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Análise – God of War: Ragnarök

Depois do sucesso do primeiro God of War de 2018, a fasquia imposta pelo Santa Monica Studio joga contra si. Terminar a história de Kratos e Atreus em God of War: Ragnarök é uma história emocional, tanto para a equipa como para os próprios jogadores.

A minha preparação para jogar este novo jogo, começou bem antes de nos chegar para análise. Na análise da versão PC do primeiro jogo, decidi jogá-lo novamente até ao final. Serviu para me proporcionar duas experiências: recordar como este jogo é tão genial na sua jogabilidade de combate, exploração e puzzles e recordar a história emocionante de Kratos, um ex-guerreiro impiedoso, assassino de deuses e geralmente “mau génio”, tornado pai cauteloso e vítima de uma enorme reformulação. Forçosamente, tenho de vos “obrigar” a jogar o primeiro título antes deste, sob pena de nunca entenderem o que nos levou até este momento.

Sem rodeios, digo-vos, desde já, que God of War: Ragnarök é já, para mim, o “Jogo do Ano”. Não creio que algo mais ainda surja em 2022 para o destronar e o que já foi lançado, lamento, mas não tem o mesmo valor. Podem discordar de mim, porque as opiniões são mesmo assim, até porque, num ano repleto de adiamentos, cancelamentos e muitos desapontamentos, até tivemos óptimos jogos antes deste e certamente mais virão. A minha visão de “jogo do ano”, porém, é justificável.

Depois do enorme clamor do primeiro jogo, depois da enorme antecipação, com adiamentos pelo meio, depois da equipa liderada por Cory Barlog prometer tanto, os primeiros minutos de jogo são um misto de receio e satisfação. Receio que a equipa se tenha limitado a clonar o jogo de 2018 ou que tenha piorado a experiência. Satisfação porque lentamente vamos percebendo que aquilo que inicialmente nos parece familiar é apenas um começo de algo que se desenvolve. E a cada surpresa, fiquei ainda mais convicto que pouca coisa poderia fazer-me baixar o comando.

Já me estou a adiantar. Já lá vamos à apreciação, vamos falar do conteúdo. Três anos depois dos eventos do primeiro jogo, Kratos e Atreus apenas querem voltar à sua vida pacata na sua humilde casa, ainda lidando com “vizinhos” incomodados. Mas, tanto nós, como os protagonistas, sabemos que o Fimbulwinter, o grande Inverno que arrefece Midgard durante meses, não é só um fenómeno atmosférico. Segundo as profecias, é o prelúdio de algo bem mais sombrio. Vem aí o aparentemente inevitável Ragnarök, o “apocalipse” da mitologia nórdica.

Para Kratos, porém, nada está escrito. Ele próprio, como anterior deus grego da guerra sabe muito bem que as profecias não são garantias. Para Atreus, porém, é algo bem mais realista e que sente que é possível travar. Depois da revelação que receberam no final do primeiro jogo, pai e filho lidam com as novas repercussões. Para Kratos há que lidar com o passado, a perda da sua esposa e a sua responsabilidade acrescida como pai de um ser potencialmente poderoso. Para Atreus, o seu papel como Loki parece demasiado importante para tratá-lo como algo trivial.

Tinha sérias dúvidas que este enredo pudesse suplantar o do primeiro título, mas estava confiante na capacidade da equipa técnica. Sabia que teríamos de enfrentar a ira de Odin e do seu filho Thor. Sabia que ainda faltava visitar Asgard e outros dois reinos, embora a destruição da árvore Yggdrasill tornasse a viagem pelo Bifröst praticamente impossível. Como já tinha acontecido, este argumento não se prende por convenções narrativas. Afinal, Kratos já tinha assassinado os deuses do Olimpo, por isso, a mitologia escrita bem pode reclamar. Aqui reescreve-se a história.

Sem querer falar demais do enredo, sim, vamos mesmo travar conhecimento tanto com Odin, como com Thor. Sim, Mimir está ainda connosco, assim com os prestáveis anões Brok e Sindri que também estão por lá, este último com um papel muitíssimo mais preponderante. Também Freya regressa mas, logo na cena introdutória, percebemos que ainda não conseguiu ultrapassar a morte do seu filho Baldur. Há lugar para a introdução de um novo companheiro, Týr, o deus da guerra nórdico, também ele com uma crise de identidade.

