GothamKnights

Análise – Gotham Knights

A série Batman Arkham é ainda umas das minhas séries favoritas de jogos com super-heróis. Quando a WB Games Montreal anunciou Gotham Knights, tive uma reacção mista de entusiasmo e apreensão. Justifica-se.

Convenhamos que a produtora não tem, propriamente, o “pedigree” da Rocksteady Games. Convenhamos também, que o anterior jogo neste universo da WB Games Montréal, Batman: Arkham Origins, não foi propriamente um bom prenúncio. Por outro lado, a produtora quis romper barreiras e convenções, tentando trazer-nos um jogo francamente diferente. A principal diferença, pelo menos a mais evidente, é que Gotham City não conta com a presença de Batman. O que neste universo da DC Comics, tão focado no sucesso do Homem-Morcego, é bastante arriscado. Contudo, há claramente um enorme interesse da produtora em se distanciar dos conceitos estabelecidos. E todos queremos jogar algo novo e original.

Não vou dizer que a série Batman Arkham foi perfeita. Não foi, claramente. Apesar dos melhores esforços, bem sabemos que nem sempre “mais é melhor”. Que o diga Arkham Knight, que tanto sofreu para mostrar qualidade na sua imensidão. Entretanto, os tempos são outros, as tecnologias também e o estúdio de Montréal tinha aqui uma excelente oportunidade de se evidenciar, criando algo seu e, de facto, capitalizando onde realmente importa, abrindo as portas para uma nova era na franquia.

Contudo, não é preciso explicar quão importante é que tenhamos uma boa ideia do que estamos a fazer quando nos decidimos a fazer algo diferente. Remover o próprio Batman da equação, exige que as quatro personagens que o substituem sejam bem implementadas e constituam uma boa alternativa. A própria DC tentou isto com várias séries de banda-desenhada e outros meios, com resultados mistos. Além do sucesso relativo de Team Titans, Robin, Nightwing, Red Hood e Batgirl continuaram a ser o que sempre foram: companheiros de Batman. Este, portanto, seria “o” seu jogo.

Não me levem a mal. Eu gosto muito da história dos três Robins. Dick Grayson e a sua ambição em ser um futuro Batman, levando-o a tornar-se no energético Nightwing. Também a trágica história de Jason Todd, assassinado pelo Joker e trazido de volta à vida com uma sede de vingança na pele de Red Hood. E, claro, a história de “fanboy” tornado herói de Tim Drake sempre foi inspiradora. Até mesmo a igualmente trágica história de Barbara Gordon, de enferma Oracle a renascida Batgirl é interessante. Só que todas estas personagens sempre lutaram pela nossa atenção.

Então, nada como “matar” um legado inteiro. Bruce Wayne, ou Batman, morre num violento confronto con R’as Al-Ghul. Com ele, morre todo o mundo criado pelo Cavaleiro das Trevas, inclusive a própria bat-caverna, com todo o equipamento que usava para combater o crime. Só que Gotham continua a precisar de um protector. Especialmente porque os vilões se aperceberam do vazio criado pela ausência do Homem-Morcego. Entram os quatro heróis deste jogo que, em conjunto com o mordomo Alfred, lutam contra o crime, ao mesmo tempo que desvendam uma enorme trama.

Muita da história deste jogo gira em torno do ciclo de banda-desenhada “The Court of Owls”. Nela, uma misteriosa organização secreta vive no submundo de Gotham e gere toda a actividade, clara ou obscura, inclusive no mundo do crime. É uma clara inspiração no mito urbano da famosa organização secreta dos Illuminati, só que usando máscaras de corujas e mexendo com engenharia genética para gerar criaturas sobre-humanas. Embora tenhamos vilões clássicos na história, esta é a verdadeira oposição à paz de Gotham, isto se ninguém fizer frente às suas maquinações.

Sem querer dizer muito mais do que se irá passar, é lógico que o enredo aqui toma algumas liberdades, se comparado com o material narrativo original. Devem imaginar esta história como um “universo paralelo” do que se passa na história original de “Court of Owls”. Há bastante similaridades, mesmo assim. Considerando que é uma das mais aclamadas séries de banda-desenhada de Batman, não é de estranhar que a produção tenha ido buscar lá a sua inspiração. Lendo o meu veredicto, porém, gostaria que não tivessem esta fonte de inspiração tão preciosa para os fãs.

Todo o jogo gira em torno destes quatro heróis, a sua busca por uma explicação da morte de Batman, desvendando a emergência das Corujas e combatendo o crime por toda a cidade de Gotham. Crime, esse, motivado pelas aspirações de vários vilões, como Penguin, Harley Quinn ou Mr. Freeze. A cidade de Gotham é aberta à exploração e há também missões secundárias variadas para descobrir em vários bairros. Só que, apesar das similaridades, há aqui outra clara descolagem da série Arkham, já que estamos perante um Role Play Game com elementos de acção.

