Os amantes dos JRPG com certeza cruzaram-se com o primeiro Ni no Kuni. Aclamado pela crítica, ficámos a aguardar uns cinco anos pela sequela Ni no Kuni 2: Revenant Kingdom. E ela aqui está a levar-nos novamente para uma aventura fantástica.
A história de Ni No Kuni já tem quase oito anos. Começou com Ni no Kuni: Dominion of the Dark Djinn, o primeiríssimo jogo da série lançado para a Nintendo DS em 2010. Em Novembro de 2011, uma nova versão deste jogo renascida para a PlayStation 3 foi lançada com o nome Ni no Kuni: Wrath of the White Witch. Contudo, na Europa só recebemos esta mesma versão em Fevereiro de 2013. Logo nesses primeiros jogos, ficou claro que o poder criativo da lendária produtora de animação Japonesa Studio Ghibli, responsável pelas diversas cenas intermédias, em conjunto com a produção da Level-5, tinha criado uma fantástica aventura com uma arte irrepreensível inspirada nos seus filmes Anime. O resultado foi um título de culto, muito aclamado e obrigatório no seu género. A sequela só tinha de honrar esse legado.
Avançamos até 2018 e, só pela mão da Level-5, o jogo estreia a nível mundial nestes dias, desta vez sem desfasamentos assinaláveis. Infelizmente, os estúdios Ghibli há não participaram activamente na produção das cenas intermédias. Contudo, o seu ADN indelével continua presente na sua melhor forma. Os inúmeros filmes de animação que este estúdio nos trouxe são atestados de qualidade do melhor que se faz em Anime nestes dias. A produtora Level-5 jamais podia almejar fazer algo semelhante, mas contou com o trabalho do designer de personagens Yoshiyuki Momose (ex-membro dos estúdios) e com a banda-sonora do mesmo compositor Joe Hisaishi. A base estava lançada para que este jogo fosse tão bom ou ainda melhor que o seu antecessor.
Aqui temos o que se pode considerar um “casamento perfeito” entre um jogo, num género muito popular de RPG tipicamente Japonês e a arte dos filmes Anime. Não é nada que não se tivesse feito inúmeras vezes, para mim com a série Persona a encabeçar uma curta lista de sucessos incontornáveis. Mas, também há casos de insucessos e não podemos esquecer que o mercado ocidental para este jogos é muito mais reduzido. Ni No Kuni 2 não é um jogo para todos os gostos, como devem calcular. E é muito possível que estejam a ouvir falar dele pela primeira vez. Mas, se é esse o vosso caso, sentem-se um pouco e escutem o que tem para oferecer, porque talvez o queiram jogar logo de seguida.
Passadas centenas de anos depois dos eventos do primeiro jogo, o jovem príncipe Evan Pettiwhisker Tildrum quase é raptado, imediatamente antes da cerimónia para o coroar como rei das pessoas Gato. Por detrás deste golpe está uma facção rebelde de pessoas Rato que toma controlo do reino pela força. O jogo acaba por ser sobre a viagem de Evan para recuperar o seu reino, com a ajuda de Roland, um visitante de um outro mundo e Tani uma jovem pirata. Se este enredo soar estranho, não será de admirar. Esta é a essência da história que se segue, numa constante que gira em torno do surreal, bem ao jeito dos típicos jogos de Role Play Japoneses.
Contudo, não pensem que este é um mero jogo do “gato e do rato”. A história de Ni no Kuni 2 está longe de ser infantil ou descartável. Isto porque, na sua epopeia de recuperar a sua soberania, Evan acaba por fundar um reino alternativo e depois parte para uma jornada de contornos políticos para angariar suporte para a sua causa. E esta causa é muito mais interessantes do que se pensa. Evan não parte para semear a guerra, mas para promover a Paz mundial, mesmo que, por vezes, tenha de usar a força. Há aqui uma mensagem latente que me dava horas a escrever. Mas, vou-me conter. Como qualquer filme dos estúdios Ghibli, é preciso terminar o jogo para fazer conclusões justas. Sugiro que o façam.
