AtomicHeart (1)

Análise – Atomic Heart

Se nos últimos dias lerem sobre este jogo, não se admirem de ver ódio em seu redor. Como em todas as coisas incompreendidas, há uma a injustiça em torno de Atomic Heart e da produtora Mundfish.

Vamos, desde já, colocar as coisas numa perspectiva correcta. A Mundfish é, de facto, uma produtora de origem Russa, algo que tenta afincadamente omitir da sua informação oficial e site. Isto não significa que, de forma alguma, apoiem a invasão da Ucrânia. Mas, hoje em dia é difícil dividir a política de tudo o resto. Por isso, algumas pessoas decidiram levar o seu protesto anti-guerra para se focar neste jogo. Esta não é, de todo, uma situação evitável e a produtora estaria ciente que isto iria acontecer.

Já ouvimos falar de Atomic Heart há alguns anos, muito antes da guerra. E é curioso que a produção nunca escondeu a temática de uma União Soviética renascida num universo utópico. Na altura, tivemos “vibes” de Wolfenstein a revisitar o polémico tema do Terceiro Reich. Uma revisita a uma era vista de uma perspectiva inteiramente única, de um eterno inimigo que impossivelmente ganhou a grande guerra e tornou-se numa superpotência tecnológica. Só que, na altura, ninguém acusou a id Software, MachineGames ou a Bethesda de apologia ao regime nazi.

Infelizmente, a produção não reagiu muito bem à pressão das suas origens, aos possíveis embargos de conteúdo e à cultura de cancelamento em torno de tudo o que tem origem Russa. Agora sediada no Chipre, a empresa luta por se destacar das decisões de Moscovo mas é inevitável que a opinião pública seja dura. No entanto, tal como aconteceu com a tentativa de cancelar Hogwarts Legacy, também aqui é necessário colocar os temas paralelos no seu lugar e dar uma oportunidade ao projecto.

Antes de começar, porém, quero que fiquem claras duas coisas. Em primeiro lugar, o WASD não pretende que, ao analisar este jogo, estejamos, de alguma forma a apoiar qualquer mensagem política. Sempre tentámos ser isentos nas notícias que surgem em torno do conflito, inclusive notícias vindas da Rússia e países apoiantes. Em segundo lugar, vamos analisar o jogo tal como ele se apresenta, colocando de lado pressupostos ou preconceitos. No fundo, só queremos saber se o jogo merece a vossa atenção. Deixaremos os comentários políticos para os especialistas.

O Major Sergei Nechaev, nome de código P-3, é um agente do governo em visita à Facility 3826, uma cidade flutuante secreta e futurista da União Soviética. Neste universo utópico, a URSS tornou-se numa potência tecnológica depois de ganhar a Segunda Guerra Mundial, graças aos esforços e às descobertas do cientista Dmitry Sechenov no que é chamado de polímero, um líquido milagroso, capaz de diversos avanços a nível energético e robótico. A cidade flutuante é tão avançada, que a sua população deixou de trabalhar, com os robôs a fazer todo o trabalho.

A visita de P-3 não é casual. O seu mentor Sechenov está prestes a revelar um importante passo para a total hegemonia da União Soviética. Está prestes a iniciar o protocolo Kollektiv 2.0, que irá definitivamente interligar as inteligências artificiais com a dos humanos, através do dispositivo “Thought”, que é incorporado nas pessoas para criar uma espécie de avatar sintético na rede. Só que, algo não corre bem, o projecto é sabotado e subitamente os robôs pacíficos começam a matar toda a gente.

Esta é uma longa história de investigação, em que iremos caçar os culpados do descalabro, ao mesmo tempo que se desenrola uma intrincada conspiração. A própria sanidade mental do protagonista é amplamente posta em causa, havendo mesmo curiosos diálogos e até inteiros níveis a explorar essa dinâmica. P-3 começa a descobrir que, afinal, não foi informado de tudo o que se passa e, se calhar, pode ser um instrumento letal nas mãos de alguém incrivelmente perigoso e com planos macabros.

Este enredo é, de certa forma, surpreendente pela sua profundidade e pelos engenhosos desenlaces. Não se pode dizer que é previsível, muito por causa das suas constantes reviravoltas de contornos quase insanos. No entanto, também não posso dizer que não consegui prever alguns eventos a meio do trajecto. As cenas intermédias são bem produzidas, com as prestações dos actores bastante positivas, mesmo que alguns pareçam pouco inspirados (pelo menos na versão Inglesa dos diálogos).