Tudo o que o enredo revela, introduzindo várias novas personagens e eventos, inclusive revisitas e “flashbacks”, leva a uma construção de um final francamente marcante. Confesso que o fim da história principal não era bem o que eu esperava e estou certo que não é bem o que também estão a imaginar. Novamente evitando spoilers, há um “sonho” que Atreus tem a meio da trama em que, basicamente, o jovem percebe que as aparências iludem e que os preconceitos não são certezas. Tenham isso em mente antes de chegar à parte final deste jogo.

Dei imensa ênfase ao enredo, de facto, mas também a jogabilidade vai tendo um crescendo notório de complexidade, dificuldade e mecânicas. Um dos melhores exemplos são as missões de exploração, onde antes apenas navegávamos numa barcaça em busca de um ponto no mapa, agora temos muito mais ambiguidade nos trajectos mais longos, tanto nesse barco, como no novo trenó puxado por lobos em terra. Há também mais liberdade de atravessar os nove (e não seis) reinos, através de portas mágicas, sem ter de usar a já mencionada árvore Yggdrasill.

Aliás, há um convite claro para atravessar os reinos frequentemente. Inicialmente, estaremos limitados para que reinos podemos ir, mas vamos desbloqueando-os continuando a história principal. O interesse de saltar pelos reinos não é de apenas fazer missões principais ou secundárias. Há também coleccionáveis para descobrir, inclusive com a adição de mini-bosses escondidos pelo mapa que oferecem bónus interessantes quando são derrotados. Das suas muitas horas de jogo (contabilizei cerca de 45 horas), muitas foram passadas a explorar.

Não quero dizer com isto que o jogo não possua um fio condutor. É óbvio que as missões principais são lineares e as tarefas secundárias possuem um enredo próprio, igualmente lógico e condutor. Tudo está construído para nos encaminhar no tal crescendo notório, o grande confronto final e o fim da história dos dois heróis (não, a história não continua). Mas, olhamos à volta e apetece-nos mesmo descobrir o que está ali atrás daquela neblina ou naquela caverna. Engenhosamente, falta-nos um artefacto para avançar. Voltaremos mais tarde… e assim por diante.

A fórmula também foi aprimorada no que toca aos puzzles. A título de exemplo, porque há muitos mais lá mais para a frente, ainda mais elaborados, numa visita ao reino dos anões Niðavellir, Mimir confessa que, para agradar a Odin, aprisionou uma baleia gigante Hafgufa. Kratos decide libertá-la, um arnês de cada vez. Só que tudo isto possui uma escala gigante em que a própria baleia é o mapa de jogo, num monumental puzzle que teremos de navegar. Como disse, é só um exemplo de vários outros puzzles de grande engenho e que puxam pela cabeça.

Aliás, se quiserem apanhar os melhores upgrades para Kratos e Atreus, terão mesmo de se aventurar pelo mapa em busca dos seus muitos segredos. Já sabemos como o primeiro jogo esconde cofres atrás de várias mecânicas mas neste jogo a equipa teve “rédea solta”. Os tais puzzles ambientais para arremessar o machado em sequência, por exemplo, são elevados a outro nível, envolvendo, por vezes, determinados ângulos ou usando as novas pedras mágicas em trajectórias de ricochete.

Claro que o que todos mais gostarão de saber é como está o combate. Temos de volta a dinâmica de Kratos e Atreus, na maior parte do tempo jogando no papel do Pai. O musculado herói tem os ataques mais pesados, com o seu machado Leviathan e as Blades of Chaos, além de poderes e boosts adicionais. Atreus tem outra vez um papel de suporte com as suas setas e golpes de ajuda. De um modo geral, no início do jogo, tudo será familiar, quase “mais do mesmo” mas as coisas evoluem. Lá mais para frente, Atreus tem secções próprias com o seu próprio combate.

