Análise – Hogwarts Legacy
Desde que J. K. Rowling inventou a série Harry Potter, todo um universo foi criado, universo esse que se expandiu dos livros para os filmes e outros formatos. Por isso, Hogwarts Legacy tem muito para honrar.
Dada a facilidade de leitura dos livros juvenis, há uma inteira geração que cresceu com estes contos de fantasia. O sucesso nos livros e no cinema, tanto da série Harry Potter, como de Fantastic Beasts (claramente menos popular), inevitavelmente gerou uma incursão por outros meios de entretenimento, onde se incluem os videojogos. Aqui, porém, o sucesso não foi tão amplamente alcançado no passado. Por isso, além de ser obrigado a honrar este pesado legado, Hogwarts Legacy ainda tem de, finalmente, dar aos fãs o que pedem há tantos anos. O jogo que os coloque realmente “lá”.
Fãs desta franquia, que é que seria a vossa maior fantasia tornada realidade se vivessem neste universo de magia? Certamente seria receber a célebre carta de admissão na escola de magia de Hogwarts. Foi assim que começou a aventura de Harry Potter e que levou milhões de fãs a mergulharem nas histórias. E é mesmo assim que este jogo pretende introduzir a nossa experiência. Como um promissor “mago”, recebemos a célebre carta da coruja. Contudo, não somos propriamente pequenos estudantes inexperientes em busca de uma aventura.
A personagem que nomeamos e personalizamos, é admitida na escola como um aluno… do quinto ano! É a forma como o jogo nos permite rapidamente saltar para a acção, por aprender alguns truques sem termos de forçosamente começar pelo básico. Já temos uma varinha (emprestada), por exemplo. E até já sabemos algumas magias mais simples. A ideia é que a nossa personagem possui habilidades únicas e é por isso que foi extraordinariamente admitida com mais idade, ingressando directamente para uma turma no seu quinto ano de Hogwarts.
No início da trama, ficamos a saber que o Professor Fig foi enviado para dar-nos umas lições aplicadas para nos preparar para este desafio. Terminada essa iniciação, está na hora de ir para a escola. Estamos aptos para o que aí vem mas, talvez não para o que acontece a meio da viagem. A carruagem alada é atacada por um enorme dragão, fazendo a personagem e o professor cair perto de umas ruínas. Neste prólogo, ficamos logo a perceber porque é que o nosso aprendiz de feiticeiro é bem mais que um mero novo aluno.
Temos uma afinidade para interagir com a chamada Magia Antiga, o que nos leva logo ali a uma série de aventuras que desenvolvem um mistério ainda maior, que nem o próprio Professor Fig parece saber muito bem como lidar. Eventualmente, lá conseguimos chegar a Hogwarts, escapando também dos efeitos de uma rebelião emergente dos Goblins. Toda esta introdução é excelente para nos explicar o básico de combate e interacção geral com as magias mais elementares. Mas, não, “Harry… ainda não és um feiticeiro”.
A nossa chegada a Hogwarts é surpreendente… para toda a gente. Não só os alunos não esperavam um novo colega admitido para o quinto ano, como há um choque positivo com este universo. Aqui estamos nós, realmente a percorrer os corredores e salões deste vasto castelo, a caminho da nossa primeira tarefa, a nomeação para uma das casas de magia. O chapéu de Sorting faz umas perguntas e, consoante as nossas breves respostas, uma casa é atribuída. Ou melhor, é sugerida. Não se preocupem, se não gostarem, podem mesmo escolher outra.
Para efeitos de análise, tive a oportunidade de escolher cada uma e testar as suas reais diferenças nos primeiros instantes de jogo. Para dizer a verdade, essas diferenças parecem puramente cosméticas. As cenas intermédias, as áreas especiais e, claro, as personagens com que interagimos são diferentes mas acabamos por convergir quase sempre nos mesmos pontos. Esta é uma dinâmica interessante que nos deixa fazer escolhas mas não ficamos confinados a absolutos, como os alunos de Gryffindor representados como “bons” ou os de Slytherin como “maus”.
