O título que vos trago hoje é o primeiro trabalho da produtora Phantom 8. Trata-se de um jogo bastante ambicioso, com ideias muito interessantes. Em Past Cure, a produtora mostra-nos que existe uma linha muito ténue entre a loucura e a realidade.
Costuma-se dizer que “quando maior é o salto, maior é a queda”. Isto, porque, por vezes, damos passos demasiado largos para um objectivo que, se calhar, nem conseguimos alcançar. Contudo, quando empreitadas gigantes são bem sucedidas contra todas as expectativas, podemos estar perante um projecto memorável. O pequeno estúdio independente composto por 12 membros quis dar um desses passos gigantes. Tomou como inspiração jogos de elevado calibre, como Max Payne, Deus Ex ou Beyond: Two Souls e adicionou algumas das suas ideias. O resultado é o que temos aqui para analisar. Vejamos se a ambição é compensada com um produto final à altura.
A história deste título é contada de forma não-linear, naquilo que a produtora chama de “experiência cinematográfica”. O protagonista Ian sofre com imensos pesadelos e alucinações. A pouco e pouco, este distúrbio está a afastá-lo cada vez mais da realidade. Eventualmente, essa realidade confunde-se com os sonhos e esta parece ser a razão porque Ian tem poderes sobrenaturais, como a possibilidade de abrandar o tempo e usar uma projecção astral para as mais diversas operações.
A certa altura percebemos que Ian foi outrora um soldado de elite, que foi sujeito a experiências duvidosas e em circunstâncias misteriosas. Isto resultou numa perda de memória de três anos, mas concedeu-lhe as tais habilidades que mencionei anteriormente. Contudo, o protagonista não ficou fã dessas experiências que foi vítima e decide descobrir quem foi o responsável. A história não está mal concebida e a forma como é contada é bastante interessante. Contudo, recorre a um formato tão dramático e melancólico que acabei por perder qualquer ligação que pudesse ter com a personagem (leia-se: “aborreci-me”).
Mesmo que a acção com armas de fogo seja simplista, há ideias bem implementadas na jogabilidade. Por exemplo, é bastante interessante usar o poder para abrandar o tempo e investigar áreas na primeira pessoa com a ajuda da tal projecção astral. Estes poderes são alimentados pela sanidade de Ian. Se a usarem por completo porém, não se preocupem, o ecrã fica um pouco desfocado mas a barra longo preenche automaticamente até um determinado limite. E podem sempre tomar um comprimido que ajuda a restabelecer a sanidade na totalidade e de forma mais rápida.
Estes poderes que menciono, caso não tenham já percebido, são uma clara inspiração em títulos bastante conhecidos. A “câmara lenta” que Ian pode recorrer, é uma mecânica bem conhecida da série Max Payne, por exemplo. E a tal projecção astral é uma mecânica muito semelhante às que tivemos na série Dishonored e no infame Beyond: Two Souls. Não há nada de errado no uso destas mecânicas se forem bem usadas. Não me afecta minimamente essa sensação de plágio. Afinal, esses jogos também se inspiraram noutros, até mesmo em Hollywood. É só preciso que a sua implementação seja positiva e que o resto do jogo acompanhe. O que nem sempre acontece.
O jogo contém cenas de acção directa e indirecta, podendo dar uso à câmara lenta para avançar mais rapidamente sem sermos detectados ou para eliminar os nossos inimigos num piscar de olhos. O principal problema nesta acção está no controlo em si. É lento, a mira é imprecisa e existem imensos problemas de colisão. Aconteceu-me, por exemplo, atingir um inimigo na cabeça diversas vezes até que finalmente o jogo decidiu que era um tiro na cabeça. Todo o ritmo do jogo é lento, estejam a caminhar, no meio de um tiroteio ou nos estranhos sonhos de Ian.
Há jogos assim, com passada mais lenta. Mas, este afirma-se como um título de acção com tiroteios. Ou seja, onde devia brilhar, por ser o seu género definido, não chega a impressionar em nenhuma fase. Há momentos interessantes de tiroteios mais intensos, com físicas interessantes e bem simuladas. Mas nada disto é realmente memorável ou digno de destaque. Ironicamente, aqui não me importava nada que tentasse plagiar mais Max Payne, porque se o fizesse, talvez a jogabilidade fosse mais apelativa.
Temos ainda a questão da produtora ter tentado adicionar alguns elementos de terror. Escusado será dizer que a fórmula não resultou lá muito bem. A forma como tentaram fazê-lo foi dando uso às alucinações de Ian, apresentando personagens de forma súbita, tentando um “jump scare” barato. Mas, nunca me senti verdadeiramente assustado com o que via. À falta de melhor definição, os inimigos são autênticos manequins, terrivelmente animados e que andam calmamente em nossa direcção. Terá um elemento tão assustador como uma tartaruga a alta velocidade…
Infelizmente, estes níveis dementes têm uma presença constante no início do jogo, onde ainda estamos a tentar perceber o resto da história. Inicialmente, servem como um tutorial para conhecermos todas as mecânicas do jogo mas depois são francamente repetitivos, de tal forma que se tornam monótonos. Distraem demasiado da acção directa e não fazem favor nenhum ao resto do jogo.
Em termos de grafismo, Past Cure também não vai receber nenhum prémio de qualidade. Para um jogo que diz apostar numa “experiência cinematográfica”, seria de esperar um maior empenho na modelação, sobretudo das personagens. Este é mais um título criado com o motor gráfico Unreal Engine, pelo que não há desculpas quanto a recursos técnicos. Apesar de ter alguns poucos modelos bem construídos, há algumas personagens que parecem extraídas de uma biblioteca genérica de recursos (templates). E as expressões faciais dessas personagens, assim como os seus movimentos, deixam um pouco a desejar. Todas as suas acções parecem demasiado sintéticas e com animações pouco trabalhadas.
Em termos de áudio, menos mal. A banda sonora cumpre o seu papel, mas a sua ausência é geralmente causa mais impacto, gerando alguma antecipação. Mas, não há bela sem senão. O trabalho de vozes é outro destaque negativo do jogo. Não sei dizer se a falta de profundidade nas prestações serve para dar alguma sensação dramática ou se os actores simplesmente não estavam inspirados. Muitas das falas estão desprovidas de emoção, parecem gravadas de forma pausada e lenta, diria como uma história para adormecer. E isto acontece principalmente com o protagonista, o que dificulta ainda mais qualquer empatia que ainda quisesse criar com ele.
Veredicto
É de louvar o trabalho desta produtora recém-chegada, mas Past Cure é, provavelmente, o jogo mais inconstante que joguei nos últimos tempos. Possui uma boa narrativa, tem umas poucas ideias interessantes e até estava disposto a perdoar alguns plágios. Mas, quando falha redondamente nas suas mecânicas básicas, quando se assume tão “cinematográfico” mas não impressiona nada no seu visual e quando até os actores parecem ter feito greve, fica muito pouco para apreciar. Podem chegar ao fim do enredo em pouco mais de 6 horas. Mas, provavelmente, vão sentir que foram muitas mais horas.