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Análise – South Park: The Fractured But Whole

Há um título escondido em South Park: The Fractured But Whole. Infelizmente, a tradução para Português não me deixa decifrá-lo facilmente. De qualquer forma, a ética não me permitia que o fizesse. Contudo, falar de ética neste jogo é, no mínimo, irónico…

Para quem viveu durante estes anos numa caverna sombria, eu explico que é South Park. Imaginem uma série de desenhos animados em que nada é tabu e tudo o que é assunto delicado é colocado na frente de todos, doa a quem doer. Imaginem que a expressão “politicamente correcto” não existe e tudo pode ser satirizado e exagerado. É a assim a série de longa data de Trey Parker e Matt Stone, que ainda hoje faz estragos na sociedade Americana (e mundial) no canal Comedy Central. Como devem imaginar, este jogo da Ubisoft é totalmente fiel a esta filosofia, como foi, aliás, o primeiro South Park: The Stick of Truth. Por isso, preparem-se para insultos, pouco senso e bastante flatulência.

O enredo tem a dose esperada de loucura. Pega exactamente onde The Stick of Truth nos deixou, com os jovens habitantes de South Park ainda a braços com uma espécie de brincadeira Role Play de contornos de fantasia. Subitamente, Eric Cartman, ou melhor, o seu alter-ego super-herói The Coon regressa do “futuro” para tentar criar um novo franchise de filmes que em tudo nos recorda a fórmula da Marvel ou da DC Comics. Contudo, nem todos estão do lado do homem-guaxinim. A criançada acaba a dividir-se entre os Coon and Friends de Eric e os Freedom Pals liderados por Mysterion, o alter-ego do mítico Kenny (o tal que morre sempre em quase todos os episódios). A guerra civil entre os dois grupos é inevitável.

Tenho de admitir que alguns assuntos tratados neste jogo merecem algum cuidado. Sim, é um jogo, sim, baseia-se uma série televisiva de sátira, sim, é tudo humor no final. Contudo, nem todos irão olhar para o seu enredo com a mesma ligeireza. Como sempre, South Park é também aqui controverso e não vou tentar justificar todas as opções narrativas da produção. Há, porém, duas faces da mesma moeda. Onde alguns vêm ridículo e insulto, na verdade pode ser lido exactamente da forma contrária. Por vezes, as suas personagens extremistas reflectem os pensamentos mais profundos e omitidos da sociedade, expondo-os sem censura. Se alguém se ofende com esta sátira mais corrosiva, este jogo, como a própria série, aliás, não é para vocês.

Considero-me uma pessoa descontraída e com sentido de humor. Sou espectador mais ou menos assíduo da série de TV, até porque os episódios são todos partilhados gratuitamente online. Diria que estou “vacinado” deste humor, por vezes arriscado. Contudo, este jogo não perde tempo a chocar os jogadores. Um bom exemplo é a forma algo leviana com que aborda o racismo, por exemplo. A escolha do grau de dificuldade deste jogo é baseada na cor da pele. Sim, escolham um tom mais caucasiano e estarão num modo fácil, criem a vossa personagem como um Africano e a dificuldade aumenta. Novamente, não me sinto ofendido por isto, mas já consigo ver as muitas críticas no horizonte. Homosexualidade, política, xenofobia, brutalidade policial e tantos outros assuntos quentes, estão na ordem do dia e há pessoas que possuem uma opinião muito vincada sobre estes temas.

Se bem se recordam, The Stick Of Truth chegou a ser sumariamente censurado em alguns países com omissões de texto e quadros irónicos que omitiam imagens mais marcantes. Chegou mesmo a ser proibido em alguns locais. Será de esperar que o mesmo aconteça com The Fractured But Whole (chamemos doravante de TFBW a bem da vossa leitura). Aliás, o título deste jogo tem a sua história. Originalmente, devia chamar-se de “The Butthole of Time” algo como “o ânus do tempo”. Contudo, a equipa foi informada que nenhum retalhista com bom senso iria colocar um produto com esse título nas prateleiras. O resultado foi este outro título que, como agora já percebem, esconde um outro ao nível fonético. Só Trey Park e Matt Stone para responderem desta forma à censura.

Controvérsias à parte, TFBW é um jogo extremamente divertido e com muito daquele seu humor único para quem aprecia a série original. Trata-se de um Role Play Game em que personificamos um “puto novo” em South Park, geralmente conhecido por “douchebag”, um termo pejorativo, na onda de “estúpido” ou “otário”. Acompanhamos os eventos do enredo que já mencionei e participamos numa aventura gráfica com batalhas por turnos de teor estratégico, além de participar em alguma exploração e resolução de puzzles simples. No fundo, é o mesmo jogo que o primeiro, com uma nova história e algumas novidades na jogabilidade que já irei mencionar.

Os fãs de South Park vão reconhecer muitas das personagens (os lendários Crab People estão de volta!) e vão estar constantemente a sorrir das piadas e de algumas referências mais óbvias ou mais subtis a pessoas e eventos da actualidade mundial. Uma vez mais, toda a acção nos faz crer que estamos mesmo dentro de um qualquer episódio de South Park, tal como acontecia no primeiro jogo. Aliás, aconselho vivamente a que joguem The Stick of Truth antes deste título. Até porque, se o fizerem, podem transferir alguns itens (fatos, armas, etc) desse jogo para ajudar na progressão. No entanto, como já disse, há algumas alterações na interacção e algumas delas são realmente positivas.