Agora integrado numa casa, vamos interagir com os alunos e conhecer as suas personalidades e características. É como chegar a uma nova escola e realmente conhecer os colegas. Não é relevante que o façam, mas contribui para a imersão. Também iremos assistir às célebres classes de diferentes disciplinas. Cada uma serve para aprender um novo truque de magia, como o lendário Levioso para elevar objectos e pessoas. Este e outros feitiços, passivos ou activos, são excelentes para combate mas também para os vários puzzles e mini-jogos que o jogo apresenta.
Por exemplo, nos vários níveis há fechaduras e portas bloqueadas que só usando o feitiço Alohomora é que as poderemos abrir. Revelio é excelente para revelar coisas escondidas com recurso a magia, como um caminho secreto, por exemplo. Repairo é óptimo para reconstruir algo partido ou danificado, como uma ponte destruída que temos de usar para chegar a outra margem. Não se preocupem com a quantidade de feitiços para aprender de uma assentada. Tudo é introduzido numa passada coerente e os atalhos para os usar são (relativamente) intuitivos.
Há também outros feitiços que são, de certa forma, secundários, usados como efeito paralelo, como Stupefy para atordoar os adversários que é activado mantendo a tecla premida do feitiço Protego, que gera um campo de forças de protecção. Temos, ao todo, 31 feitiços, dos quais cerca de metade poderemos equipar para usar prontamente com os tais atalhos. Estão divididos entre feitiços básicos, de controlo, de danos, de ambiente, de força, de transfiguração e os infames feitiços “imperdoáveis”.
Não esperem conjurar todos os feitiços registados do universo de Harry Potter. Estamos longe dos cerca de 80 inventados por J. K. Rowling, é verdade. Contudo, pergunto-me se todos seriam realmente úteis para usar em jogo. Bat-bogey Hex para transformar “macacos do nariz” em morcegos (a sério!), seria pouco útil, especialmente em combate. A preocupação criada pelos fãs com o número reduzido de feitiços antes do lançamento parece exagerada. Todos os feitiços presentes em jogo são coerentes e são usados de forma inteligente para a jogabilidade.
Com este “arsenal”, o combate é divertido nas suas diversas formas. Há uma certa dose de estratégia ao escolher os feitiços mais correctos para o tipo de ameaça em mãos. E há feitiços que jogam muito bem uns com os outros, convidando a “combos” elaborados e recompensadores. Por exemplo, elevar um inimigo com Levioso e depois lançá-lo para longe com Depulso dá imenso jeito quando estamos rodeados. Apenas acho que o “spam” ganha sempre. Seria interessante uma lógica de “cooldown” geral (há cooldowns para feitiços mais elaborados) ou uma barra de magia comum que teria de ser gerida.
Contudo, nos combates com bosses, percebo que essa lógica mais metódica das magias seria contraproducente. Só mesmo esse tal “spam” nos salvará contra alguns bosses que, simplesmente, possuem demasiada energia e são pouco afectados pelos nossos feitiços. É um autêntico “grind” que remove algum brilho à jogabilidade, ficando ali uns bons 10 minutos a desferir dano e a desviar até eliminar o gigante troll, numa dança algo aborrecida e lenta. Felizmente, há sempre Avada Kedavra que termina tudo em segundos, mesmo que seja uma “imperdoável”.
Sim, esta é a tal “moral” que é só imposta no próprio jogador. Podemos lançar feitiços “negros” que neste lore sempre foram considerados proibidos ou, como é dito nos livros, “imperdoáveis”. Avada Kedavra é um feitiço de puro assassinato, Crucio causa faseadamente danos e confusão nos inimigos e Imperio muda a atitude de inimigos para se tornarem aliados por tempo limitado. Neste jogo, usá-los não causa problemas ao aluno. Não serão expulsos da escola por matar adversários ou conjurar este lado negro da magia. O que é pena, quanto a mim.
