DeliverMars (1)

Análise – Deliver us Mars

A KeokeN Interactive ficou amplamente conhecida com Deliver us The Moon, uma surpresa Indie com uma história e jogabilidade engenhosas. Deliver us Mars é uma tentativa de expandir essa experiência.

Neste género de jogos de ficção científica, é inevitável que haja alguma ameaça extraterrestre ou algum conflito entre facções, onde acabamos aos tiros ou a fazer algum tipo de combate. OK, nem tudo tem de ser assim. E é por isso que Deliver us The Moon teve tão boa crítica, já que criou uma experiência cientificamente “plausível” (com muita crítica a alguns pormenores técnicos, mesmo assim), bastante cerebral e sóbria mas, acima de tudo, tinha mistério e muitos temas profundos para lidar. Só era preciso que a produção elaborasse mais esse conceito com um segundo jogo.

Segundo a produção, não precisam jogar o título anterior para abordar Deliver us Mars mas já vão ver que não é bem assim, sendo recomendado que o façam. Há uma ponte concreta entre os dois enredos e os pontos principais do primeiro jogo poderão causar alguma confusão. Tentarei aqui muito rapidamente explicar a história do primeiro jogo e depois farei a tal ponte para a história do segundo. Inevitavelmente, porém, não é possível aprofundar demais a história que se passan Lua, até porque não é esse título que estamos aqui a analisar, certo?

Num futuro próximo, os recursos na Terra irão esgotar-se. Num esforço por encontrar alternativas à extinção, a Humanidade olha para o espaço. A World Space Agency inicia um projecto de construir uma central energética na Lua para alimentar a Terra com uma nova fonte necessária de energia. No primeiro jogo, este gerador deixa de funcionar inexplicavelmente e cabe ao último astronauta na Terra, Rolf Robertsson, entrar numa missão suicida para investigar o sucedido e restaurar a esperança da Humanidade.

Quando chega à Lua, Johanson cedo descobre que o cérebro do programa energético, um tal de Isaac Johanson não “joga com todo o baralho”. Além de raptar a sua filha Kathy, toma decisões bastante discutíveis e faz algumas coisas ainda mais condenáveis. No final, Rolf sacrifica-se mas a missão é bem sucedida, a central é reactivada e a Terra pode respirar de alívio… por um tempo. Kathy é também encontrada e devolvida à sua irmã Claire mas o paradeiro de Isaac é agora incerto.

10 anos depois desta missão, afinal, os esforços de Rolf não foram realmente suficientes. Contudo, há uma nova esperança. Uma comunicação misteriosa vinda de Marte dá a entender que gigantes naves colonizadoras, as ARK, furtadas por uma organização terrorista, poderão, afinal, ainda estar activas. Assim, uma nova missão é formada para navegar até ao Planeta Vermelho e recuperar estas naves preciosas que poderão conter o suficiente para o futuro dos Humanos.

Inevitavelmente, Kathy é agora a protagonista, que tudo faz para sensibilizar a sua irmã Claire para entrar na missão Zephyr para Marte. Os seus intentos, porém, não são claros. Apesar de haver um claro jogo mental de Kathy para nos convencer que quer “fazer o que é correcto”, é mais que óbvio que quer ir a Marte para encontrar o seu pai Isaac. No fundo, esta é uma repetição da história do primeiro jogo, com o peso emocional de escolher salvar a Humanidade ou a família.

Esta não é contudo, uma história bem construída. Há imensos “buracos” na trama, diálogos sem grande nexo e até algumas situações em que as personagens têm reacções estranhas ou de raciocínio duvidoso. Vários elementos são estranhos, ou escritos sem profundidade, o que nos remove por completo da imersão narrativa pretendida. Ainda assim, tenho de dar uma nota positiva ao casting que bem se esforça em dramatizar a acção. Infelizmente, não chega, porque também a jogabilidade não ajuda.

Este é também um título de aventura com exploração (limitada) e puzzles. Tal como o primeiro título, Kathy terá de resolver alguns puzzles mais ou menos elaborados, na maioria simples, por vezes recorrendo a um companheiro robótico. Nesta segunda parte, a produção preferiu prescindir dos infames puzzles com células de energia ou peças de rodas dentadas para dar lugar a novos puzzles com raios energéticos e… secções de escalada. Sim, estamos em Marte, há mais gravidade que na Lua… mas…

Enquanto que as secções de plataformas em Deliver us The Moon eram rápidas e serviam mais de transição que desafio, aqui a produção achou por bem tornar Kathy uma autêntica “Lara Croft Astronauta”. E não correu bem. Há vários momentos em que a escalada é só aborrecida, a interação é muito “robotizada”, margem de erro é ínfima e as transições são algo complexas demais, havendo mesmo momentos em que frustra não atingir a “perfeição” que o jogo exige. E noutras ocasiões até ficamos presos com as picaretas na parede sem saber o que fazer.

Este é, aliás, um dos maiores problemas do jogo, a sua orientação. Por exemplo, temos secções em que temos de decifrar um puzzle tridimensional para obter um holograma. Só que o jogo não explica como o resolver. Lá entendemos que temos de mover o nosso robot nos três eixos até alinhar as peças mas não há nada em jogo que nos explique isso. Também é raro termos passos para resolver outros puzzles e é possível ficar simplesmente preso em algumas secções, sem qualquer direcção a tomar, só o destino.

