Análise – Valheim

Tem apenas 1 GB de espaço ocupado no vosso PC. Quando descarregam Valheim e iniciam o jogo, os primeiros minutos não parecem muito promissores. Este é, contudo, um dos jogos mais populares na plataforma Steam nestes dias. Quisemos perceber porquê. Chegámos um pouco atrasados a esta análise, é certo… mas, já bem, o que é bom é para ser apreciado com calma.

Antes de mais, devo informar que Valheim é ainda um jogo em Acesso Antecipado no Steam. O que significa que muitas coisas ainda serão melhoradas e outras serão alteradas ou adicionadas nas próximas semanas e meses. Ainda assim, a produção do Iron Gate Studio tem vindo a receber muita apreciação pelos jogadores. Este é um género já tão saturado de jogos, com Ark: Survival Evolved ou Conan: Exiles a tomar a dianteira, que já achamos que nada mais pode ser feito para nos cativar. Na sua simplicidade e dimensão (aparentemente) diminuta, parece um esforço moderado do desconhecido estúdio Sueco, pegando num género popular para criar algo simples. Ao fim de umas quantas horas de jogo, porém, notarão que há aqui algo diferente para explorar. 3 milhões de jogadores já o descobriram e eu vou tentar explicar porque este é capaz de ser o melhor jogo de sobrevivência em mundo aberto dos últimos tempos.

Mergulhando de cabeça na mitologia Nórdica num sucinto quadro de texto, ficamos a conhecer a história da nossa personagem, entretanto criada com algumas simples opções de personalização. Basicamente, o nosso guerreiro é um soldado caído em batalha, tendo a honra de ser carregado por uma Valquíria desde o reino de Midgard, reino dos Humanos, até Valheim, um décimo reino criado pela produção, inspirado nos lendários nove reinos da mitologia Nórdica (Asgard, Alfheim, Hel, Jotunheim, Midgard, Muspelheim, Nidavellir, Niflheim e Vanaheim). Na verdade, este reino fictício tem imensas referências aos reinos originais, funcionando como uma mescla de todos eles, um purgatório para os guerreiros Viking caídos em batalha, se quiserem. No horizonte, os gigantes ramos da árvore da vida, Yggdrasill, confirmam as suas origens.

A ordem dada por Odin ao nosso guerreiro é purgar este reino das suas abominações. Lendários monstros e seres mitológicos que teremos de eliminar um a um. Para isso, teremos de sobreviver, não apenas à vida selvagem e sobrenatural que deambula neste mundo mas também aos elementos. Construir uma habituação, que mais tarde se pode desenvolver numa gigante cidade, é apenas o primeiro passo. Temos de criar armas e protecções, além de evoluirmos enquanto guerreiro, tudo para enfrentar os perigos cada vez mais fortes que serão colocados à nossa frente. Como ajuda, teremos Hugin, uma pega que aparece oportunamente para nos dar algumas dicas em jeito de tutorial. De resto, como um cliché no género, estamos por nossa conta e risco.

Mas, não se assustem. Muito do que teremos de fazer é perfeitamente intuitivo. Apanhamos bagas e caçamos animais para ter sustento, precisamos de uma habitação para nos abrigarmos dos elementos, erguemos uma fogueira para aquecer-nos e cozinhar e, claro, precisamos forjar armas para atacar ou defender o que é nosso. Quem já jogou qualquer título deste género estará rapidamente ambientado ao tipo de interacção. No fundo, este é um jogo de evolução, de preparação e de antecipação. Quando mergulharem numa caverna e descobrirem que é um antro de inimigos que nos matam em poucos segundos, percebem que tudo tem de ser feito com regras e com paciência. Há que criar uma boa armadura, um escudo e um machado antes de lá ir.

O mapa é inteiramente gerado de forma aleatória, embora possamos salvá-lo numa “seed” única e persistente (quando funciona, já lá vamos). Quero com isto dizer que tudo o que fazem neste mundo fica registado, inclusive o que construírem e conquistarem. Inicialmente, o mapa está devidamente escondido e vai sendo revelado enquanto exploramos. Devo dizer que só começarão mesmo a explorar este mapa quando construírem o vosso primeiro barco, arriscando dizer que é mesmo só nesse momento que o jogo se “abre” para algo verdadeiramente épico. O local inicial onde somos largados pela Valquíria, parece verdadeiramente pacífico e escasso. Quando começamos a sair desse “santuário”, descobrimos um mundo perigoso e cheio de mistério.

Gostarão de saber que este título pode ser jogado a solo mas, como sempre, tem muito mais piada jogar com amigos. Até 10 jogadores podem jogar de forma cooperativa (a produção recomenda 5), sendo possível convidar alguém para a nossa “seed”. Contribui bastante para esta dinâmica a possibilidade de fazermos de “host” do mundo em servidor dedicado, garantindo que só pessoas de confiança entram neste mundo. Acreditem que, com amigos, Valheim tem outro brilho. Lá mais para frente irão começar a invocar bosses gigantes em altares próprios e, sozinhos, é muito, muito mais difícil derrotá-los. Por outro lado, a união faz a força. Criar uma cidade inteira com fortificações pode demorar muito mais a erguer sozinho, além de algumas tarefas serem menos morosas com ajuda.