Sim, falta em jogo um sistema de moral. Nas histórias de Potter, estes três feitiços eram simplesmente proibidos e podiam motivar a expulsão da escola. Aqui, são até quase necessários para não estagnar em alguns sectores mais exigentes. Ao que parece, a ausência de moral foi propositada e não uma “falta” no conceito. Entendo que a produção terá concluído o mesmo que eu com relação aos bosses em jogo e quisesse manter a diversão, deixando as escolhas morais para cada um. A decisão de os usar ou não é realmente vossa. Se forem uns puristas de Gryffindor, a alternativa é o “grind” e o “spam”. Eu sei o que prefiro.
Notem que estes e outros feitiços secundários não estão disponíveis “de caras” no jogo, é preciso passar por missões secundárias alternativas para os aprender. Esta é, já agora, a fórmula usada pelo jogo para ganharmos roupas, varinhas e feitiços alternativos, através das chamadas “side quests”. No início, estas missões paralelas são interessantes, como incentivo de obter mais do jogo. Contudo, lá para meio, tornam-se algo repetitivas e algumas são mesmo aborrecidas. Seguimos fulano para ali, cena intermédia ou combate acolá, reciclar. Parece-me mais itens adicionados para estender o tempo. Felizmente, são opcionais.
As coisas também não são perfeitas nas missões principais. Embora sejam bem mais variadas, assentes numa narrativa coesa, também não são particularmente céleres, estando pejadas de imenso diálogo que, por vezes, quebra muito o ritmo. Entendo que esta é uma aventura narrativa e as personagens são o foco principal da história. O casting de vozes é também excelente e muito dedicado aos seus papéis. Mas, talvez menos conversa e mais acção favorecesse mais a passada do jogo, especialmente com situações em que só temos duas opções de diálogo inconsequentes (porque não temos um sistema de moral).
Felizmente, lá temos momentos memoráveis para nos reanimar. Quero dar particular destaque às missões aéreas que envolvem o uso da mítica vassoura mágica para deambular pelo mundo fantástico em jogo. Se a vassoura não for suficiente, saibam que há várias Bestas Mágicas para caçar e domesticar para montar, como o mítico Hippogriff e outros seres míticos. De facto, não esperava que o voo fosse tão gratificante e entusiasmante, com óptimas dinâmicas e bastante convite para a exploração no vasto mapa. Acima de tudo, é mesmo muito divertido.
Outro elemento de claro destaque, são as vastas áreas do jogo. Além do enorme castelo de Hogwarts recriado com imenso rigor e cheio de pormenores e segredos, podemos visitar vários locais conhecidos do lore. A aldeia de Hogsmeade está pejada de curiosidades para descobrir. Também a área em redor do castelo está repleta de actividades, coleccionáveis e pontos de interesse que os fãs de Harry Potter vão adorar. Há um claro cuidado ao recriar este mundo tão bem estabelecido em vários formatos multimédia e até em parques temáticos.
Com tanto para fazer, com muita exploração e várias missões completas, a dada altura notarão que o inventário fica cheio. Este é um jogo com uma lógica de loot variado por raridade e um código de cores, algo que já vimos noutros lados. E também como já vimos, é muito frequente trocar de equipamento, por vezes tendo algo desajustado para o lore, já que podemos usar peças de roupa diferente dos uniformes formais e até cores que não correspondem à casa que escolhemos. Temos transmografia para mitigar isso mas, mesmo assim, considero esta mecânica algo excedente.
Uma outra mecânica que não é excedente mas que pode ser algo complicada, são as cartas de tarefas, missões e objectivos. Cada actividade em jogo contribui para a nossa evolução e para completar estas cartas. Basicamente, é só isto que precisam saber: façam mais para ter mais. Contudo, a quantidade de coisas disponíveis é um pouco exagerada. Se quiserem completar mesmo tudo, notarão que há centenas de itens para completar, o que pode ser genial para os coleccionistas mas é intimidador para um jogador que só quer explorar o que o jogo oferece.