Ficar preso neste jogo é mesmo frequente, não apenas por falta de orientação mas também por causa de erros de lógica. São inúmeros os momentos em que uma porta não abre quando devia ou quando um botão para interagir fica bloqueado. Há bugs deste calibre que nos obrigam mesmo a sair e voltar a entrar no jogo. Isto, porque não temos qualquer modelo de savegame, tudo é salvo automaticamente recorrendo a checkpoints automáticos. Tirando os savegames automáticos, só podemos escolher capítulos, começando sempre no início. Enfim.

No que toca ao que é realmente novidade, os novos puzzles com feixes de energia são relativamente interessantes, embora ache que o uso do laser de corte para algumas secções não seja bem explorado no seu potencial. Dada a dimensão dos cenários, parece ser óptimo para exploração. Contudo, este é apenas um “engodo”, já que o jogo é perfeitamente linear, tal e qual o título anterior. O melhor exemplo são as secções de condução em que, claramente, não há uma estrada mas… olhem bem, só há um caminho.

De um modo geral, o jogo tenta expandir a jogabilidade do título anterior mas fico com a sensação que o faz apenas para durar mais tempo. Das cerca de 4 horas do jogo original na Lua, temos aqui umas 8 horas em Marte. Isto, se quiserem jogar sem pressa, procurando bem todos os coleccionáveis e hologramas. Notem, porém, que cerca de 1/4 deste tempo é passado a ver cenas intermédias. O que torna a real porção jogável bem menor que o previsto.

Um exemplo de “queimar tempo”, são os “flashbacks” de Kathy a reviver os últimos momentos felizes (e menos felizes) com a sua família. Por exemplo quando Kathy entra numa tempestade de areia a conduzir o rover e subitamente “acorda” no meio de uma trágica tempestade na sua infância. Outros jogos fizeram isto de forma exemplar, mas aqui são sequências aborrecidas e cheias de justaposição para criar uma simpatia (ou antipatia) por alguma personagem e que não adianta à história.

Pior, estas sequências são desnecessariamente interactivas e, por isso, não as podemos saltar. Sim, podemos saltar as cenas intermédias que não possuem interacção e que a produção resolveu criar usando o motor do jogo (um erro como irão ver já a seguir). Mas, muita da exposição e avanço no enredo ocorre aí mesmo, pelo que saltá-las criará um vazio narrativo e que falha em justificar algumas acções. Então, sim, temos mesmo de levar com essas sequências algo aborrecidas, porque também queremos perceber os desenlaces.

Por fim, a parte técnica. A ambição da produção é de louvar. Este é um jogo bem maior em escala e em envergadura de cenários. Criado no Unreal Engine, de facto, as naves, a paisagem desolada de Marte e os vários sectores de jogo, possuem um design fantástico e com efeitos de luz muito bem conseguidos. Contudo, no que toca às personagens em si, na falta de uma melhor expressão, é o total descalabro. No primeiro jogo, Rolf nunca removeu o capacete. Neste, desejámos muito que Kathy também não o tirasse. Nem ela, nem nenhuma outra das personagens.

Sem querer ser demasiado duro com a produção, vou só dizer que as faces são genéricas, as expressões faciais são robóticas e temos aqui a pior simulação de cabelo que há memória (no PC). Também a anatomia e as suas animações são estranhas, havendo imensos glitches de movimento e erros na detecção de colisões da IA. Seria um jogo fantástico… há 20 anos atrás. Fica no ar uma sensação que a equipa simplesmente não esteve à altura da fasquia elevada com esta sequela. Falta-lhe muito polimento.

Termino com uma nota positiva para o áudio do jogo. Já falei como o casting de vozes é fracamente positivo, com óptimas prestações dos actores, mesmo que o argumento e as personagens digitais não ajudem a contar a história. Os efeitos sonoros são também credíveis e imersivos, em especial nas secções com passeios no espaço ou em áreas sem atmosfera. Curiosamente, também a banda-sonora oferece qualidade, sendo composta pelo aclamado Sander Van Zanten.

Veredicto

Como jogo de aventura com puzzles, Deliver us Mars traz-nos a mesma oferta geral e desafio que o primeiro título da produtora, agora com uma maior dimensão e com uma profundidade mais acentuada na história. Não podemos dizer que “maior é melhor”, porém. Visualmente, tem uma qualidade mista, tendo várias falhas técnicas, relacionadas com modelação de personagens e polimento geral. O que traz de novo é, de facto, “maior” mas só dimensão não chega. Os seus imensos erros desapontam, especialmente porque gostei bastante de Deliver us The Moon.

  • ProdutoraKeokeN Interactive
  • EditoraFrontier Foundry
  • Lançamento2 de Fevereiro 2023
  • PlataformasPC, PS4, PS5, Xbox One, Xbox Series X|S
  • GéneroAventura, Puzzle
?
Sem pontuação

Ainda não tem uma classificação por estamos a rever o nosso esquema de pontuações em análises mais antigas.

Mais sobre a nossa pontuação
Não Gostámos
  • Faces e anatomia das personagens
  • Animações no geral
  • Secções de plataformas e picaretas
  • Cenas intermédias longas e insípidas

Esta análise foi realizada com uma cópia de análise cedida pelo estúdio de produção e/ou representante nacional de relações públicas.

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