Até agora, poderão dizer que, tirando o seu enredo ou o preço simpático, não há aqui nada de verdadeiramente diferente no género que justifique a sua fama. Se, de facto parássemos aqui esta análise, seria francamente difícil justificar os três milhões de jogadores e as meta-avaliações extremamente positivas de Valheim no Steam. Até porque, de um ponto de vista gráfico, os modelos em jogo são incrivelmente simples, com baixos polígonos e texturas bastante básicas. Apesar de tudo ser modelado com rigor, algumas animações são algo toscas e muitas das mecânicas são básicas. Os próprios menus são um tanto “old school“, não havendo nenhuma secção do jogo que surpreenda graficamente como alguns jogos no género já consolidados.

Penso que o seu sucesso se deve, em parte, a essa simplicidade visual. Valheim não quer surpreender com grandes feitos tecnológicos, apenas criar um mundo bonito, estável e competente. Também Minecraft não é propriamente um colosso visual e, ainda assim, é bastante popular. Onde, para mim, o jogo mais brilha é na iluminação, especialmente nos feitos visuais do ciclo de dia e noite e da meteorologia dinâmica. Claro que os gostos variam mas acho que esta abordagem “no nonsense” do seu visual dá um carácter muito próprio e positivo ao jogo. Alie-se a isso uma banda sonora dinâmica, por vezes bastante “zen” e temos um bom ambiente geral para passar algumas horas a jogar sem nos sentirmos desiludidos com o que vemos e ouvimos.

Outro contributo para fama deste jogo é que não se prende muito com os estereótipos do género. Sim, temos frio, calor e fome. Temos de nos secar se nos molhamos, temos de nos curar quando nos ferimos, etc. Ainda assim, o jogo não está constantemente a tentar matar-nos ao mínimo deslize, tornando-se bastante acessível, mesmo para quem não é muito hábil neste tipo de jogos. O esquema de combate, por exemplo, é bastante simples, com ataques, saltos, bloqueios e desvios fáceis de dominar. Os inimigos são competentes, especialmente os bosses que exigem mais dedicação e evolução antes de os abordar. Contudo, não são injustos ou demasiado letais. Não é que o jogo nos “leve ao colo” mas também não é preciso masoquismo para o jogar.

Outros pormenores de relevância são a remoção de algumas mecânicas mais “chatas”. Notem que não há sede em jogo, o nosso guerreiro está sempre devidamente hidratado. Não sei se a produção planeia adicionar esta mecânica em breve mas, honestamente, não senti a sua falta. Sabendo que em outros títulos de sobrevivência, a sede é das mecânicas mais exigentes, até é uma remoção bem vinda. Resta-nos a fome, sim, mas temos apenas 3 tipos de alimentos necessários para restabelecer energia e vida, além de termos de dormir ocasionalmente para as recuperar. Ainda envolve algum planeamento, por exemplo, antes de embarcar no nosso Drakkar à descoberta, convém garantir algum stock de comida. Mas, podemos sempre pescar ou caçar pelo caminho.

Outro pormenor que pode também justificar o seu sucesso, é a simplicidade na evolução da personagem. Esta lógica é perfeitamente linear, não necessitando de complexos sistemas de perks ou habilidades desbloqueáveis. Simplesmente, quanto mais fizerem uma determinada actividade, melhores se tornam nela. Corram mais e serão melhores corredores. Construam mais e farão melhores construções. Abatam mais árvores e terão melhores prestações a angariar recursos. Simples, lógico, linear… perfeito. Tal como a personagem, também nós chegamos a Valheim sem recursos e sem habilidades. É por explorar e tentar várias coisas que nos tornamos melhores a jogar.

Quanto ao importante crafting, também é francamente simples, compensador e bastante acessível. Aliás, penso que foi onde passei mais tempo, não tanto a criar peças de armamento ou armas, mas a construir a minha cidade fortificada. Obviamente, teremos de reunir recursos, entre madeira, peles, pedras, etc. Contudo, detalhes como a simples reparação de ferramentas na bancada de trabalho (workbench), são simplificações bem vindas. O que é mais interessante é que, invariavelmente, vamos passar muito tempo a explorar o mapa e até poderemos criar mais casas ou fortificações noutro local. Contudo, a sensação de “voltar a casa” é única, especialmente porque quando voltamos, tudo está no mesmo sítio e não temos comida podre no baú.

Antes de terminar, alguns problemas técnicos. Recordo, uma vez mais, que este é um projecto em andamento. Estando ainda em acesso antecipado, deverá demorar algum tempo até tudo ser devidamente polido. Por isso, algumas das observações que farei poderão ser abordadas em actualizações posteriores. Ainda assim, encontrei alguns problemas no reconhecimento de joysticks e gamepads, pelo que tive de os desactivar para evitar conflitos entre eles. Também foi detectado um erro que elimina o nosso progresso por completo, um bug que a produção estará ainda a trabalhar para eliminar. Ainda assim, notem que, para um jogo tão ambicioso e em acesso antecipado, está surpreendentemente polido. O que, nos dias que correm, é de louvar… Sim, estou a olhar para ti, CD Projekt RED.

Veredicto

Numa era em que os jogos de sobrevivência em mundo aberto aborrecem com as suas mecânicas encadeadas, injustas e aborrecidas, Valheim pega nas melhores ideias, elimina as que só pretendem “chatear” e embrulha tudo num ambiente de jogo muito bem cuidado, sem nunca tentar nenhum portento técnico. A simplicidade e a beleza do jogo, conquista-nos nos primeiros instantes, sendo bastante “directo ao assunto”, fácil de dominar, acessível aos menos experientes e francamente recompensador para os mais persistentes. Juntem amigos e a fórmula aperfeiçoa-se a olhos vistos, num título surpreendentemente viciante.