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Análise – Godfall

Numa era em que um jogo de acção com elementos de RPG, quase sempre entra no reino dos “soulslike“, é interessante ver como há ainda produtoras que “lutam contra o sistema”. Godfall tinha tudo para ser “mais um” nesse género já tão denso. Contudo, a Counterplay Games manteve a sua visão bem firme. Para o bem e para o mal.

Para todos os efeitos, a produtora Californiana é uma outsider nestas lides. Nas minhas pesquisas, apenas encontrei um outro jogo da sua autoria, um jogo de cartas digitais gratuito, de nome Duelyst. A equipa também ajudou a Bungie com algumas partes de Destiny 2 e outros títulos. Mas, este é o seu primeiro “AAA”. O que só torna a oferta de Godfall surpreendente. Aqui está um jogo com enorme (gigante) ambição, com elementos de jogabilidade intrincada e ainda mais pormenores e detalhes muito complexos. O que é curioso, considerando que o seu jogo anterior não é, em nada, semelhante em dimensão ou objectivo. Godfall é também um título de estreia na PlayStation 5, sendo lançado também no PC, o que só aumentou as expectativas.

Por esta altura, começo sempre por falar no enredo. De um modo geral, consigo (mais ou menos) sempre resumir os traços gerais das histórias dos jogos que analiso. Contudo, no caso de Godfall, confesso que tenho alguma dificuldade em descrever a história e, se calhar mais importante, fazer sentido ao tentar explicá-la. Vou tentar o meu melhor, prometo. É que o jogo parte de imensos pressupostos. Um deles é que a história se desvenda enquanto jogamos, bastando uma premissa, um codex e uma série de conceitos para acompanharmos os desenlaces. Assim, não é fácil entender o que se passa no ecrã.

Mas, bom, aqui vai: No que só posso assumir ser um futuro longínquo ou uma realidade paralela, tomamos a forma de um semi-deus chamado Orin. Nesta realidade, alguns guerreiros usam armaduras ancestrais chamadas de “ValorPlates”, pertencentes a uma ordem de cavaleiros Valorian. Orin e o seu irmão de armadura de lobo, Macros, unem-se e saem vitoriosos nas suas batalhas. Contudo, o poder sobe à cabeça de Macros, traindo o seu irmão num combate que quase mata o cavaleiro da armadura de leão. Ferido, tanto fisicamente, como no seu orgulho, Orin decide vingar-se e travar Macros que tem planos de atingir o estatuto de deus e destruir todos os opositores.

Macros é, de facto o grande inimigo de Orin e age como vilão da história, sendo também a sua derrota o derradeiro objectivo do jogo. Contudo, temos também os seus tenentes para lidar (e eliminar), além da miríade de fanáticos seguidores que tudo farão para nos travar. No fundo, esta pseudo-Humanidade (sim, Orin é, a dada altura, descrito como um Homem), continua na mesma, com o poder a corromper e o poder absoluto a corromper absolutamente. Felizmente, Orin tem aliados na Ordem, além de uma misteriosa voz que o guia… mas, cujas intenções nos deixam na dúvida.

Notem que tudo o que acabei de descrever é uma simplificação do enredo. Temos uma secção com algumas explicações, mas as cenas intermédias e os diálogos não perdem muito tempo a detalhar todos os pormenores da história. Que planeta estranho é este? Será mesmo este reino de Aperion a nossa Terra dividida em três domínios de elementos, Terra, Água e Ar? E o Fogo, onde está? Qual a origem dos Valorian? Algumas destas perguntas terão resposta se mergulharmos fundo no lore. Mas, não é que o jogo pretenda dar-nos essa profundidade. O enredo e a sua mitologia são somente um contexto para a acção, ora não fosse este um típico looter-shooter… perdão, um looter-slasher.

Sim, é mesmo um género peculiar de acção, puro e duro, com elementos de Role Play, mas sem nunca enveredar por nenhum cliché em particular, preferindo angarias umas poucas inspirações para construir algo seu. Aposta fortemente nos elementos de acção directa, tipo “hack and slash”, num conceito que me lembra bastante os títulos japoneses de combate da “velha guarda”. Se bem que é modernizado para incluir muitas ideias de combate dos jogos de acção ocidentais modernos. E não são só estas as inspirações deste jogo, claramente. Uma delas é até bastante improvável.

