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Análise – Gran Turismo Sport

Com argumentos muito fortes na concorrência, Kazunori Yamauchi e a equipa da Polyphony Digital têm de mostrar porque são uma referência nos jogos de simulação automóvel. Gran Turismo Sport ou GT Sport, como preferirem, já está na grelha de partida.

Recordo com saudade os primeiros minutos que acelerei em Gran Turismo 3 (A-Spec e B-Spec) na PlayStation 2. Foi, provavelmente o jogo de condução que mais me viciou ao longo dos anos. Haviam outros, antes e depois mas, só quando Gran Turismo 4 surgiu é que mudei de “ares”. Também me recordo com igual saudade do lançamento à meia-noite de Gran Turismo 5, então já na PlayStation 3. Ainda hoje guardo a minha edição de colecção como um artigo religioso. Contudo, a minha memória de Gran Turismo 6 não é a melhor. Lançado ainda na PS3 numa era em que a PlayStation 4 já cá andava, foi um título estranho, quase uma mera “repetição para ênfase”, sem que nada o valorizasse realmente. Finalmente GT Sport surge onde devia estar, na PS4 e é óbvio que as expectativas se elevam.

Convenhamos que jogos de condução não faltam por aí. Contudo, GT sempre teve uma postura diferente. Sempre foi a série dedicada à arte de condução e não tanto apenas para a velocidade ou competição. Sabia elevar a fasquia a cada hora de jogo, dando desafios graduais e convidando a saborear cada quilómetro sobre o asfalto. Não há muitos jogos neste género que possuam uma “escola de condução”, por exemplo. Gran Turismo quer que apreciemos a arte subtil de abordar curvas, de uma ultrapassagem eficaz ou de uma travagem no tempo certo. Se os outros jogos nos enviam quase imediatamente para a adrenalina e rudeza da competição, Gran Turismo pretende que relaxemos e que primeiro apreciemos o automóvel como uma obra de arte. Os outros sujam-nos de óleo, GT serve-nos uma taça de champanhe.

Isso fica bem claro logo nos primeiros instantes que chegam a GT Sport. O vídeo de introdução (acima) é uma ode à história do automóvel, não só de competição. Se dúvidas há desta abordagem, passem em algumas das várias zonas de museu das diversas marcas, com pedaços de história, conceitos e até momentos chave de cada um dos seus veículos mais marcantes. Depois, passem pelo modo Scapes presente no jogo. Sim, é o lendário modo de fotografia onde já tantas vezes perdemos horas para criar a imagem perfeita. Nesta edição, podemos editar cores, vinis e inúmeros objectos de decoração do veículo, só para criar a imagem perfeita. Melhor, o fundo passou a ser uma imagem fixa de cidades locais icónicos reais por todo o mundo. Que tal o nosso Ford Focus em plena cidade de Lisboa?

Mas, não pensem que vão estar somente a ler artigos históricos e a tirar fotografias. Apesar do aspecto geral cheio de classe em que o próprio menu parece convidar os jogadores para tomar um “cházinho”, há toda uma simulação de condução à vossa espera. Para começar, o jogo orienta os novos jogadores a apostar na tal Escola de Condução. Os desafios são exactamente os mesmo que tinham nos títulos anteriores: acelerar, travar, curvar, ultrapassar, esquivar, etc tudo com vários níveis de dificuldade. Também terão o mesmo rigor técnico desejado, com temporizador para obter troféus de bronze, prata ou ouro, além dos infames limites de pista ou obstáculos a darem a penalização se forem atingidos. Contudo, GT Sport exige mais dos seus jogadores.

Tudo o que fazemos é avaliado com um conjunto de regras de etiqueta. Seja no nosso modo de carreira, seja online, diversas acções (distância de condução, troféu, etc) contribuem para diversas metas e objectivo, na maior parte dos casos oferecendo bónus em dinheiro virtual, pontos para gastar em artigos novos e até novos veículos. Mas, há uma avaliação que se torna a mais importante e que envolve a nossa ética ao volante. Impactos, cortes de trajectória e outros movimentos menos correctos, criam um perfil menos positivo da nossa condução. Esse perfil pode depois condicionar a nossa participação em eventos, incluindo os muito esperados eventos online promovidos pela Federação Internacional de Automobilismo (FIA).

Por esta altura já perceberam o que digo acima com relação à tal “taça de champanhe”. Não sei bem o que pensar desta atmosfera tão “correcta” e levada ao requinte, onde tudo é brilhante e parece recentemente polido. Sempre entendi o mundo do automobilismo como algo visceral e inspirado na potência e no risco. A sujidade, os impactos e a rudeza, quanto a mim, sempre fizeram parte da história do automóvel. Já irei falar da condução, mas tenho de realçar que este polimento também é evidente nas próprias corridas e eventos. Os danos visuais são francamente superficiais e terminamos muitas corridas com o veículo praticamente como se tivesse saído do stand (depende das provas logicamente). Por mais que pilotos reais se esforcem por ser bons desportistas, o inesperado também acontece.

