Análise – Ara: History Untold
Quando falamos de Grand Stategy, um género muito peculiar nos títulos de estratégia, há um que se destaca. Hoje, vamos falar de Ara: History Untold, um jogo que pretende destronar a hegemonia desse outro líder.
De facto, intenção não faltou à produtora Oxide Games. Afinal, é composta por alguns ex-membros da famosa produtora Firaxis que durante anos trabalha da franquia Civilization de Sid Meier, o tal líder no género que referimos acima. Embora não seja o primeiro título de estratégia desta produtora, sendo esse Ashes of Singularity de 2016, Ara: History Untold é a sua grande aposta na mais abrangente “Grand Strategy”, também conhecida por “4X”. Como tantos outros jogos baseados na fórmula, é óbvia a sua “inspiração” em Civilization, como é notória a sua intenção de não o copiar deliberadamente. Como vimos em jogos como Humankind, também aqui foi criada uma fórmula própria que, mesmo sendo sobejamente familiar, tem uma “vida” própria. A questão é só mesmo se temos ainda paciência para mais uma epopeia de larga escala.
Este é também um título onde vamos tomar controlo e elevar todo um Império ao longo de vários séculos. Tudo começa de forma humilde, com um simples povoado insignificante algures nos primórdios da humanidade. Com base na nossa estratégia e decisões políticas e sociais, vamos mesmo erguer uma inteira civilização, alicerçada, lá está, numa “história nunca contada”. Ou seja, embora os eventos originais e culturas sejam extraídos da História da Humanidade, os seus destinos são geridos por nós, podendo mesmo reescrever essa História. Os Zulus tornarem-se numa super-potência mundial e dominar o mundo? Sim, é possível.
A grande diferença aqui é que não temos propriamente “destinos” traçados, percorrendo alguns eventos pré-definidos. O rumo do jogo é guiado pelos pontos de Prestige que são ganhos por atingir objectivos peculiares. Todas as nações ganham esses pontos de prestígio, entrando numa competição global pela liderança. Quem se mantiver no topo, ganha a época correspondente, mantendo-se na disputa, enquanto que as civilizações no fundo da tabela definham. Isto permite uma dinâmica interessante, apostando em manobras mais agressivas no final de cada época, para depois abrandar o passo para algo mais progressivo quando terminam. Mas, não é um sistema perfeito, como irão ver.
Cada líder que escolhemos tem habilidades únicas. Alguns serão mais militaristas e outros mais pacifistas. O que significa que, se por exemplo formos ameaçados por um líder mais agressivo, poderemos não conseguir dar uma resposta à altura, perdendo identidade ou pontos preciosos na actual época. É possível vencermos sem guerras ou políticas agressivas, sem dúvida, podemos sempre apostar na ciência ou nos progressos tecnológicos e, assim, ganharemos de outras formas. São mais de quarenta líderes, cada um com as suas vantagens e desvantagens, o que nos permite repetir a campanha várias vezes com diferentes estratégias.
Só que há uma notória “queda” do jogo para alguns padrões evolutivos. A guerra parece sempre ser a “melhor” das estratégias, em especial se tivermos uma civilização muito grande. Isto, porque podemos alimentar a “máquina de guerra” rapidamente, apostando numa economia estável, que envolve fábricas e oficinas de material específico para a guerra. Enquanto isso, outras estratégias, como a melhoria cultural enche tudo de escolas, bibliotecas e outras dependências que, claramente, não alimentam as mesmas lógicas de combate. Se se dá uma guerra, todos sabemos quem ganha neste caso. Dizia Shakespeare que a “caneta é mais grandiosa que a espada” mas, neste contexto, o mundo (real e virtual) prova exactamente o contrário.
Assim, é mesmo possível lançar uma bomba nuclear na pele de Joana D’Arc, por mais rocambolesco que isso possa parecer. Afinal, aqui a História não está fixa no seu rumo e somos nós que decidimos como tudo se desenrola. Apenas acho que o jogo evitou algumas personagens mais importantes da História da Humanidade, para depois incluir personagens que, por mais importantes que fossem, não são propriamente reconhecidos líderes mundiais de peso político. Pessoas como Júlio César de Roma, Tokugawa Ieyasu do Japão ou Xerxes I da Pérsia são “de caras” mas, quem foi a poeta Sappho na história da Grécia? Ou quem foi Hildegarda de Bingen na história da Alemanha? Quão importante foi Wilma Mankiller para as decisões políticas dos EUA?