Assim, vamos vestir o fato destes quatro “sidekicks”, cada um com as suas habilidades e personalidades distintas. Infelizmente, a produção perdeu aqui uma excelente oportunidade de contar uma história nas quatro perspectivas, talvez alternando entre elas numa lógica sequencial ou até mesmo passando os mesmos eventos da história nos seus quatro pontos de vista, por exemplo. Pelo contrário, podemos escolher uma personagem das quatro e jogar com ela do início ao fim, sem diferenças assinaláveis entre si.

Notem que podemos perfeitamente alternar entre as personagens, bastando na base escolher o fato correspondente. E, sim, cada personagem tem diferentes habilidades para explorar e tem também um papel algo distinto em jogo, com diálogos ligeiramente diferentes em algumas cenas intermédias. Contudo, as cenas intermédias principais são genéricas, não fazendo distinção de qual personagem estamos a optar por jogar. E não é só aqui que o jogo decide ser tão conservador.

As habilidades diferentes são apenas nuances do combate. Red Hood é claramente uma personagem para ataques à distância, por exemplo. Contudo, no rigor, não há grande diferença em usar um ou outro herói. Todos possuem ataques leves e pesados, tanto próximos, como à distância. Todos possuem o mesmo nível de evolução gradual e ganham os mesmos pontos para a sua árvore de evolução. Só mesmo os golpes, perks e, claro, os fatos e armas são diferentes. Mas, no fundo, todos possuem a mesma eficácia e não há nenhum motivo para escolher um ou outro herói.

De facto, tirando as animações de fast-travel, únicas para cada personagem, todos andam na mesma mota, a bat-cycle de Batman, todos cumprem as mesmas missões, todos têm o mesmo objectivo. Só que não o fazem em equipa. Apenas conversam (muito) entre si na base ou via intercomunicação pela cidade. De um possível jogo em equipa, para uma acção a solo muito linear, fico mesmo desapontado que a produção não tivesse em conta o facto de termos quatro heróis em jogo que deviam actuar em conjunto… o que é exactamente o que o enredo pressupõe.

Fica bem claro que a acção está feita para ser jogada cooperativamente com quatro heróis. Mas… nem isso é possível. Apenas dois jogadores se podem juntar com dois heróis para passar o modo de carreira. E penso que sei porquê. Mesmo só com dois jogadores, nota-se que a acção não é realmente redimensionada. A quatro jogadores seria ainda pior. Como a dificuldade não escala em coop, parece uma funcionalidade algo descartável. Ainda por cima, tem uma lógica drop-in/drop-out, sem que sintamos alguma ligação com quem jogamos, além de uns poucos emotes.

No próximo mês, a WB Games vai adicionar um novo modo de jogo PvE cooperativo para quatro jogadores, o modo Heroic Assault que é uma espécie de modo “horde” em arenas com níveis de dificuldade ascendentes. Talvez as coisas fiquem mais interessantes para jogar online, embora esse modo não contribua para história do jogo. Como está agora, porém, o modo cooperativo evidentemente não chega para ser interessante. Podemos fazer tudo a solo e não ver alguém estragar a acção furtiva desatando aos tiros.

Ou seja, termos quatro heróis para jogar e alterar a nosso belo prazer, é só uma “muleta” criativa, não é realmente uma funcionalidade interessante. É que nem mesmo para jogar cooperativamente. O que é, de facto, mais uma prova do crasso subaproveitamento do potencial deste jogo. Não é este o seu único defeito, nem sequer é o maior (já lá vamos). Mas, é o que mais me desapontou. Queria mesmo ter um jogo “diferente” com cada personagem, algo que me obrigasse a repeti-lo.

Mas, não se preocupem, se repetição é o que querem, têm-na com fartura. Talvez não da forma que gostariam. As missões principais que desenvolvem o enredo são, regra geral, diversificadas em locais, eventos e personagens. Mas, o intuito é sempre o mesmo: investigar uma cena de crime, navegar pelo nível, por vezes labiríntico, eliminar inimigos de forma directa ou furtiva e chegar a um boss ou a uma cena intermédia. A dada altura, quase podemos prever o que vai acontecer a seguir.

Contudo, onde o verdadeiro aborrecimento se instala é a explorar Gotham e a combater o seu crime. Pegamos na mota e lá andamos a procurar missões improvisadas ou a reunir “provas” para desvendar crimes premeditados. Tirando alguns inimigos mais fortes que vão escalando com o nosso nível, o desafio é sempre o mesmo, repetindo mesmo locais e tipos de crime até à exaustão. Pior ainda, são as missões que envolvem dialogar com alguma personagem. Esses diálogos são, por vezes, fastidiosos e não podemos saltá-los como nas cenas intermédias.