O vídeo de etiqueta ao volante que temos de assistir antes de entrarmos numa sessão online, parece-me um tanto inócuo e penso que poucos reconhecerão o seu intuito. Será que é para assustar os abusadores? Talvez, mas depois notei que não há real penalização por ser um condutor agressivo. Em contrapartida, há um ranking de “desportivismo” que nos é atribuído e que age quase da mesma forma. Esta lógica tem o seu quê de positivo. A nossa reputação precede-nos e é pública. Teremos mais interesse em sermos menos agressivos e talvez evitar condutores menos interessados na tal etiqueta. Contudo, esta abordagem parece-me algo ingénua e duvido que uma vasta quantidade de jogadores tenham real interesse em zelar pela reputação. Talvez os que levem a coisa mais a sério.

Entrando finalmente no carro, logo na tal Escola de Condução fica claro que estamos de regresso ao volante de um excelente “jogo de simulação”. Geralmente, distingo um jogo de um simulador, mas em GT Sport abro a excepção de o catalogar desta forma. Parece uma contradição mas não é essa a intenção. Entendo que este é um jogo que pretende criar uma simulação realista de condução. É preciso um pouco mais para ser um verdadeiro simulador, mas isso levava-nos a toda uma nova conversa. Com o volante na mão, GT Sport comporta-se como sempre o fez em toda a série. Refinado, exigente onde pode, pedindo precisão com respostas credíveis e equilibradas. Talvez essas respostas sejam um pouco “dominadas demais”, sobretudo se ligarem todas as ajudas, obviamente.

Neste ano já tivemos diversos grandes títulos de condução e a pergunta que obviamente farão é se a condução de GT Sport é melhor. Diria que é mais precisa, mais focada na curva perfeita e no controlo mais consciente do veículo. Forza 7 será um jogo mais baseado na velocidade de ponta e Project Cars 2 quer que aprendamos a colocar a potência e a lidar com a aderência do piso. Por seu lado, GT Sport pune mais as travagens fora de tempo, as linhas de curva menos perfeitas ou mudança mais tardia. Entendam-no como uma máquina cujo relógio tem de estar certo e que não pode estar atrasado ou adiantado. Não contem com audácia de travar mais tarde ou arriscar uma ultrapassagem no limite. Podem fazê-lo, claro, mas é preferível que não cheguem a esse limite. E, se falharem, perdem posições ou são levados a desistir.

Esta técnica precisa ser quase uma segunda natureza em tudo. Não precisam propriamente dominar diferentes tipos de piso (só terão de lidar com alcatrão ou cimento, praticamente), mas há claras diferenças entre tracção integral ou parcial. Veículos de tracção dianteira reagem de forma diferente aos de tracção traseira e ainda há que equacionar a posição do motor (frontal, central ou traseiro). Os veículos mais lentos podem não ter tanta velocidade de ponta, mas exigem mais perícia para abordar curvas, sobretudo quando temos outros veículos semelhantes ou de igual capacidade. A disciplina é uma constante, entre controlar a velocidade, travagem, tracção e trajectórias. E ainda podem mexer na mecânica e aerodinâmica para atribuir mais variáveis na condução.

Para ajudar nesse “bailado” de precisão, GT Sport possui diversas características interessantes. Existe um ecrã multi-funções em cada veículo em onde podemos consultar um radar de proximidade, ver os tempos cronometrados, ajustar o controlo automático de tracção ou até o equilíbrio de travões. Se um veículo se aproxima de um dos lados, há um subtil sinal lateral (uma espécie de sombra) para nos alertar. Todas as informações no ecrã são claras e definidas, não tapando demasiada da visão, mas também não passando despercebidas. As câmaras são competentes, se bem que não goste muito da altura de algumas das perspectivas do piloto em alguns veículos mais baixos.

Na verdade, há duas formas distintas de jogar Gran Turismo Sport. Uma é numa condução a solo, com todo este equilíbrio de físicas ao mais alto nível. A outra é jogada em competição contra a IA ou outros jogadores onde, além desta mestria das físicas, é preciso também mostrar o tal desportivismo. Para o tipo de jogo a solo temos o já mencionado modo de carreira, com a Escola de Condução, cenários de desafio e provas distintas para dominar pistas. O modo Arcade serve mais para quem quer simplesmente fazer umas corridas rápidas nas várias pistas com veículos seleccionados. E depois há o apelo do modo online que é dividido em duas áreas distintas.

No modo Lobby podem desafiar amigos ou deconhecidos para provas únicas. Neste modo, porém, não estarão a contribuir nada para a vossa reputação. É só mesmo uma espécie de modo arcada para o multi-jogador. É mesmo no modo Sport que a fasquia sobe mais alto. Este é o tal modo reconhecido pela FIA, composto por uma Liga mundial que, no fundo, bem lá no fundo do túnel, coloca a perspectiva dos melhores jogadores poderem enveredar numa carreira de piloto profissional. É o modo mais interessante do jogo, colocando-nos em constantes voltas de qualificação e de prática em cada prova, até iniciar-se a corrida em si. Há um suposto paralelo com provas reais dos campeonatos da FIA, o que só valoriza este modo e nos dá uma sensação de valor. Obviamente, que a qualidade destas sessões é proporcional à proficiência e ética de cada piloto presente.