São figuras importantes sem dúvida, apenas são algo marginais nas grandes decisões políticas registadas. Entendo que a ideia é reescrever a História e talvez esta fosse muito diferente se estas e outras figuras tivessem vencido os seus desafios. Por exemplo, o que seria dos Conquistadores Espanhóis se os Incas tivessem expulsado os invasores e prosperassem como cultura e civilização? Interessante, não? Dá-nos imensa margem de manobra para um jogo. Contudo, algumas escolhas de líderes são um tanto forçadas, talvez a bem de uma tentativa de inclusão abrangente de homens e mulheres que, talvez, merecessem outra atenção nos livros de História. Mas, aqui, parece só uma vontade de não falar das mesmas figuras.
Por exemplo, onde estão os grandes líderes da História, como Napoleão da França, Ramsés II do Egipto ou Nabucodonosor da Babilónia? Entendo que a produção não podia abordar todos os líderes e civilizações. Também entendo que se calhar, líderes mais recentes como Winston Churchill, De Gaulle ou Gandhi seriam modernos demais no conceito de jogo. Obviamente, os controversos Estaline, Hitler ou Che Guevara seriam complicados de justificar e personificar. Mas, o critério de escolha para este jogo, confesso, causou-me confusão. Talvez a ideia fosse buscar líderes mais obscuros de histórias por contar mas depois a inclusão da Rainha Isabel I, Simón Bolívar ou George Washington fazem essa teoria cair por terra.
E não desculpo não terem incluído figuras Históricas Portuguesas incontornáveis como D. Afonso Henriques, D. João I ou D. Manuel II. Sinceramente, Portugal foi muito mais importante que este jogo dá crédito. E entristece-me que a produção tenha (literalmente) passado ao nosso lado. E não me falem em “DLC” ou expansões, ok?
Polémicas pessoais adiante, é interessante ver como o jogo divide as políticas de cada líder muito bem, não nos permitindo simplesmente mudar de rumo de forma caótica de um momento para o outro. Tal como na vida real, uma vez apostada uma política específica, estamos a encerrar uma outra avenida para outras políticas diferentes. No fundo, o jogo não quer que estejamos simplesmente a encher a civilização de armas, para de repente “vender” tudo e tornar-se pacifista. O que se pode fazer é adaptar à realidade do momento, talvez apostar num misto belicista e tecnológico em paralelo, por exemplo. E é nesse equilíbrio que a civilização se tornará mais ou menos bem sucedida a longo prazo.
Para tudo isto funcionar, o território é dividido em células que nos permitem fazer uma gestão de recursos do que podemos construir. Este mapa assume uma estratégia tipo “Jogo do Risco”, onde podemos ganhar ou perder território em conflito, ganhando ou perdendo todos os recursos lá erguidos por nós ou pelo adversário. A movimentação e as decisões tão tomadas por turnos de forma paralela, o que significa que temos sempre de tentar perceber o que é que os outros líderes farão a seguir. Às vezes é óbvio, dificilmente Genghis Khan vai apostar num império pacífico, por exemplo. Mas, noutras vezes podemos ser surpreendidos a valer.
Quando a guerra é inevitável, entramos numa fase de jogo que eu confesso não foi a melhor experiência neste tipo de interacções. A ideia de que não podemos abandonar uma guerra a meio, por mais que resulte em perdas irrecuperáveis, é um tanto irreal, obrigando-nos a levar tudo até ao fim, por vezes além do razoável. É possível procurar reforços para nos ajudar em situações mais delicadas mas fica bem claro que este não é um jogo de estratégia militar. Também achei que faltam algumas explicações para melhorar as prestações gerais, em particular nos combates. É algo que precisa de alguma dedicação para dominar como deve ser e todos sabemos que nem todos têm tempo para essa dedicação.
