Pro não se ressentiu de tantos modelos, objectos e efeitos presentes em cada cena ao longo das horas que jogámos. De facto, tirando uns poucos loading screens esporádicos, a performance do jogo é exemplar, com poucos abrandamentos de performance. Só tenho a lamentar que nem sempre as texturas e modelação impecável das personagens principais transitam para algumas personagens secundárias. Alguma parecem ter sido feitas com menos rigor. Isto, aliado à já mencionada falta de falas e animações em alguns diálogos, deixa-me algo despontado. Também nem todos os efeitos visuais e texturas funcionam muito bem, dando um toque quase de desenho animado, do que propriamente realista, como consegue noutras ocasiões.

Para alguns jogadores, o facto deste título não ter qualquer localização em línguas ocidentais também pode ser um entrave. Apesar das legendas em Inglês funcionarem de forma competente para nos darem uma ideia concreta do que está a ser dito, inúmeros placards e painéis de sinalética não são traduzidos. Também uma boa parte das falas fora dos diálogos directos das personagens não são traduzidas. Ao andar pela rua, há diversos anúncios escritos que nos ultrapassam e que poderiam ajudar a orientar-nos melhor. E também ouvimos imensas falas em Japonês das personagens em nosso redor que não sabemos o que querem dizer. Espero que tenham sido elogios à fatiota que trouxemos hoje. Caso contrario, era pancadaria certa…

Antes de vos dar o veredicto, tenho de dar um sério aviso. Este jogo não é “politicamente correcto”. Já vos falei de como a violência é banalizada com “durões” que parecem imortais e até como o erotismo (suavizado) está patente. Yakuza 0 tem mais alguns momentos que justificam a sua classificação para adultos. Abusos físicos ou verbais, por vezes de teor sexual, misoginia, racismo e até homofobia, surgem de forma algo subtil sob um manto de “puritanismo” digno da cultura Japonesa. No entanto, é irónico que o jogo omita o acto de cortar um dedo de um membro da Yakuza (uma famosa punição), mas não evita banalizar os abusos em inocentes como se fosse apenas “meios para um fim”. Claro, é só um jogo, se calhar a realidade é ainda mais cruel. Até pode ser, simplesmente, uma falta de hábito deste tipo de cultura de indiferença característica do Japão.

Contudo, já deu para perceber que estes jogos da série Yakuza não foram criados para a audiência ocidental. Se a totalidade dos diálogos em Japonês não o denunciar, talvez o “mergulho sem boia” na cultura nipónica vos desperte para esta realidade. Muitos de nós aprecia esta cultura, com especial destaque para os imensos jogos, filmes e manga que o mundo ocidental procura. E, muitas vezes, em determinados títulos até gostamos de ter a opção de escutar o áudio e vozes originais das séries que mais apreciamos. Contudo, é uma opção. Quase um ano depois da sua estreia no Japão, daria algum tempo para uma localização, pelo menos, em Inglês. E ao fim de quase 12 anos, já era tempo da SEGA pensar no mundo ocidental que até aprecia a série Yakuza.

Veredicto

Para todos os efeitos, até que nos chegue Yakuza 6 este será o melhor título da série até agora, pelo menos, comparando com os jogos anteriores. As novidades inseridas nos estilos de combate e na sua evolução fazem todo o sentido. O jogo em si possui um enredo sólido que introduz a vida de duas personagens importantes que os fãs sempre quiseram conhecer. Contudo, também os recém-chegado têm aqui também uma boa introdução para iniciar a sua epopeia pela série. Lamento que nem todos os diálogos sejam animados ou contenham falas, que nem sempre o grafismo seja o melhor possível ou que a localização se tivesse ficado por legendas que falham em transmitir tudo o que está no ecrã. Mas, Yakuza 0 é fiel ao ADN da série, inovando onde pode. E entre uma reinvenção polida só para agradar ao mundo ocidental, ou uma adaptação fidedigna, melhorando na sua imperfeição, prefiro a última opção.

  • ProdutoraSEGA
  • EditoraSEGA
  • Lançamento24 de Janeiro 2017
  • PlataformasPS3, PS4, PS4 Pro
  • GéneroAcção, Aventura
?
Sem pontuação

Ainda não tem uma classificação por estamos a rever o nosso esquema de pontuações em análises mais antigas.

Mais sobre a nossa pontuação
Não Gostámos
  • Alguns diálogos sem animação ou voz
  • Inconsistências nos modelos e texturas
  • Falta de localização ocidental (só legendas e menus)

Esta análise foi realizada com uma cópia de análise cedida pelo estúdio de produção e/ou representante nacional de relações públicas.

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