 

E no que toca ao grafismo, obviamente que a Polyphony Digital veio surpreender tudo e todos com grafismo de última geração… certo? Bom, mais ou menos. Poderão mesmo jogar com resolução 4K e com tecnologia HDR a fazer maravilhas no espectro de iluminação e cor. GT Sport é uma boa peça de arte com boa performance a 60FPS, que é o que se pretende. Tem também alguns dos melhores efeitos de reflexos surpreendentes. Mas, como já disse, há algo “demasiado polido” no aspecto geral, desde os carros até às pistas e todos os cenários circundantes. Noutros franchises os avanços técnicos são soberbos, a roçar o foto-real e só esperava que este jogo batesse tudo e todos, como o fez no passado quando foi chamado a “intervir”.

Regra geral, as texturas e efeitos cumprem, mas não são espectaculares como esperamos todos de um jogo de produção tão longa, exclusivo de uma plataforma e que pretende tirar o máximo partido da PS4 e, em especial, da PS4 Pro. Como já disse falta-lhe, não o brilho, (isso já tem até a mais) mas a sujidade, o dano e os detritos. Dar uma pancada num rail é um acto seco, sem qualquer reacção do cenário, até mesmo num muro de pneus nada reage. Aquilo que me parece é que o jogo se foca tanto da tal etiqueta que não espera sofram acidentes. Pese embora ninguém (no seu perfeito juízo) prefira bater nos rails ou noutros veículos, essas situações fazem parte do desporto automóvel e quando tudo parece tão artificial, perde-se o tão desejado efeito de realismo que parece ser apanágio deste jogo.

 

Não me entendam mal. Gran Turismo Sport é visualmente um jogo fantástico. Sem mais termos comparativos, é o melhor Gran Turismo de toda a série, com muitos momentos fantásticos e um requinte de pormenores em todos os veículos reproduzidos, onde nem sequer faltam as luzes de pisca e outros pequenos detalhes fantásticos. Porém, não existe só a série GT no mercado e temos de ser honestos com o que temos em mãos. Não é bem o caso de implicar com o jogo. É mais um constatar de oferta perante as expectativas lançadas durante a produção. E aí a Polyphony ficou uns furos abaixo.

Também não ajuda muito que a oferta de veículos seja tão limitada, menos de 200 veículos e nem todos são realmente representativos de marcas ou segmentos. Dispenso, mais uma vez, a quantidade presente de carros conceito que nunca irei ver na estrada, por exemplo. Comparado com os milhares de veículos que a série chegou a ter, é uma perda de conteúdo notória. Por favor, não me digam que mais veículos serão adicionados como DLC, porque então a situação será ainda mais grave.

E também não apreciei muito que este jogo exija uma ligação online permanente. Durante os meus testes, os servidores estiveram intermitentes num dado período. Durante essa falha, o jogo bloqueou todas as opções excepto o modo Arcade. O que significa que o resto do conteúdo, inclusive o modo de fotografia ou a própria garagem, até mesmo a mecânica dos veículos, estiveram bloqueados. Não entendo esta lógica, honestamente.

Veredicto

Gran Turismo Sport é uma ode ao design automóvel e à arte de conduzir. Mantém muito do espírito de aprendizagem da série, mesmo apostando tanto numa ética desportiva algo restrita. Como jogo de condução será dos que mais exige precisão e dedicação. Tem muito conteúdo informativo e artístico sobre o mundo automóvel e também tem uma excelente plataforma competitiva, sendo até possível que um de nós, um dia, chegue a piloto profissional graças às provas aprovadas da FIA. Contudo, tanto polimento pode não agradar a todos. As físicas extra-condução, os danos dos bólides e mesmo a qualidade geral do seu visual também podem desapontar os mais exigentes, sobretudo se começarmos a fazer comparações em outros lados. A Polyphony Digital podia ter tomado aqui a Pole Position, mas a concorrência está já a fazer sinais de luzes com ganas de ultrapassar.

  • ProdutoraPolyphony Digital
  • EditoraSony Interactive Entertainment
  • Lançamento18 de Outubro 2017
  • PlataformasPS4, PS4 Pro
  • GéneroCondução
?
Sem pontuação

Ainda não tem uma classificação por estamos a rever o nosso esquema de pontuações em análises mais antigas.

Mais sobre a nossa pontuação
Não Gostámos
  • Desaponta com tanto polimento
  • Oferta de veículos podia ser melhor
  • Precisa de ligação permanente online

Esta análise foi realizada com uma cópia de análise cedida pelo estúdio de produção e/ou representante nacional de relações públicas.

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