A narrativa complexa é complementada com diálogos que possuem interacções opcionais com várias personagens, criando um lore muito profundo, alimentado pelas já mencionadas cenas intermédias e diversos documentos e mensagens espalhados pelo mundo do jogo. Há uma clara loucura em algumas secções e com algumas personagens, algo que só alimenta a estranheza de toda esta combinação de temas e elementos.

Notaram certamente que há imensa influência de jogos como Bioshock. Há, de facto, um paralelo muito curioso, especialmente com o mais recente Bioshock Infinite, trocando os céus de Columbia pela cidade futurista Soviética. Tirando as óbvias diferenças temáticas, os contornos são francamente semelhantes, obviamente contados com outro… sotaque. Até mesmo a jogabilidade, o tom e alguns rumos narrativos possuem um paralelo muito notório. Nada contra esta relação estreita, porque nunca chega a ser um plágio.

Embora numa análise simplista este jogo possa ser chamado de “shooter”, porque tem, de facto, muitos tiros à mistura, há também elementos de role-play, puzzles, crafting e até possui secções de mundo semi-aberto à exploração. O protagonista mistura balas com armas de energia e poderes, no que é novamente um bom paralelismo com Bioshock. Ainda assim, Atomic Heart possui um ADN muito próprio, cheio de ideias novas e algumas já vistas, lançadas ao ar para ver quais “colam”.

Temos uma árvore de evolução para desbloquear poderes do Polímero, entre escudos de danos, a raios congelantes. Tudo é controlado com uma luva… que fala. Sim, é uma luva muito especial, já que possui uma inteligência artificial que age como um companheiro de aventura. A dinâmica de uso de armas convencionais ou energéticas com esta luva, torna a jogabilidade interessante, especialmente com os seus comentários mais ou menos corrosivos e as respectivas reacções de P-3.

Quando não estamos aos tiros ou a disparar raios com a mão, estaremos a resolver vários puzzles. A sério, vão encontrar muitas portas fechadas e, em alguns casos, algumas secções envolvem um enorme puzzle gigante que nos obriga a usar largas porções do mapa em busca de pistas ou peças de um quebra-cabeças. Claro que nada é realmente facilitado, graças a uma miríade de robots e seres mutantes de Polímero que farão de tudo para nos juntar à lista de defuntos. E aqui reside um ponto preocupante.

De um modo geral, achei Atomic Heart um jogo difícil. Não porque seja demasiado complexo nas suas lógicas, tem tudo a ver com a “dureza” dos seus inimigos. As armas são diversificadas mas precisam de evoluir bastante para serem significativas. O mesmo acontece com os poderes, exigindo muitos upgrades para se tornarem mais úteis. Ao encontrar os primeiros bosses e mini-bosses, percebemos que são só “esponjas de balas”, sem que tenhamos munição suficiente para dar conta do recado.

Por outro lado, temos um esquema de esquiva que é bastante penalizador. Aparecem uns círculos laranja quando os inimigos estão prestes a dar-nos um golpe indefensável e temos mesmo de nos desviar. Mas, tem de ser no momento certo ou seremos arremessados para o chão. Temos também alguns quick-time-events pelo meio em sequências animadas e ainda temos de lidar com escassez de balas, cooldowns de poderes e recargas de armas energéticas, sem esquecer o pontos de salvamento fixos e esporádicos. São muitas camadas de dificuldade quando os inimigos são tão resilientes e, por vezes, em grande número.

É preciso notar que o jogo possui três níveis de dificuldade, mas que não alteram esta lógica de combate, apenas reduzem os danos sofridos por P-3. O que faz com que no início, nos primeiros embates, fiquemos com a sensação que a produção só quer mesmo prolongar o jogo por nos matar com frequência. Como já disse, com a evolução de poderes e armas, as coisas mais ou menos equilibram-se lá mais para o meio. Ainda assim, esperava uma evolução menos penalizadora na dificuldade inicial.