Para chegar a Macros, como já disse, temos imensos meliantes e serventes para eliminar. Os tenentes, claro está, são os “bosses” que nos enfrentam antes do derradeiro “big boss” no final do jogo. A ideia é que, para ascender a deus, Macros precisa de uma essência única que lhe dará o poder necessário para esse feito. E os seus tenentes têm vindo a angariá-la para a dar ao seu mestre. Ora, qual Highlander (por cá conhecido como O Imortal), Orin tem de os eliminar e absorver o seu poder como consequência. No fim, só pode haver um… estão a ver onde está a influência?

Se leram rapidamente os primeiros parágrafos, talvez não tenha retido que a produção deste jogo colaborou com o desenvolvimento de Destiny 2. Mas, essa é claramente outra influência na jogabilidade. Também temos aqui uma quantidade avulsa de armas e equipamento para coleccionar, evoluir e transformar, também contando com níveis diferentes de energia, raridade e bónus passivos ou activos. Não é que a série Destiny “inventasse a roda” neste tipo de mecânicas mas foi um dos jogos que mais tirou proveito desta lógica. E Godfall, claro, vai “beber à mesma fonte”, por onde passou esta equipa.

E, apesar de tudo, ainda temos alguma influência do género “souls”. Temos armas de dimensões, efeitos e aplicações diferentes, contando com espadas curtas, espadas longas, martelos, machados e lanças. Podemos equipar duas de cada, tendo cada uma tipos de ataque diferente, ideais para diferentes tipos de inimigos. Temos também um escudo para defesa, também temos de nos desviar no tempo certo e também temos combates de atrito contra bosses, que apostam num timing certo e penalizam impaciência. Felizmente, não temos um ecrã a dizer “You Died” para nos frustrar.

A jogabilidade, de um modo geral, é até francamente permissiva. Temos vários níveis de dificuldade mas notei que o jogo não é muito difícil de dominar, mesmo nos níveis mais altos. É só preciso estudar os tempos de ataque, desvio e defesa, para que consigamos limpar as áreas de jogo mais complexas e densas de inimigos. Claro que as coisas se complicam quanto estamos rodeados ou quando temos um boss mais desafiante que faz spawn de pequenos serventes. Mas, nada que uma boa recuperação de checkpoint não resolva. Sim, temos checkpoints e são bastante próximos e constantes.

Parte da acção, é também a exploração do cenário, em busca de coleccionáveis e de elementos de crafting, além de armas e peças de equipamento escondidos em inimigos mais poderosos ou caixas de tesouro. Algumas destas caixas, possuem pequenos puzzles para descortinar, mas nada de incrivelmente complexo. Estes mapas são francamente vastos, mas algo compactos nos possíveis caminhos. Regra geral, repetimos os mesmos mapas e zonas inúmeras vezes, pelo que encontrar os coleccionáveis não será difícil. Até temos um modo de visão “spirit” para encontrá-los mais facilmente.

Se o vosso foco for apenas seguir o enredo principal, terão apenas de lidar com o combate e com a evolução constante para poder abordar missões de nível mais elevado. Isto, obriga-nos a fazer algumas missões paralelas, como caçar monstros ou soldados lendários para que nos deem determinados elementos para somar aos que precisamos para continuar nas missões principais que abrem caminho até Macros. Se quiserem algo mais, terão sempre mini-missões de angariação de loot ou de bónus, ideias para o grinding que vos espera lá mais para o fim (sim, Macros é tramado de lidar, acreditem).

Além do equipamento, temos também de evoluir a nossa Valorplate com poderes e habilidades especiais. A árvore de evolução é francamente complexa, por vezes com uma leitura confusa, mas lá entenderão a lógica de desbloqueio de cada ponto, que pode depois ser evoluído em vários níveis, com percentagens de bónus melhores. Temos também diversos desafios para cumprir, bem ao jeito de Destiny, como um determinado número de adversários específicos ou o número de itens que encontramos na exploração, actividades que nos premeiam com bónus e divisa de jogo.

