Mais infoProdutora: Ys Net / D3TEditora: SEGALançamento: 21/08/2018Plataformas: , , Género: ,

Agora que o terceiro capítulo está quase a chegar (se não for adiado outra vez), a SEGA aproveitou o embalo e reeditou os dois primeiros jogos da série. Shenmue I & II estão de volta nesta remasterização direccionada a recuperar a nostalgia.

Porque há clássicos incontornáveis da história dos videojogos, as editoras estão sempre ansiosas por trazer de volta esses grandes títulos. Os reboots costumam apenas recuperar o ADN com toda uma nova história ou design, já os remakes reinventam o seu aspecto, por vezes de forma bastante profunda. Já não é a primeira vez que analisamos aqui alguma destas reedições e já tivemos oportunidade de revisitar grandes clássicos recuperados com enorme dedicação. Mas, depois, temos as remasterizações que os adaptam ao hardware moderno. Convenhamos que nem sempre as remasterizações de alguns clássicos foram felizes. Há jogos que pertencem ao nosso imaginário, que nos fizeram as delícias em vários campos mas que, ao recuperá-los para a realidade actual, não envelheceram muito bem.

Antes de analisarmos este regresso, temos de avaliar o impacto que tiveram os jogos originais da série Shenmue. O primeiro título foi lançado em 2000 na Europa (no Japão chegou um ano antes) para a velhinha SEGA Dreamcast. O título de acção e aventura da mente de Yu Suzuki, foi considerado um colosso de produção, orçamentado em mais de 47 milhões de Dólares, o que, para altura, tornou-o no jogo mais caro até então. Conquistou uma audiência fiel com uma crítica bastante positiva, dando boas perspectivas para a sequela Shenmue II, lançada em 2001 (no Japão e Europa apenas) e com um port para a primeira Xbox em 2002. Só que mesmo as melhores histórias precisam vender.

A própria consola Dreamcast não foi propriamente um sucesso comercial e o futuro dos dois jogos estava condicionado à sua audiência limitada. Apesar da tal excelente crítica, nenhum dos jogos chegou a recuperar o investimento avultado feito na série. O financiamento do projecto foi abismal para a altura, ficando muito abaixo das expectativas ao nível de receita. O insucesso foi tal que o segundo jogo nunca foi originalmente editado nos EUA, por exemplo. Uma injustiça, segundo aos fãs que o estimaram durante anos.

E esse fracasso comercial, também arruinou a carreira de Suzuki que, apesar de ter continuado mais uns anos na SEGA, nunca mais viu um jogo seu lançado pela editora. Shenmue III ficou na prateleira e Suzuki acabou por abandonar a editora nipónica ao fim de outros projectos cancelados. Em 2010 haveria de se dedicar à sua produtora Ys Net e nesse processo acabaria por renovar o interesse da comunidade de concretizar Shenmue III via crowdfunding.

Por tudo isto, foi com alguma surpresa que soubemos que os dois jogos seriam reeditados numa pretensa remasterização “HD”. Tendo sido insucessos comerciais, restava a explicação que a SEGA apenas não queria perder os direitos comerciais sobre os dois títulos, ou então, num mundo ideal, este era apenas um serviço aos fãs, um acto de nostalgia. Seja como for, a reedição surgiu agora e era uma excelente oportunidade de revisitar um clássico que, se calhar, nem todos tiveram oportunidade de jogar. A chegada desta reedição para PS4, XB1 e PC parece ser uma oportunidade soberana de finalmente comprovar a sua qualidade. E aqui dividem-se as águas, ou melhor, as audiências.

Há dois tipos de pessoas que vão jogar Shenmue I e II nesta reedição. De um lado estão os nostálgicos, que possuem estes títulos no seu imaginário, tendo jogado na versão original. Certamente deslumbrados com o que tinham na altura, só querem revisitar o clássico. Do outro lado, estão os que sempre ouviram falar destes clássicos mas só agora os podem jogar (a não ser que tenham comprado uma Dreamcast só para o efeito). Eu confesso que me encaixo neste último grupo. Com muita pena minha, Shenmue passou-me ao lado no seu lançamento original. Mesmo com o port de Shenmue II na primeira Xbox, não chegou ao meu radar. E, aposto, é o caso de muitos de vocês.

A saga de Ryo Hazuki leva-nos a acompanhá-lo numa espécie de “novela” constante, onde não faltam diálogos estranhos e música ainda mais estranha, ora não fosse um jogo Japonês. No primeiro Shenmue vamos para 1986 em Yokosuka no Japão. Ryo é confrontado com um ataque de um tal de Lan Di que exige do seu pai Iwao um de dois artefactos antigos. Na sequência de um despique verbal, Iwao acaba assassinado e Ryo decide partir para a vingança do seu pai. Eventualmente, consegue encontrar o segundo artefacto durante a caça incessante a Lan Di. Apesar dos seus melhores esforços, Di acaba por se escapar para Hong Kong.

E é aqui que o segundo jogo começa. Em Shenmue II vamos para essa ex-colónia Britânica na continuação da nossa vingança. Com a ajuda de diversos locais, vamos procurar Yuanda Zhu que parece saber mais sobre Lan Di. Após uma série de desenvolvimentos algo rocambolescos, Ryo descobre que os artefactos do jogo anterior possuem propriedades especiais. E, como o destino tem destas coisas, a busca por explicações leva-o também a conhecer Shenhua Ling, uma personagem com habilidades mágicas e, ao que parece, o seu interesse romântico. Doravante, os destinos de Ryo e Shenhua estão cruzados. Bom… pelo menos até chegar Shenmue III.