Novamente sem querer falar muito do que é preciso descobrir (parte do charme desta jogabilidade), o botão triângulo, por exemplo, possui agora a funcionalidade de ataque especial da arma usada. As Blades também podem servir para escalar em algumas secções e são muito mais usadas em alguns puzzles. Também o escudo tem maior preponderância, tendo diferentes bónus dependendo do seu tamanho. Enfim, tudo soa a evolução e não propriamente a uma cópia reciclada. Mas, nada que seja demasiado transformador de uma jogabilidade exemplar.

Brok e Sindri continuam a aparecer magicamente em vários locais para vender novos itens, fazer upgrades e comprar os nossos excedentes. De regresso, estão os elementos de crafting que vamos angariando para evolução dos itens. Neste jogo temos a muito pedida transmogrificação, para lhes darmos o aspecto que queremos, independentemente do seu desenho original. A árvore de evolução continua complexa e obriga na mesma a algum grind para chegar ao nível máximo. E é claro que o “end game” é ainda desafiador para adquirirmos o melhor equipamento.

Ou seja, Ragnarök é um jogo francamente familiar para quem jogou o primeiro God of War. Mas, há imenso espaço para a descoberta de novidades, subtis ou declaradas, na jogabilidade e nas lógicas de combate e evolução. Diria que a escala de tudo foi elevada, sem se tornar propriamente enfadonha ou demasiado confusa. E se, mesmo assim, acharem tudo muito complexo, o jogo adiciona uma simples tecla para equipar tudo no nível máximo, inclusive armaduras, armas e runas que tenhamos no nosso inventário. Mais fácil, era impossível.

Por fim, a parte técnica. O jogo de 2018 foi um marco técnico de assinalar, um showcase de qualidade na PlayStation 4. Não seria de esperar outra coisa de Ragnarök na PlayStation 5. Apesar do primeiro jogo se comportar muitíssimo bem nesta nesta consola, o novo título foi construído de raíz com este hardware. O resultado é francamente brilhante. Um dos principais elementos, é a ausência de ecrãs de carregamento notórios (estão lá, mas não são evidentes), além de um carregamento inicial. Isto cria uma continuidade impressionante entre cenas intermédias e de jogabilidade.

E que cenas… Desde a modelação insana de personagens e cenários, efeitos especiais e animações, até aos planos de câmara “orgânicos” e realistas, em alguns momentos, somos transportados para este mundo de fantasia de uma forma que, só não é mais realista por causa da pura fantasia do que se passa no ecrã. Emana qualidade, de uma forma tão polida, quanto funcional. E ainda falta mencionar que, uma vez mais, o comando DualSense faz parte da imersão, com as funcionalidades de feedback háptico. É das melhores experiências PS5 que poderão ter.

Uma nota muito positiva também para o áudio do jogo. Não apenas pela excelente integração do Áudio 3D (na PS5), realmente direccional e imersivo, mas também pela fantástica banda sonora, tão (se calhar, ainda mais) épica com a do primeiro. Claro que também devo destacar a óptima localização em língua Portuguesa, tanto dos menus como das legendas na tradução versão Inglesa, mas também na dobragem das personagens. Este é um esforço enorme da Sony Interactive Entertainment Portugal que nunca se cansa de tão bem representar a nossa língua.

Veredicto

A equipa do Santa Monica Studio demorou o seu tempo. God of War: Ragnarök não é fruto de alguma pressa de lançar um jogo com uma consola. Muito pelo contrário, é um trabalho de imenso cuidado e carinho por uma história rica em pormenores, em personagens fortes e de um enredo fenomenal, a história de um pai e de um filho que se reencontram perante a adversidade, sem nunca terem estado realmente longe um do outro. É uma evolução de jogabilidade, de visual e de conteúdo. É tudo o que pedimos numa sequela, especialmente depois de um primeiro jogo também absolutamente essencial. Por tudo isto, é um jogo obrigatório na vossa PS4 ou PS5.

  • ProdutoraSanta Monica Studio
  • EditoraSony Interactive Entertainment
  • Lançamento9 de Novembro 2022
  • PlataformasPS4, PS5
  • GéneroAcção, Aventura
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Simplesmente imperdível, candidato a jogo do ano.

Simplesmente imperdível, candidato a jogo do ano.

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Esta análise foi realizada com uma cópia de análise cedida pelo estúdio de produção e/ou representante nacional de relações públicas.

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