Na maior parte do tempo, vão construir e gerir todo o reino. Isto envolve erguer estruturas, desenvolver novas artes de magia ou armamento e até dar emprego aos cidadãos. Não pensem que tudo isto é impessoal, como um jogo qualquer de construção e gestão de cidades (neste caso, reinos). Tudo o que fizerem contribui para a vossa própria evolução e para o avançar do propósito de Evan, seja expandindo o reino, seja por melhorar as nossas estatísticas ou armamento. Tudo isto é paralelo à acção do jogo, mas acaba por complementá-lo. Até que o combate está sempre presente e, aí, o jogo modifica-se.
Quando numa exploração o conflito é inevitável, surge a lógica tradicional do que é um JRPG, bem ao encontro do que se faz actualmente ao nível do combate neste género. Contem com um sistema em tempo real, um pouco na onda dos “hack and slash”, com gestão da equipa e dos ajudantes da mesma. Também é um cliché familiar que o foco esteja maioritariamente neste combate directo, com imensas batalhas, por vezes contra bosses de grandes dimensões para vos encher o tempo de jogo durante a exploração. Em troca, nestes encontros ganham pontos de experiência, novos itens e dinheiro virtual para gastar em upgrades, melhorias e itens essenciais.
De um modo geral, porém, a transição entre a componente de gestão e as sequências de combate, parece francamente naturais. E tudo fará sentido na perspectiva ampla da missão de Evan. Isto faz com que o jogo seja agradável de jogar, maioritariamente intuitivo (terão algumas secções menos óbvias que causam alguma confusão) e, acima de tudo, muito divertido. Este jogo é exímio a evitar cair no erro de se tornar repetitivo com demasiadas batalhas atrás de batalhas ou, então, demasiado aborrecido com demasiado foco na gestão do reino. Tudo é doseado de forma casual e divertida.
Mesmo aquelas missões mais chatas, como as que temos para ir buscar itens essenciais, por exemplo, acabam por ser variadas e até podem ser bastante sucintas se usarmos o competente sistema de fast-travel para ir imediatamente aos locais necessários. De facto, como já dei a entender, tudo o que fazemos tem sentido e contribui para uma história maior. O que é bastante diferente de muitos JRPGs que tenho jogado que se focam demasiado numa ou noutra mecânica, esquecendo o factor de entretenimento.
Em termos de grafismo, penso que já deixei bem claro que este jogo é um deslumbre visual, quase como um filme Anime interactivo. Toda a arte do jogo é baseada neste género de animação, o que faz com que locais, personagens, objectos e mesmo os efeitos visuais sejam visualmente agradáveis. Obviamente que isto é proporcional ao vosso gosto pessoal por esta arte tão peculiar. Para mim, é uma aventura visual fantástica com diversos elementos curiosos e verdadeiramente criativos. Esperem até entrarem no reino de Hidropolis, brilhantemente desenhado como uma espécie de Veneza mais arcaica, dominada por um olho gigante e irão perceber o que digo.
Tecnicamente, tenho muito pouco para assinalar. Faço a inevitável comparação com os primeiros jogos e é óbvio que este é bem mais ambicioso visualmente, dentro das limitações criadas pela animação. Isto cria algumas situações de texturas e efeitos visuais nos cenários de fundo um pouco mais realistas do que os fãs estarão à espera. Se o primeiro jogo tinha modelos e cenários puramente de animação, este tem momentos que fogem um pouco a essa lógica, criando uma clara separação entre o que é plano de frente, com personagens Anime e o que é plano de fundo com cenários um pouco mais realistas. No entanto, considero este um “mal menor”, que só vai afectar quem for mais conservador.
Veredicto
Dentro do seu género, Ni no Kuni II: Revenant Kingdom é um dos melhores JRPGs que joguei nos últimos tempos. É visualmente deslumbrante, com uma arte como só a produta Studio Ghibli nos poderia trazer num dos seus aclamados filmes Anime. Contudo, agora a solo, a Team-5 está de parabéns por honrar e expandir este legado dos primeiros jogos. Não se limita a preencher uma checklist de tópicos deste género tão peculiar, conseguindo ser divertido e evitar o aborrecimento ou a repetição. Se são amantes deste tipo de jogos vindos da Terra do Sol Nascente e se gostam de filmes de animação Japoneses, não devem perder esta aventura. Mesmo que tenham passado ao lado dos primeiros jogos.