Falando concretamente do combate em si, como já disse, podemos optar pela acção furtiva, como o próprio Batman preferiria, ou por uma abordagem mais “bruta”, que é certamente menos aborrecida para quem não tem paciência. Devo dizer que os controlos são bastante lineares e envolvem dominar mais os tempos das animações e dos gadgets, que outra coisa. Embora tivesse jogado no PC, preferi usar um comando Xbox para jogar. Contudo, os controlos de teclado e rato, que são compatíveis com a iluminação da tecnologia Razer Chroma, funcionam igualmente bem.

Infelizmente, a interacção não é sempre assim tão intuitiva. Um dos melhores elementos de Marvel’s Spider-Man, é mesmo poder transitar por Nova Iorque a lançar teias de forma fluida e “natural” para o jogador. Em Gotham Knights, navegar pelas ruas a pé é uma autêntica tortura. Ao contrário de Batman, os quatro heróis dependem apenas de um gancho e corda, não usando a capa para planar. Podemos sempre usar a bat-cycle, bem mais linear para chegar a algum lado, mas não a podemos levar a alguns sítios, muito menos ao topo de prédios.

Navegar entre prédios aqui, assenta numa lógica de mira, disparo do gancho e puxar da corda. Só que a mira automática tem “vida própria”, privilegiando o que está mais perto e não tanto o que está à frente. O que significa que, não raro, vamos navegar para um lado que não queremos, só porque essa borda está mais próxima de nós. Mais lá para a frente, desbloqueamos um modo de fast-travel e uma espécie de “teleporte”… e ainda bem, porque até aqui a WB Games perdeu a oportunidade de criar algo entusiasmante.

Este interação seria ultrapassável, sendo talvez uma questão de hábito… talvez. No entanto, há mais um problema com os controlos que não é possível relevar. As personagens não saltam livremente. Sim, é verdade que podemos subir ou galgar alguns obstáculos específicos mas não podemos premir a tecla e saltar livremente. Parece preciosismo meu, eu sei. Mas, esperem até ficarem presos numa porção de cenário e não o podem saltar, sendo obrigados a andar à volta. Quando vos acontecer, vão entender.

E agora para o pormenor que menos sentido fará quando pegarem no jogo. Ao longo de várias semanas, temos sido inundados de vídeos e promoções deste jogo, que deixam no ar a ideia de um visual espectacular. As imagens que partilho são um bom exemplo. Não duvido que, à primeira vista, todos fiquem deslumbrados com as cenas intermédias iniciais e alguns pormenores posteriores. Contudo, se algum dia tiver de usar um jogo como exemplo do quão visualmente inconsistentes podem ser os jogos modernos, vou com certeza usar este título.

Usando um PC que atinge e ultrapassa os requisitos recomendados, tentando optimizar as várias opções em jogo e até recorrendo a algumas menos exigentes, este jogo nunca teve bom aspecto. O grafismo oscila entre o fantástico e o banal, a performance de fotogramas varia bastante, os efeitos visuais nem sempre são os melhores e há um constante “jitter” nos movimentos. Não tive oportunidade de experimentar nas consolas, notem, mas no PC deixa muito a desejar. E, embora estivesse a usar uma versão de previsão, assinalo que os crashes foram muitos.

Veredicto

Esta enorme responsabilidade da WB Games Montréal de nos trazer um novo título da DC Comics depois de Batman Arkham, pesou bastante nos seus ombros. Gotham Knights é uma ideia ambiciosa de criar algo além do que já vimos, além de Batman e de todos os estereótipos. Só que a DC vive tanto do Homem-Morcego que as personagens usadas não chegam para preencher o seu vazio. Por outro lado, a concepção deste jogo deixa muito a desejar, tanto no plano narrativo, como na jogabilidade e, sobretudo, na implementação técnica. Tragam de volta os estereótipos, por favor.

  • ProdutoraWB Games Montréal
  • EditoraWarner Bros.
  • Lançamento21 de Outubro 2022
  • PlataformasPC, PS5, Xbox Series X|S
  • GéneroAcção, Role Playing Game
?
Sem pontuação

Ainda não tem uma classificação por estamos a rever o nosso esquema de pontuações em análises mais antigas.

Mais sobre a nossa pontuação
Não Gostámos
  • Problemas técnicos e de optimização
  • Alguns aspectos de interação e controlos
  • Modo cooperativo é descartável

Esta análise foi realizada com uma cópia de análise cedida pelo estúdio de produção e/ou representante nacional de relações públicas.

Comentários