Quando estivermos próximos do endgame, o jogo começa a dar-nos alguma variedade. Poderemos desbloquear outras Valorplates (inclusive a de lobo igual à de Macros), ficando também tão poderosos que poucos desafios nos farão preocupar. Esta é, aliás, uma forma engenhosa de modificar a jogabilidade, dando-nos outras formas de combate  ou habilidades. O mesmo acontece com as armas. Sendo a lança a minha preferida, gostei de descobrir a “longsword”, por exemplo. É que cada arma tem também uma técnica própria e cada Valorplate tem o seu próprio poder especial ou “super”.

Se se sentirem solitários em jogo, é possível jogar cooperativamente com outros três amigos. Contudo, não achei muito interessante. Não tanto pelo aspecto de jogar com amigos, podendo mesmo fazer uma party em jogo. A acção é até bastante convidativa para jogar em grupo, especialmente em grandes arenas com muitos adversários. O problema prende-se apenas em algumas áreas mais confinadas, onde o caos é já assinalável a solo. E também não ficou claro se o loot é partilhado ou singular para cada jogador. Confesso que não pude testar bem, uma vez que poucos amigos meus ainda possuem a PS5 ou não têm o jogo. Infelizmente, este título não tem “matchmaking”.

Não é que seja só esse o problema de Godfall. Eu adorei o seu design, ora luxuriante com muitos apliques dourados, ora em paisagens densas de florestas sinuosas, ora pântanos sombrios, enfim, uma panóplia de excelentes locais, desenhados com rigor. Tudo emana atenção ao detalhe e um polimento fantástico, graças às capacidades da nova PlayStation 5. É, sem dúvida, igualmente ambicioso no visual, notando-se que a produção apostou num conceito muito seu e cheio de vontade de surpreender.

Só que há pormenores que me pareceram precisar de muito trabalho. Os mais evidentes estão nos problemas de timing dos ataques e da defesa, por vezes nem registando algumas teclas que carregamos. O interface está pejado de outros pequenos problemas de lógica, alguns mais subtis e francamente só chatos, outros que prejudicam a navegação. São vários e não seria justo enumerá-los todos. É uma questão de aprimorar a oferta, preferencialmente numa actualização nos próximos dias. Contudo, confesso que estraga a experiência (e dá cabo da paciência) em alguns momentos.

Mais grave que isto, porém, são os problemas de optimização. Notem que o jogo na PS5 é muito fluido no geral. Contudo, notam-se umas quebras de performance amiúde e há mesmo umas sérias paragens momentâneas (curtos freezes) na fluidez do jogo. Mas, para mim o pior foi contabilizar quatro crashes para o menu da consola enquanto joguei, daqueles que pedem para enviar um relatório para a Sony e tudo. Num jogo com esta dimensão e ambição, sendo também um título de estreia na PS5, por mais que queira desculpar o facto de ser o primeiro jogo “a sério” da Counterplay, não acho aceitável.

Veredicto

Inspirando-se numa série de jogos e conceitos de vários géneros, Godfall faz uma estreia de uma nova aventura, especialmente para a produção da Counterplay Games, que arrisca tanto no que é o seu primeiro título de grande envergadura. Não se pode dizer que tudo tenha corrido bem desde o design até à concepção, é certo, mas a audácia de criar algo tão exótico e, ao mesmo tempo, familiar é de louvar. Não é, de longe, um jogo perfeito, mas é divertido quanto-baste para os amantes do género de acção com elementos RPG e que adoram caçar o melhor loot para o próximo desafio.

  • ProdutoraCounterplay Games
  • EditoraGearbox Software
  • Lançamento12 de Novembro 2020
  • PlataformasPC, PS5
  • GéneroHack and slash, Role Playing Game
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Sem pontuação

Ainda não tem uma classificação por estamos a rever o nosso esquema de pontuações em análises mais antigas.

Mais sobre a nossa pontuação
Não Gostámos
  • Crashes para o menu da PS5
  • Quebras de performance notórias
  • Problemas de navegação no interface

Esta análise foi realizada com uma cópia de análise cedida pelo estúdio de produção e/ou representante nacional de relações públicas.

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