Nas suas cerca de 20 horas de jogo, passadas “nas calmas” e com todo o interesse de desfrutar da experiência, devo assinalar que na versão analisada na PlayStation 5, não tive um único bug ou problema técnico que mereça particular destaque a nível de gravidade. Parece que os adiamentos no lançamento para o devido polimento, surtiram o desejado efeito. É inevitável que nos dias que correm, com tantos jogos lançados por acabar ou com problemas, este seja também um destaque a fazer.
Visualmente, Hogwarts Legacy é um título de evidente rigor técnico. Tudo tem um detalhe impressionante, começando nos imensos salões de Hogwarts e passando pelas várias áreas de jogo recriadas com imensa qualidade de texturas, animações e iluminação. A “vida” dada ao jogo é impressionante, até mesmo naquelas penas curiosidades, como as peças de arte animadas ou os fantasmas que circulam pelos corredores. A atenção dada aos detalhes é insana. E a banda-sonora que toca em plano de fundo é francamente irrepreensível, com vários temas conhecidos aqui e ali.
Um detalhe mínimo menos positivo que talvez salte um pouco mais à vista, é que algumas das animações faciais de personagens secundárias nem sempre funcionam bem. É algo raro mas o sincronismo dos lábios às vezes falha em algumas cenas. Também tenho de apontar um ligeiro problema com o HDR em jogo, em que os tons mais escuros ficam um pouco “deslavados”. Mas, é tudo. São observações que surgem desta minha mente incontornavelmente analítica e em nada estragam realmente toda a experiência a nível técnico.
Antes de terminar, sou obviamente obrigado a abordar a tristemente célebre polémica que gira em torno da autora J. K. Rowling e os seus comentários públicos. Preferindo não comentar essas observações da escritora, devo realçar que este é um jogo francamente inclusivo, contendo várias etnias e orientações representadas, opções de acessibilidade para jogadores com necessidades especiais e outros detalhes. E é só o que devia ser pretendido neste tipo de entretenimento. Este é um jogo que respeita o material original e que não reflecte rigorosamente alguma visão extremista.
Como sempre dizemos, estamos aqui para jogar os jogos e todos os comentários excedentes e visões pessoais não deveriam influenciar a nossa avaliação destes títulos. Para nós, Hogwarts Legacy foi concebido para todos os jogadores, sem exclusões, com uma equipa diversificada, claramente dedicada ao lore e não a pessoas. Se isso é suficiente para vos demover de alguma acção de protesto, é discutível. O critério, obviamente, é vosso.
Veredicto
Não sendo propriamente um “simulador de feiticeiro”, Hogwarts Legacy vai, com certeza, fazer as delícias dos fãs de Harry Potter. Tem uma história interessante, com personagens riquíssimas e desenvolvimentos curiosos, passando por uma importante fase do passado da famosa escola da magia. Viver neste castelo, aprender truques, evoluir como feiticeiro e ainda desvendar um enorme mistério, ao mesmo tempo que lutamos contra ameaças poderosas, é um sonho realizado para os fãs. Quem nos dera que todos os universos de fantasia fossem tão bem recriados desta forma.
- ProdutoraAvalanche Software
- EditoraWarner Bros.
- Lançamento10 de Fevereiro 2023
- PlataformasPC, PS5, Xbox Series X|S
- GéneroAventura, Role Playing Game
Ainda não tem uma classificação por estamos a rever o nosso esquema de pontuações em análises mais antigas.
Mais sobre a nossa pontuação- Visualmente fantástico e cheio de detalhes
- Toda a recriação de Hogwarts e Hogsmeade
- Combate e puzzles com recurso a magia
- Enredo interessante e empolgante
- Faria sentido um sistema de moral
- Bosses podem envolver algum "grind"
- Missões secundárias algo repetitivas
Esta análise foi realizada com uma cópia de análise cedida pelo estúdio de produção e/ou representante nacional de relações públicas.