É impossível ficar indiferente ao design deste jogo. Mensagem política de lado, porque me parece mais satírica que outra coisa, a visão do ideal minimalista e ao mesmo tempo megalómano, tipicamente Soviética, é recriada com uma arquitectura e tecnologia únicas, obviamente adaptada a uma “futurologia” electrónica e, por vezes, opulenta. Os muitos cartazes e estátuas de cariz político que se esperavam, foram evitados. Estão lá, sim, mas são raros e quase sempre trocados pelas figuras preponderantes do lore fictício do jogo.

De resto, poderíamos mesmo dizer que estamos no meio da União Soviética em 1955, ora não se tratassem todos como “camaradas”. Só que, obviamente, aconteceu algo fantástico (a evolução acelerada da tecnologia) e também algo trágico (a rebelião dos robots) para destruir tudo a seguir. Gostei imenso de ouvir músicas populares Soviéticas (pela imersão que criam) nos rádios do jogo e de ver uma parte da cultura Russa aqui e ali, onde nem falta a célebra avózinha rija (a babushka) como ajuda improvável no meio do caos.

De um modo geral, o design “semi-aberto” deste mundo está bem elaborado. Dá mesmo vontade de descobrir as pequenas histórias deixadas nas mensagens e nos cadáveres ainda “conscientes” com o Thought. Não é, de facto, perfeito, contendo áreas um tanto grandes demais e outras algo labirínticas e onde não há muitas ajudas para prosseguir. Nas áreas mais abertas, é possível navegar pelo mapa ao volante de um bonito carro vermelho a atropelar robots e a ouvir a tal música popular soviética, algo francamente simbólico, mas deixemos isso para lá.

Em termos técnicos, no acesso antecipado que tive, inicialmente testei um jogo muito bem optimizado, com um PC que ultrapassa o hardware recomendado. Vi um jogo com grafismo impressionante (para um título que não é bem um AAA, é de louvar), cheio de detalhes e efeitos de elevadíssimo cuidado e imensa criatividade. O design de personagens e as suas animações são fantásticos para este nível de produção, especialmente nas cenas intermédias com excelente qualidade de direcção.

Contudo, perto do lançamento tive uma actualização de título que estragou imenso o grafismo. À hora em que escrevo esta análise, ainda não foi lançada outra correcção, pelo que ficam avisados se pré-encomendaram o jogo. Além de alterar de forma bizarra a iluminação geral, criando tons escuros “deslavados”, inexplicavelmente ainda removeu a opção de desync no menu, o que cria “cortes” (screen tear) na imagem. Não sei bem o que aconteceu, pode ser apenas um descuido nesta última actualização.

Por outro lado, fiquei inúmeras vezes preso no progresso do jogo. Portas que não abriam, preso em objectos no cenário, objectivos mal indicados ou sem real referência de posição, enfim, faltou aqui polimento. A produção fez questão de não ter ecrãs de carregamento… mas eles estão lá. São momentos de transição, por exemplo, num elevador a meio de um diálogo. Agora imaginem ficar silenciosamente presos num elevador eternamente a subir… Como disse, aconteceu-me duas vezes e em ambas tive de recuperar um savegame anterior.

Veredicto

Este é um jogo com muitas ideias fantásticas, novas e recicladas, pronto para nos desafiar aos tiros ou a resolver enigmas. Tem uma narrativa bem escrita, que roça temas delicados e que tenta navegar além do “mar revolto” que é a actualidade. Tem ainda um grafismo muito bem concebido, com muita criatividade e está cheio de elementos para surpreender e entusiasmar. De facto, Atomic Heart tem tudo para vos cativar, tirando os seus problemas técnicos na versão analisada no PC. Agora, resta saber se o mundo dará uma chance à Mundfish ou se parte de… princípios.

  • ProdutoraMundfish
  • EditoraFocus Entertainment
  • Lançamento21 de Fevereiro 2023
  • PlataformasPC, PS4, PS5, Xbox One, Xbox Series X|S
  • GéneroAcção
?
Sem pontuação

Ainda não tem uma classificação por estamos a rever o nosso esquema de pontuações em análises mais antigas.

Mais sobre a nossa pontuação
Não Gostámos
  • Ligeiros problemas técnicos no PC
  • Dificuldade algo exagerada por vezes

Esta análise foi realizada com uma cópia de análise cedida pelo estúdio de produção e/ou representante nacional de relações públicas.

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