Outra diferença assinalável neste jogo é a incessante necessidade de explorar determinadas matérias primas e outros itens para fabricar novas tecnologias e outros recursos. Pensem nisto como uma espécie de crafting. Conquistamos uma célula com um material importante, por exemplo onde temos criação de gado ou cavalos e, com eles (e outros recursos) podemos fabricar carroças, ferramentas importantes para o avanço industrial e transporte. Nem todos os elementos que podemos construir são industriais ou belicistas, notem, podemos também fabricar jardins para o bem-estar dos cidadãos ou comida específica para suprir algumas cidades. Só assim mantemos a nossa civilização animada e bem fornecida, para continuar a expandir a nossa influência pela História. O que é, claramente, algo difícil de conseguir.
De facto, este é um jogo onde teremos de apostar forte na eficiência. Quanto mais alimentarmos a nossa civilização com políticas coerentes e boa gestão, quanto melhor a defendemos e motivamos para continuar a evoluir, mais pontos ganhamos. A única “cartada” que desequilibra as contas é mesmo quando uma civilização muda de estratégia e acha que tem de guerrear connosco. O que, de repente, nos pode demover dos melhores planos. Numa das minhas passagens pelo jogo, cheguei a dominar uma grande área de jogo, envolvendo a dimensão de vários países. Contudo, bastou-me uma invasão que não antecipei, exactamente numa área onde tinha alguns recursos importantes e perdi uma boa parte do sustento dessa estratégia.
O que me leva a outro ponto divergente nesta análise: com a já mencionada dedicação é também preciso paciência. Como já disse quando falei das lógicas de guerra, nem tudo é bem explicado em jogo, exigindo algumas pesquisas de menus e sub-menus até obtermos algumas respostas satisfatórias. Como em qualquer outro 4X, a ideia é que as opções se ramificam e tornam-se cada vez mais complexas. Por isso, seria bom temos um fio condutor, um pequeno rumo a seguir, com objectivos mais concretos. Por exemplo, que recursos realmente precisamos para fabricar determinados itens mais úteis para a nossa estratégia. Isto, aliado a uma falta de informações globais, como não ser possível perceber facilmente a economia geral, faz-nos perder imenso tempo em busca de informações.
Em termos visuais, Ara é um jogo com muito mais detalhes de arregalar o olho que o rival Civ, embora tenha uma notória vontade de um emular com as suas personagens. Todavia, façam zoom no mapa e poderão ver os pequenos cidadãos nas suas actividades mundanas a trabalhar para a “grande máquina” que estamos a criar. Dá-nos um estranho “poder divino” observá-los, especialmente durante as grandes batalhas. Infelizmente, a interacção não é de micro-gestão, mas sim nas movimentações em larga escala. Assim, a nossa é feita maioritariamente por ícones, células e muitos, mesmo muitos, menus. Em nenhum plano técnico o jogo conquistará alguém pelo grafismo. Mas, neste ponto, penso que ninguém joga títulos 4X exactamente em busca de algum deslumbre visual.
Veredicto
Se gostam de reescrever a História, elevando um povo e o seu líder obscuro do anonimato ao domínio mundial, há mais um jogo para o efeito. Embora Ara: History Untold seja bastante familiar para quem gosta do género, não é apenas um “clone” do rival Civilization. Possui algumas boas ideias, como a sua lógica de pontos, ranking e eliminação, assim como o “crafting” de itens que abre imensas possibilidades. De um modo geral, é um jogo de equilíbrio e que exige bastante paciência para entender. Infelizmente, os detalhes onde inova podem ser algo superficiais, acabando por precisar do mesmo que todos os outros “4X”: a nossa própria paciência para o dominar. E aí, portanto, torna-se igual a tantos outros: “é porreiro mas não é o Civ”.
- ProdutoraOxide Games
- EditoraXbox Game Studios
- Lançamento24 de Setembro 2024
- PlataformasPC, Xbox Series X|S
- GéneroEstratégia
Podia ser melhor mas tem alguns pormenores positivos que podem agradar a muitos jogadores.
Mais sobre a nossa pontuação- Boa ideia de pontuar para evoluir e ganhar épocas
- Crafting adiciona estratégias interessantes ao jogo
- Pode ver o que cada cidadão está a fazer
- As batalhas por vezes épicas e empolgantes
- Falta Portugal
- Alguns líderes marginais na História
- Algo complexo nos seus menus e lógicas a médio prazo
Esta análise foi realizada com uma cópia adquirida pela redacção.