Já estamos habituados a histórias e diálogos estranhos vindos da Terra do Sol Nascente. Até vos posso dizer que não há aqui nada de realmente invulgar nesse espectro, numa trama bastante linear de vingança com uns poucos elementos de drama exagerado, outros tnatos diálogos disconexos mas todo um interesse em dar-nos que fazer. A única questão na construção do enredo são os capítulos inacabados e encadeados nos dois jogos. E sem Shenmue III nunca mais vamos terminar a tramas, o que já vos explica o porquê do hype desse terceiro jogo. Os fãs querem encerrar esta história de Ryo e Shenhua. E ninguém gosta de deixar as coisas a meio.

Jogos finalmente instalados (não vai demorar muito tempo, porque em 2000 não haviam jogos a ocupar gigabytes de espaço em disco), é a altura de pegar no comando e comprovar o porquê desta onda de culto em volta de Shenmue. Estava preparado, obviamente, para uma remasterização. Sabia que iria ter de conviver com um grafismo datado adaptado ao hardware actual, possivelmente com umas melhorias aqui e ali, mas mantendo o tal ADN clássico que os mais puristas defendem afincadamente. Supostamente, esta experiência deveria ser tão boa ou melhor que tirar uma Dreamcast da prateleira e ressuscitá-la para jogar estes dois títulos. Mas… se calhar… mais valia ter feito isso mesmo.

Este é o tal risco de uma remasterização: que o jogo não envelheça bem e percamos mais tempo a lamentar as opções da SEGA e D3T (que realizou os ports para PS4, XB1 e PC), do que a apreciar a experiência. Em 2000, Shenmue pode ter sido uma interessante experiência visual, mas em 2018 não é. Por mais polido que o jogo esteja nesta versão, houve aqui uma oportunidade perdida para melhorar alguns pormenores. Se os menus arcaicos não vos assustarem, as cenas intermédias na proporção 4:3 (em jogo podem optar por jogar em 4:3 ou 16:9) gritam antiguidade, os cenários estão desprovidos de detalhes, os modelos e texturas possuem baixa resolução e os sons e diálogos com voz nem sequer foi devidamente remasterizados, com qualidade de “rádio dos anos 80”.

Para alguns, é mesmo assim que os clássicos devem ser reeditados, em bruto. Contudo, porque não aproveitar uma reedição para rever alguns aspectos técnicos e dar mais polimento e brilho ao jogo? É que nem sequer a interacção foi revista. Nada contra a manter controlos familiares, mas o mundo dos videojogos evoluiu tanto, que os movimentos pouco fluidos de Ryo com o analógico esquerdo, aliados a uma irritante perspectiva câmara fixa com o analógico direito, simplesmente já não funcionam. A Dreamcast só tinha um controlo analógico, ok, mas já não estamos na Dreamcast. Controlar Ryo num ambiente tridimensional é um acto de tortura, culminando com o muitos encontros com paredes ou a passar além de personagens com quem devíamos falar.

Estou disposto a desculpar os “eternos” Quick Time Events que nesta altura já davam um “ar da sua graça”. Também não tive em conta a falta de ritmo que o jogo apresenta nas primeiras horas. Entrei neste jogo com a certeza que iria jogar um clássico, mas há limites. É muito difícil para mim ultrapassar os problemas de fluidez no controlo, a má qualidade sonora e quase 20 anos de evolução nesta indústria. Acredito que os puristas iriam criticar a SEGA se mudasse totalmente os jogos. Acredito também que o intuito não é bem reinventar dois clássicos. Contudo, a experiência não é memorável e, como disse acima, abstrai-nos da boa experiência que o jogos originais foram há mais de uma década.

Mal comparado, mas tenho de o fazer, olhando para a série Yakuza, também da SEGA, esse será um exemplo muito mais positivo de como se recuperam séries. Tudo bem, Yakuza Kiwami é um remake puro, recriando o jogo com um novo motor gráfico e adaptando o interface e controlos aos títulos mais recentes. Não posso dizer que o orçamento tivesse sido idêntico entre as duas séries (até porque nem tenho conhecimento) mas nota-se que o cuidado e o intuito entre estas duas reedições foi bastante diferente. Yakuza Kiwami modernizou-se e adaptou-se às realidades actuais, justificando o seu regresso, mesmo mantendo o seu ADN quase intacto. Shenmue HD Collection, nem por isso.

Veredicto

Como uma recuperação de um clássico Shenmue I & II HD Collection é uma autêntica viagem ao passado, para o bem e para o mal. Os fãs dos jogos originais vão adorar o ideia de jogar estes títulos nas actuais consolas e PC. Contudo, essa recriação perfeitamente directa, sem aproveitar as evoluções no género e o hardware actual, pesa e muito na apreciação de um jogador moderno. O jogo não envelhece bem e tudo parece uma oportunidade perdida para a SEGA mostrar mais carinho por uma série de culto. É um bom exemplo do tal risco que as remasterizações incorrem. Se mais nada fizer, Shenmue HD Collection será um atestado de que a qualidade deste tipos de jogos evoluiu muito. Resta-nos esperar que Shenmue III consiga terminar a saga em beleza.

Esta análise foi realizada com uma cópia de análise cedida pelo estúdio de produção e/ou representante nacional de relações públicas.