O sistema de combate foi revisto para agora se basear num esquema de quadrícula. Basicamente, as personagens que controlamos não estão mais fixas e podemos movê-las numa área específica. Nelas, alguns golpes atingem só os adversários que estão mesmo na frente da quadrícula. Outros golpes mais avançados que vamos desbloqueando podem afectar mais áreas de quadrícula ou atingir outras mais longe. Também os parceiros podem surgir ou abandonar a batalha a qualquer momento. Também a evolução de habilidades e balanceamento das personagens e aliados foi revista tornando-se agora mais extensa com 12 especializações. Mesmo assim, mantém a simplicidade do jogo anterior, expandido a jogabilidade, mas nunca complicando demais. O que é uma boa referência para quem não gosta da habitual complexidade dos RPGs.

E ainda falta a flatulência. Sim, há um botão só para largar o ocasional gás, seja em combate, usando o seu “poder gasoso” para neutralizar ou afastar inimigos, mas também no dia-a-dia, com uma acção para desencadear reacções que podem ir do simples riso dos transeuntes à abertura de zonas vedadas. Os movimentos intestinais são, aliás, uma constante. Um dos primeiros actos no jogo é ajudar o “puto novo” a expelir… isso… Contudo, agora as habilidades das personagens incluem também o poder de manipulação de tempo. Podem simplesmente fazer o tempo andar para traz e atacar o inimigo duas vezes, fazer batota por parar o tempo e bater nos incautos fora da vossa vez e até poderão ir ao passado buscar uma segunda versão de vocês como aliado.

Outra diferença de assinalar comparando com o primeiro jogo, é que há mais coisas para fazer neste título. Entre as missões principais, irão encontrar muitas mais missões secundárias. E muitas destas missões não são apenas tarefas básicas de busca. Há também missões desse calibre, mas também terão algumas com enredo próprio de exploração, de angariação ou de combate. E mesmo essas mais simples são autênticas histórias paralelas do enredo principal, cada uma com um desfecho único. Também a interacção entre os protagonistas é mais constante, seja com o telefone a tocar constantemente, seja com a rede social fictícia “Coonstragram” onde, por exemplo, ganhamos reputação ao tirar selfies. Bastante actual, diria.

Infelizmente, apesar de TFBW ter todos os ingredientes para ser um bom sucessor do primeiro jogo com mais conteúdo e algumas mecânicas revistas para melhor, sofre de algumas questões que tenho de assinalar. Não há aqui qualquer questão a nível visual, notem. Tal como na série televisiva, todo o grafismo é 2D com animações simples e nada complexas. A questão é que, por vezes, na versão testada no PC, encontrei alguns erros de lógica, com personagens sem falas ou que não aparecem de todo no ecrã, já para não falar em alguns freezes estranhos. E nem quero mencionar a quantidade de problemas de conflito de controlos que tive por ter um joystick ligado no meu PC. O jogo é recente e terá algumas correcções pelo meio, estou certo. Por agora, fico com a sensação que a versão PC não teve muita atenção.

Antes do veredicto, porém, há algo francamente negativo que tenho de assinalar. A edição Gold deste jogo custa uns impressionantes 89,90€. Esta inclui o jogo e o passe de época, mas podem comprar ambos em separado que o preço ficará, ironicamente 0,01€ mais barato. São 90€ por um jogo que não tem a categoria visual nem a complexidade de outros AAA. E o custo do passe de época, só para que recebam mais umas expansões de conteúdo, não parece justificar o investimento. Só compra quem quer, obviamente. No entanto, mesmo reconhecendo o valor e a popularidade da série South Park e entendendo que o jogo tenha saído caro à Ubisoft, pedir este valor, sobretudo aos fãs incondicionais, parece-me algo exagerado.

 

 

 

Veredicto

Irreverente, nada correcto, cheio de humor negto e com uma falta crónica de seriedade, eis South Park: The Fractured But Whole. Os fãs da série de televisão têm aqui uma segunda aventura repleta do que mais gostam, com diversas melhorias a considerar desde o primeiro jogo. Melhor, pela sua fidelidade visual, é um autêntico episódio interactivo. Como RPG não é demasiado complexo, possui um esquema de combate simples, tem alguma exploração e um enredo bem no espírito de South Park. O que pode afastar a maioria serão os seus temas menos próprios, alguns bugs e até o seu preço algo elevado. No entanto, os fãs desta série tão peculiar não quererão perder esta oportunidade de se juntar aos seus improváveis heróis.

  • ProdutoraUbisoft Massive / South Park Studios
  • EditoraUbisoft
  • Lançamento17 de Outubro 2017
  • PlataformasPC, PS4, Xbox One
  • GéneroRole Playing Game
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Sem pontuação

Ainda não tem uma classificação por estamos a rever o nosso esquema de pontuações em análises mais antigas.

Mais sobre a nossa pontuação
Não Gostámos
  • Alguns bugs chatos
  • Erros na detecção de controladores (PC)
  • Custo da Edição Gold

Esta análise foi realizada com uma cópia de análise cedida pelo estúdio de produção e/ou representante nacional de relações públicas.

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